23/04/2007

O NOVO TERRAMOTO DE LISBOA: O TERMINAL DE CRUZEIROS PROPOSTO PARA LISBOA

Como diz e bem, Iñaki Uriarte, em 1997 com a construção do Museu Guggenheim em Bilbao, abriu-se um precedente grave nas cidades, como um vírus que se tem propagado de forma violenta destruindo as cidades históricas. Podemos classificar esta situação oportunista, como um afortunado episódio, com implicações de diversa ordem e contextualizadas, numa Espanha onde as autonomias provocam alguma instabilidade com reflexos de ordem turística que afectam todo o país.
Neste caso um vírus exclusivamente arquitectónico, escassamente museológico, relativamente cultural, de “voyeurismo” egocêntrico de carácter colectivo com efeitos lúdicos e sociais convulsivos, mas intelectualmente redutor e duvidoso. Resultou na estranha transformação de uma cidade industrial e de serviços, numa cidade artificialmente turística, em que os valores patrimoniais e a fisionomia urbana de vistas panorâmicas cidade/mar, um centro histórico coerente e de raízes profundas de várias gerações, foram substituídas por um pastiche, como um “capachinho”, postiço que carece dos principais atributos de um lugar com História.
Em Lisboa, e após a atrocidade realizada com a Agência Europeia para a Segurança Marítima e o Observatório Europeu da Toxicodependência no Cais do Sodré, onde o comum lisboeta nunca deverá se deslocar, vem agora a APL com o Terminal de Cruzeiros, apresentar um projecto de profundo mau gosto. Um insulto à Cidade de Lisboa, demonstrativo de um profundo desconhecimento e compreensão da Cidade de Lisboa, revelador de uma preocupante ignorância dos seus patrocinadores, com a destruição de um valor patrimonial incalculável que é a Cidade Histórica de Lisboa.
Este projecto denuncia uma visão economicista da Cidade, demonstrativa de um provincianismo e ignorância cultural mas também intelectual, de quem tem a gestão da frente rio da Cidade de Lisboa.
Este projecto provoca o colapso da frente rio histórica não é aglutinador dos interesses dos seus habitantes, nem tão pouco responde a uma implicação de cidadania ou de melhoria ou valorização substancial da Cidade de Lisboa.
Uma transformação carnavalesca, por gente com poder de decisão mas sem responsabilidades ou deveres perante a sociedade, para uma massa social endinheirada e maioritariamente inculta. Restos de uma burguesia retrógrada, com horror das suas origens e tradições, que se pavoneia periodicamente por eventos efémeros, exibindo a sua vaidade e banalidade, e que viveram o último século de forma oportunista, e sem retirarem as devidas ilações.
O Terminal dos Cruzeiros é um “brilhante” exercício de fantasia arquitectónica, convertido graças a um estranho e duvidoso poder publico totalitário. Transformando o terminal num objecto de suposto interesse e repercussão na economia nacional.
Nunca um aluno meu em Portugal ou nos EUA alguma vez apresentou tamanho disparate! Um barrote de cerca de 600 metros lineares com 8 metros de altura em frente à Cidade Histórica!
Este projecto é fruto da ligeireza de análise, da confusão na espectacularidade arquitectónica, no sensacionalismo mediático, um urbanismo especulativo e destrutivo, uma enorme fraude, um enorme logro, com gravíssimas repercussões geracionais.
Esta situação é reveladora do descalabro urbanístico que representa a adição avulsa, da colocação de objectos arquitectónicos apátridas sobre um cenário espectacular único que deveria ser património da humanidade que é a Cidade de Lisboa. Uma ofensa à história, à paisagem, ao património (do qual somos apenas fieis depositários), aos Lisboetas.

Gonçalo Cornélio da Silva

10 comentários:

Anónimo disse...

Não sou contra o terminal de cruzeiros, mas em Lisboa há uma apetência inconsequente por entupir as zonas já de si saturadas da capital.
Com um frente ribeirinha de 15km escolh-se precisamente a zona mais congestionada da cidade e precisamente frente ao conjunto urbano antigo de alfama.
A ribeira de alfama não devia ter absolutamente nada naquela zona, a não ser uma passeio marítimo ou um relvado, como os que existem em Belém.
Alfama sempe estive ligada ao rio e apenas faz sentido que as vistas sejam desafogadas na zona.
Numa cidade em que até se pensou colocar naquela zona a feira popular, não admira mais esta inconsequência.
Porque não reabilitar a frente ribeirinha de santos, alcântara, ou a Docapesca com este investimento? São zonas mais modernas e que suportam volumetrias superiores e com melhores acessos.
Numa altura em que se fala de libertar trânsito daquela zona, reabilitar o edificado com actividades não pesadas, o Porto de LIsboa até é coerente com outro erro prestes a ser terminado: a construção das sedes das agências europeias no Cais do Sodré... Já me faz lembrar o velho POZOR.
Mais uma vez o Porto de Lisboa demonstra o seu poder, passando por cima de qualquer planeamento, sem qualquer respeito pela cidade.
Devemos insurgir-nos contra esta atentado à cidade, sem demoras e demonstrar que, apesar de uma Câmara Municipal em putrefacção, os habitantes da cidade estão vivos e de boa saúde.

Anónimo disse...

EXCELENTE texto! A preocupação de devolver o Rio aos habitantes de Lisboa, é prioridade zero. E mais grave....estamos a perder uma oportunidade histórica de tal acontecer. As gerações futuras não nos vão perdoar estes erros! Disso podemos estar nós seguros.

JA

Anónimo disse...

Porque é que não constroem o Terminal na Nova Marina de Lisboa, por exemplo?
http://lx-projectos.blogspot.com/
Ou em Santos, Alcântara, Xabregas, Parque das Nações, Margueira...enfim...
Há mais de 15km de costa onde escolher. Tinha de ser em cima de Alfama...

Paulo Ferrero disse...

O pior nesta coisa toda é que a APL anuncia um projecto como sendo, mais uma vez, facto consumado, o que é grave.

Mais, parece-me que se trata de um novo POZOR (lembre-se posto fora de combate depois de muita polémica graças a pessoas como M.Sousa Tavares, por ex.), só que às gotinhas... sem haver discussão pública, sem a CMl se pronunciar ... enfim, à boa maneira da APL. Grave.

Anónimo disse...

Dá-me a sensação que o Sr. Cornélio ainda não percebeu que já não estamos no séc. XVII mas no XXI, 2007! Talvez fosse interessante mostrar-nos os seus trabalhos e o que aprendeu em Notre Dame... e já agora o que ensina aos seus alunos. Assim nós, lisboetas, compreenderíamos melhor como é que sua frente ribeirinha ficava se fosse o sr. a planeá-la.

Maria Antónia Santos

Anónimo disse...

A crítica a algo, não implica obrigação de apresentar alternativas. Nem creio que esse texto seja um grande desafio à imaginação. Trata-se de uma zona histórica única, num local privilegiado. Lisboa não necessita novas barreiras frente ao rio, nem de projectos para a desfigurar.
E já agora, por estarmos exactamente em 2007, é que deveríamos ter mais cuidados com a nossa cidade.

JA

LUIS MIGUEL CORREIA disse...

O maior erro associado ao projecto do novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa reside no atraso da iniciativa em cerca de 10 anos.

Em termos históricos pode fazer-se uma analogia sobre o que apareceu primeiro - o ovo ou a galinha - o que adaptado à nossa Ulisseia se lê - a cidade ou o porto?

Foram as condições naturais únicas do estuário do Tejo que ao longo dos séculos propiciaram a cidade portuária de Lisboa. A zona Terreiro do Paço - Santa Apolónia onde se vai inserir o novo terminal de navios de passageiros é um local de grande tradição marítima, cuja última intervenção ocorreu em 1998 quando da Expo.

A Doca do Jardim do Tabaco e os cais adjacentes está praticamente abandonada e em profunda degradação. Apesar do livre acesso actual, a população não enche o local, assim como os Lisboetas não enchem o Tejo de velas e outras manifestações náuticas, pela razão simples de que hoje as pessoas detestam o Mar, os Navios e a água. A presença de navios atracados aos cais de Lisboa empresta à cidade uma dimensão cromática e de formas que realça as linhas naturais da cidade e a sua vocação natural para as coisas marítimas.

O terminal de cruzeiros é necessário com a maior urgência. Pode-se discutir a opção estética das soluções arquitectónicas, mas não se deve pôr em causa as funcionalidades portuárias. Porque o PORTO é uma peça fundamental da CIDADE em Lisboa. Pena é que muitas áreas de negócio marítimo tradicionais de Lisboa se tenham evaporado nas últimas décadas.

Os cruzeiros são hoje um dos segmentos da indústria turística internacional com maior taxa de crescimento. Lisboa já perdeu há muito uma possível liderança na Europa Ocidental como porto de embarque e desembarque de cruzeiros a favor de Barcelona. As infraestruturas existentes são insuficientes perante a procura e o novo terminal só peca por atraso.

O local de inserção do novo terminal é excelente. Vai trazer mais valias à zona e proporcionar uma vista privilegiada de Lisboa para quem por umas horas visita Lisboa a bordo de um navio. Muito melhor que na zona Alcântara - Rocha, com um enclave de contentores pelo meio.

Em Portugal parece que as pessoas teimam em cultivar uma resistência retrógada à mudança. Foi assim quando Pombal aproveitou o terramoto para arrasar a baixa e reconstruir tudo de raiz. Andou-se 100 anos a discutir as generalidades da construção de um Porto em Lisboa, iniciativa que só teve concretização no final do século XIX. Tudo isso é atraso. Atraso ao nível de mentalidades, divórcio face às dinâmicas do presente. O Portugal dos pequeninos acarinhado pela inquisição, por Salazar...

Por mim manifesto uma enorme satisfação pela iniciativa da APL. Quanto mais navios em Lisboa melhor. Pena que nenhum seja português...

Luís Miguel Correia

Anónimo disse...

Gostaria que ficasse esclarecido de que: Não estou contra o Terminal de Cruzeiros, nem Agencia Marítima, ou Observatório de toxicodependência, o que não posso aceitar é que continuamos com índices de país subdesenvolvido, com graves assimetrias sociais.
Não posso aceitar que se façam 1 expo, 10 estádios, e não temos um serviço de saúde e hospital como deve ser. Para dar-vos um exemplo uma criança com 16 anos irá pagar dos impostos, até aos 28 anos os estádios, a Expo até aos 32, e a Ota até aos 56 anos! Estamos nitidamente a consumir recursos futuros.
Entre Santa Apolónia e o Cais do Sodré existem 2.400 metros, com a construção do terminal somente 900 metros serão passíveis de serem publicos! Como será possível ver as colinas a caírem sobre o rio, será que o passeio ribeirinho nesta zona não seria absolutamente espectacular? Com a vista do castelo, das colinas de Alfama?
Será que a propriedade municipal e do estado, não será desvalorizada, por um edifício de 600 metros colocado em frente?
Em termos de desenho urbano, não seria mais fácil colocar os paquetes no braço de mar da Rocha Conde de Óbidos? Não seria possível colocar o interface de transportes em Santa Apolónia, onde irá existir comboio, metro mas não barcos para a outra margem? E a Estação Sudoeste do Terreiro do Paço, ser a agência Europeia de Navegação? Será que não seria mais interessante fazer sair as pessoas de dentro do edifício do Terreiro do Paço, de forma a dar vida ao próprio edifício em vez de fazer um “vomitorium”, que bloqueia as vistas e perspectivas da arcada?
No século XVIII o projecto de reconstrução da Baixa permitiu que todas as classes vivessem juntas, partilhavam o mesmo edifício, no século XX colocámos os "pobres e desfavorecidos" nas margens da nossas cidades. Será que isto lhe diz qualquer coisa!

Justamente por viver no século XXI sou da opinião e acredito no "PRINCIPIO DO DEVER" ou seja primeiro tenho DEVERES para com a sociedade/o meu semelhante e só depois DIREITOS.
Bem sei, que é um pouco à frente! Que posso fazer? Sou assim!

Gonçalo Cornelio da Silva

Anónimo disse...

É assim mesmo!
Estamos fartos deste turismo. Turistas que gastam em média 7 euros em Lisboa, ou veem Lisboa do deck do navio, que fica mais ou menos à mesma altura que o castelo de São Jorge, não serve.
Não seria preferível gastar o dinheiro e investir no poderoso lobby da navegação e ficarem mais tempo para visitarem a nossa cidade.

LUIS MIGUEL CORREIA disse...

Essa ideia de os turistas gastarem €7 euros é totalmente falsa. Os valores são muito superiores e dispersos por pagamentos de taxas, prestação de serviços, etc...
E depois, Lisboa tem instalações muito deficientes para receber o turismo de cruzeiros. Se mesmo assim ainda cá vêm tantos navios é porque Lisboa é um porto e uma cidade como há poucas na Europa. É um deslumbre chegar a Lisboa num navio, por mar. E assim a nossa cidade torna-se património da humanidade. Quem somos nós para de forma xenófoba impedir quem quer que seja de admirar viver e sentir Lisboa só porque supostamente só irá gastar 7 euros? Francamente é um absurdo. Feio mesmo.