26/02/2007

Fernando Pessoa, azulejos Arte Nova e a brutalidade de Lisboa




No sábado, dia 24 de Fevereiro, eram 15:20 quando reparei que o número 1 da Avenida Casal Ribeiro - um prédio abandonado onde viveu durante algum tempo o poeta Fernando Pessoa - estava a ser vítima de um roubo em plena luz do dia. Numa das varandas do terceiro andar estava um homem, em posição de equilíbrio perigoso, a arrancar os frisos de azulejos Arte Nova que decoram todos os pisos daquele elegante prédio de gaveto.

O facto de um imóvel desta qualidade arquitectónica, e com uma ligação à vida do poeta Fernando Pessoa, estar em tão grande ruína representa uma vergonha para a cidade. Que a Câmara Municipal de Lisboa não faça, mais uma vez, cumprir a lei é razão para revoltar qualquer cidadão que se preocupe com o futuro do património da cidade. A falta de acção por parte da CML é cúmplice das óbvias intenções de demolição do proprietário? Em 2001 deu entrada na CML um pedido para demolir o edifício (Nº 811/PGU2001). Este brutal desejo não teve luz verde da CML apenas porque várias instituições e cidadãos da cidade protestaram. Em 2003 a historiadora Drª Marina Tavares Dias e a Directora da Casa Fernando Pessoa, Drª Clara Ferreira Alves, manifestaram-se contra a demolição. A Directora da Casa Fernando Pessoa fez um pedido à CML para que não autoriza-se a demolição; e o então Presidente da CML, Dr Santana Lopes, até prometeu a todos, incluíndo a mim próprio, que o edifício não seria demolido. No ano seguinte a CML iniciou o processo de classificação do imóvel.

Entretanto, desde 2003, "mãos invisíveis" cuidaram de partir vidraças, abrir janelas, portas, dar livre acesso a tudo o que degrada e vandaliza, lenta ou rápidamente, seja a água das chuvas ou os ladrões de azulejos Arte Nova.

Depois de tirar três fotografias do flagrante delito, para que se veja aquilo que é inaceitável, telefonei para a Polícia Munícipal que apareceu no local dois minutos depois. Mas já não fiquei para ver a acção das autoridades policiais. Porque a esperança - mínima - que eu ainda tinha de ver aquele imóvel recuperado perdeu-se completamente às 15:20 do dia 24 de Fevereiro de 2007. Os lisboetas, e concerteza o Presidente da CML, já sabem qual vai ser o veredicto final do número 1 da Avenida Casal Ribeiro. Depois de tanta chuva, depois de tanto vandalismo, depois de tanto desprezo municipal e privado, vai aparecer em breve um relatório de linguagem séria que afirmará: "o imóvel em questão apresenta um grau 1 de risco".

Não será mesmo novidade nenhuma senhor Presidente da CML. Vivemos todos num cenário urbano marcado por demolições, por milhares de imóveis abandonados, por ruínas. A intensificação destes cenários apenas indicia um futuro muito incerto para a nossa cidade.

A história do número 1 da Avenida Casal Ribeiro é um paradigma da incultura, desinteresse e fraqueza do planemento urbano que caracteriza, cada vez mais, Lisboa. Para humilhação da cidade, o inaceitável torna-se legítimo, à força de ser tão corrente. Parece que em Lisboa o crime é quem ordena a capital.

4 comentários:

  1. É com grande pena que leio este "post". Primeiro porque passo bastantes vezes pelo predio em questão e porque, depois de saber pelos maravilhosos "Lisboa Desaparecida" (de Marina Tavares Dias) a história de tal edificio, sempre pensei que podia ter um futuro bastante diferente daquele que agora paira sobre ele.

    Sinceramente, o roubo de tais azulejos nem é o que mais me choca - uma vez que até é visivel que muitos já teriam caido entretanto - mas sim tudo o que não foi feito para impedir que tal pudesse acontecer. Neste caso a "não-acção" das autoridades responsaveis.

    Merecia melhor.

    ResponderEliminar
  2. Anónimo11:33 p.m.

    Hoje p mim ee um dia extremamente importante ao me deparar c esse artigo q me entristesse ao saber q o grande poeta esta sendo apagado da rica literatura portuguesa,ja que sua antiga residencia(um patrimonio Historico) esta sendo demolida lentamente. Por conhecer esse maravilhoso poeta em meu curso de Letras-Literatura Portuguesa e Brasileira,no Brasil senti-me impulsionada por conhecer Portugal(minha professora era apaixonada por Fernando Pessoa e fui contaminada por esse facinio). Chegando em Portugal fui morar em Arroios, Praca de Londres e por penultimo, na Casal Ribeiro n0. 1!!! Qual meu espanto, q o poeta q tive q representar na faculdade (Alvaro de Campos), viveu naquele predio em que foi minha penultima morada neste lindo pais! Tivemos que desocupar o apartamento pois estava chovendo dentro do banheiro e da cozinha, estava sem iluminacao na entrada do predio q ja o consideravam perigoso. Pude ver os azulejos em seu interior e a tirar algumas fotos pela beleza dos azulejos (q nao imaginava o valor). Mas meu apelo aqui e como deixar um patrimonio historico e poetico ser destruido? Que valor e amor se tem por essa linda literatura portuguesa? E por que essa indiferenca c esse valor historico?seria por ignorancia? ou apenas por descaso por um predio que nao ee construido so d tijolos e azulejos valiosos mas ee um predio que tem poesia e ...vida se o reconstruir, pois...tudo vale a pena se a alma nao ee pequena..

    ResponderEliminar
  3. Rui Cláudio Dias8:00 p.m.

    Todos os dias lá passo e olho com TRISTEZA o prédio... Que fazer num Portugal destes? Se eu tivesse dinheiro era eu que o tentaria agarrar... Triste Lisboa... Outro deles foi o da Pacoal de Melo... Quando vi as paredes no chão nem quis acreditar...

    ResponderEliminar
  4. Rui Dias12:33 p.m.

    Na data estão em execução obras de restauro de um edifício sito na Rua Cidade de Liverpool (Bairro de Inglaterra nos Anjos), e que o mesmo pelo que me parece está a ser alvo de atentado ao património. Embora não saiba se este prédio de traça antiga está incluído no património de Lisboa (o tal onde não se deveria tocar), o mesmo está a ser alvo de uma retirada completa de azulejos com alguns anos segundo a informação que me foi prestada. Os azulejos estão a ser destruídos integralmente com picaretas desde o primeiro piso até ao último. Será que alguém pode verificar este descalabro? Não é visível (pelo menos eu não vi...) nenhuma licença camarária e estão a efectuar a obra à velocidade da luz. (suspeito) O edifício situa-se nas escadinhas da Rua Cidade de Liverpool logo no início das escadas do lado direito do lado de quem sobe. Penso ser o segundo prédio, pois o número não está visível devido ás lonas que o tapam... Será que é mais um horror feito às escondidas?

    ResponderEliminar