19/10/2011

A rentabilização do TGV

In Público (19/10/2011)
Por Manuel Porto


«Não será de facto tempo de em Portugal se voltar a olhar para os mapas, tal como faziam os nossos antepassados?


Na decisão a tomar sobre o TGV ( é preciso haver uma crise, para que se façam contas ?) não podem ser esquecidos não só os custos com o investimento a fazer, como o serviço que é prestado, tendo de ver-se qual é a população servida: ou seja, qual é a utilidade social e económica ( ainda por exemplo cultural) do serviço prestado, ao que está obviamente ligada a possibilidade de se evitarem perdas de exploração. O país não aguenta mais indemnizações compensatórias desnecessárias e que se eternizam !

A hipótese agora posta ( ver o PÚBLICO de 19/9/2011), de haver uma só linha, está na lógica correcta do que é bem sabido (ver os estudos da Rave), que o trajecto Lisboa- Madrid não tem massa crítica para ser rentável.

No caso português, só há uma ligação que será inquestionavelmente rentável com comboios rápidos, a ligação Lisboa-Porto: com os passageiros que já hoje fazem o trajecto, cerca de cinco milhões de passageiros por ano, a que se juntarão todos os que agora vão de avião, os que deixarão de ir de automóvel, quando finalmente em Portugal for mais rápido ir de comboio do que de carro, e os que passarão a deslocar-se, por exemplo, para participar numa iniciativa cultural em que de outro modo não participariam. Com as vias actuais, da linha do Norte, a não comportarem mais comboios, a determinadas horas estando sempre cheios (e não poderá deixar de haver intercidades, regionais, suburbanos e de mercadorias), não pode retardar-se a construção de mais uma via em cada sentido, numa linha que é de esperar que seja uma linha do século XXI, não do século XIX…

Tem pois toda a lógica que, mesmo sendo a entrada em Portugal por Elvas, o trajecto do TGV entronque na próxima linha Lisboa-Porto: não no Entroncamento, tal como acontece com a "velha" linha do Leste (os nossos antepassados projectavam e construíam tendo noção do local onde já então estavam as pessoas, tal como agora mais de dois terços da população portuguesa..), mas na zona de Vila Franca ou do Carregado. E Lisboa também ficará beneficiada, podendo ter-se assim uma ligação mais curta até Madrid.

Sendo o trajecto deste ponto de confluência até Lisboa, 30 ou 40 quilómetros, comum ao trajecto Lisboa-Porto, estaremos a começar, com a mesma verba, a ligação que de todos os pontos de vista mais nos interessa: aproximando os portugueses e fortalecendo o nosso país, em relação a Madrid, com a ligação à Galiza, o principal destino das nossas exportações para Espanha (muito acima das exportações para Madrid ou Barcelona); e com ganhos de exploração entre Lisboa e o Porto.

Para além disso, trata-se de uma ligação em que a travessia do Tejo é feita com uma ponte muito mais barata do que uma ponte em Lisboa..

Importa, pois, que se reformule o traçado, podendo talvez a linha continuar a passar a norte de Évora, mas sendo depois encaminhada, não para o Poceirão (há que anular de imediato este troço ! ), mas sim para o referido ponto de travessia do Tejo, a norte de Lisboa; podendo também de imediato começar-se a construção do troço da ligação Porto-Lisboa, com primeiro passo da ligação à Galiza.

Numa distância maior, a mesma linha, para norte, será, por seu turno, comum ao trajecto Porto-Lisboa e Porto-Madrid, com o serviço ao norte a atenuar ou mesmo a evitar o défice de exploração da ligação a Madrid, aliviando-se assim o "bolso" dos portugueses ! Não podemos continuar a "fugir" das pessoas, devemos seguir antes os bons exemplos dos outros com essa preocupação…

Não será de facto tempo de em Portugal se voltar a olhar para os mapas, tal como faziam os nossos antepassados, vendo-se onde estão as populações e calculando-se os custos dos investimentos, só assim se evitando despesas desnecessárias e evitando-se penosíssimos défices de exploração?

Professor universitário»

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