20/05/2007

Inquilinos e senhorios lutam por prédios em ruínas

IN DN 20-05-2007 Kátia Catulo

"Uma guerra entre senhorios e inquilinos pode durar uma vida inteira. Em Lisboa, na freguesia de Santos- -o-Velho, há um punhado de idosos a viver nos escombros enquanto travam longas batalhas com os proprietários dos apartamentos onde sempre viveram.

Maria da Conceição Cunha e Helena Reis receberam ordem de despejo em Março e têm de desabitar o prédio da Rua do Meio à Lapa no fim deste mês; Rosa Rodrigues não tem cozinha nem casa de banho, porque diz que o seu senhorio lhe tirou tudo para a expulsar mais depressa da Rua da Esperança; André e Teresa Furtado esperam obras há mais de 20 anos, na Avenida D. Carlos I; e as obras na casa de Carmen Oliveira terminaram há oito meses, mas ela continua à espera que a Câmara de Lisboa lhe entregue as chaves para poder estrear o seu apartamento na Rua das Trinas.

Tanto Conceição como Helena Reis têm ordem de despejo marcada para o fim do mês, mas nem uma nem outra começou a empacotar as suas coisas. "Quando sair daqui terei de viver na rua", desabafa Conceição, que há 33 anos vive no segundo piso do imóvel. A pensionista de 65 anos está irredutível na sua decisão apesar de admitir que, viver na rua é mais seguro do que ficar em casa. Percebeu isso no dia 1 de Abril de 2006: "Estava a apagar as velas do meu bolo de aniversário quando o tecto da minha cozinha começou a tremer." No piso de cima, a máquina de lavar roupa de Helena entrou na fase de centrifugação e o chão da sua cozinha cedeu. Bombeiros e protecção civil entraram nas habitações das duas vizinhas e interditaram as casas de banho e as cozinhas de ambas. "Era coisa que já esperava. Estou aqui desde os seis anos e o prédio nunca teve obras", queixa-se Helena, de 72 anos.

André e Teresa Furtado estão há menos tempo à espera que o proprietário se lembre de arranjar o quarto piso do n.º 61 da Avenida D. Carlos I. Mesmo assim são mais de duas décadas a pedinchar por telhado e soalhos novos. "Em vez disso, o senhorio remodelou todos os apartamentos que estão vazios", conta Teresa de 66 anos de idade. É difícil não ficar com um pontinha de inveja quando na porta ao lado cheira a tinta fresca. E a habitação do casal continua com o chão coberto de buracos, madeiras apodrecidas nas janelas e manchas de humidade a escorrer pelas paredes da cozinha.

Rosa Rodrigues tem a lei do seu lado, mas isso até agora de pouco lhe valeu. Em 1981 recebeu uma intimação do proprietário para deixar as águas furtadas do n.º 58 da Rua da Esperança. Ela levou o caso a tribunal, que decidiu a seu favor: "Se o senhorio quiser tirar-me daqui tem de realojar-me noutra casa". Só que o proprietário resolveu mudar de estratégia: "Um dia, entrou aqui dentro e disse que me ia arranjar a casa."

Desde essa data, há quase 22 anos que não tem nem casa de banho, cozinha ou quarto para dormir porque tudo lhe foi arrancado: "Tomo banho nos balneários públicos, faço as refeições no centro de dia e durmo no antigo quarto do meu filho porque o meu está todo esburacado com as obras que fizeram no telhado."

Mais irónico é o destino de Carmem Oliveira, de 77 anos, que tem o seu apartamento pronto há oito meses, mas espera pelas chaves para poder entrar no n.º 21 da Rua das Trinas. O proprietário é a Câmara Municipal de Lisboa, que continua a pagar o seu realojamento na Travessa do Cais do Tojal. "E eu a pagar as contas da água e da luz desde Abril de 2004, altura em que começaram as obras na minha casa."

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