28/10/2011

A Essência do Comércio

In A Revista Digital da UACS
Por João Barreta

«“(…) toda a gente que serve deve, parece-nos, buscar agradar a quem serve. Para isso é preciso estudar a quem se serve – mas estudá-lo sem preconceitos nem antecipações; partindo, não do princípio de que os outros pensam como nós - mas do princípio de que, se queremos servir os outros (para lucrar com isso ou não), nós é que devemos pensar como eles: o que temos que ver é como é que eles efectivamente pensam, e não como é que nos seria agradável ou conveniente que eles pensassem. (…)”

O excerto extraído de “A Essência do Comércio”, do nosso Fernando Pessoa, é de uma pertinência e actualidade tais que nos merece uma reflexão séria, ainda para mais numa época do ano em que o Comércio é usado (e abusado!) como tema recorrente de discursos de ocasião que proliferam nos mais distintos fóruns.
Na citada obra, como noutras do mesmo autor, muitas são, sem dúvida, as referências e os ensinamentos possíveis de extrair, constituindo-se, se necessário fosse, como mais uma prova de que o Comércio tem uma essência própria que, infelizmente, poucos alcançam, para claro e evidente prejuízo de todos.
Efectivamente, do Comércio pretende-se tudo. Se é menos bom, só pode melhorar. Se é bom, só tem de ser (…) cada vez melhor! Neste aparente jogo de palavras, joga-se, de facto, quase tudo.
Se tal é verdade e aceite para os vários “subsectores” do Comércio, localizem-se nos centros urbanos, nos meios rurais, nos centros comerciais, nos mercados, nas feiras, também o é para as Estruturas Associativas, sejam elas de índole local, regional ou nacional.

Mas o que é facto é que se pretendermos ir ao âmago da questão, esta reflexão não pode, nem deve, quedar-se pelo Comércio propriamente dito e pelas suas Estruturas Associativas, devendo alastrar aos detentores do respectivo pelouro e/ou tutela (na Administração), quando tal exista formalmente e/ou por pouco que se dê pela sua acção.

Neste âmbito, encontram-se as Autarquias e respectivos Serviços (Administração Local) e a tutela Governamental (Secretaria de Estado ou Ministério) e respectivos Serviços (Administração Central).

Sem pretensiosismo ou ambição de “desmontar” o pensamento de Pessoa sobre a essência do Comércio, mas como pessoa interessada pelas inúmeras “facetas” do mesmo (como actividade económica, essencialmente), arriscaria (não muito!) dizer que tem sido o confrangedor desconhecimento dessa essência que tem relegado o sector para um papel “secundarizado” no contexto da economia nacional, ao qual não é alheia a ausência de políticas públicas (Central e/ou Local) para o sector, nem tão pouco a mais do que evidente “desconstrução” da Cidade, dos seu(s) Centro(s) ou Baixa(s). Isto para já não falar da progressiva erosão da “identidade comercial” (numa óptica, também, cultural) que histórica e socialmente sempre caracterizou a própria sociedade Portuguesa e da qual sempre foi uma incontornável referência.

Enveredo mais pela tese do desconhecimento (quiçá, desinteresse) da essência do Comércio, por parte dos poderes públicos principalmente, mas não descuro uma outra realidade que, ainda, subsiste – há Comércio (leia-se Estruturas Associativas e Comerciantes) que também desconhecem a sua própria essência. E tem sido, quanto a mim, esta realidade ancorada, muitas das vezes, num discurso algo “redondo” de reivindicação que roça, por vezes, a auto-vitimização, que tem vindo a servir de pretexto para que os poderes públicos menosprezem o papel que o Comércio deve assumir, por direito e méritos próprios, em tudo aquilo que seja política económica, política de cidade, política de inovação, (…).

Em suma, há um longo caminho a percorrer, sendo que em altura de mudança(s), e apesar das tão faladas resistências à(s) mesma(s), talvez não seja descabido mudar de paradigma, e apostar naquilo que apelidaria de reivindicação pedagógica por parte do Comércio para com os poderes públicos, pois só o próprio Comércio (representado pelas suas Estruturas Associativas) poderá sensibilizar a Administração (repito, Central e Local) para aquilo que é a essência do sector nas suas diversas vertentes, sendo que a negociação, a parceria, a cooperação e a colaboração devem ser pensadas e ponderadas, por parte do Comércio, numa posição de igualdade e bem ciente da importância do sector para a Economia (nacional e local), para as Cidades e para a sobrevivência e afirmação de ambas.

Para que se possa “pensar o Comércio” tem que se saber o que ele é, o que pode ser e, essencialmente, o que queremos que ele realmente venha a ser.
Entendida que seja a essência do Comércio, entendido será que o Comércio é a essência das Cidades. Pensar Cidade sem pensar Comércio, será negar a vida das Cidades e das suas gentes.»

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