“A declaração de nulidade de alguns loteamentos, sugerida pela Procuradora da República Elisabete Matos na sindicância aos serviços municipais de urbanismo, poderá custar ao município de Lisboa milhares de euros em indemnizações...”, não querendo emiscuir-me numa área de foro jurídico, devemos antes demais louvar o trabalho da jurista, mas haverá que distinguir duas situações. Uma do foro jurídico que tem haver com as aprovações e influências e outra do foro técnico também fundamental para a cidade.
Nos últimos anos o planeamento e ou urbanismo, tem sido consecutivamente uma adição de leis e regulamentos absurdos, (os regulamentos estáticos dos diversos planos directores é um bom exemplo) tem vindo a transformar esta prática, e para pior, numa disciplina pretensamente científica, muitas vezes interpretativa, acabando por ser gerida infelizmente por juristas e sociológos. Apesar da interdisciplinariedade, o “desenho urbano” é uma arte, e como tal deve ser orientado em exclusividade por arquitectos. Desta forma deverá ser promovido uma sindicância técnica a estes projectos e loteamentos no sentido de melhor servirem a cidade.
É sabido da necessidade da cidade se regenerar, de susbituir edifícios, reabilitar e ou preencher vazios urbanos, a cidade sustentável é densa. Infelizmente verificamos que o contrôlo que deveria existir por parte da autarquia, a nível das necessidades da cidade propriamente dita é deixado ao acaso, à casuística, a uma insuportavel arbitrariedade prejudicando a cidade e os seus habitantes e contra o seu natural desenvolvimento harmonioso.
É criminoso deixar a zona do Vale de Chelas, na freguesia de Marvila com perto de 65.000 habitantes em bairros de habitação social, totalmente desarticulados com a cidade, numa irresponsável e demagógica guetização, de insuportáveis assimetrias sociais, é fundamental promover a coesão social, uma maior humanização espacial, uma requalificação do espaço urbano, um aproveitamento das redes de infra-estruturas. É de esperar que os novos equipamentos tais como, o Hospital de Todos os Santos, a Estação Central de Lisboa (interface Metro/Refer/Alta Velocidade), tribunais e mesmo a Feira Popular possam ser catalizadores de forma sustentável para esta zona de Lisboa.
Não está em causa mais ou menos betão, a construção é bem vinda mas deve ser ponderada e cada caso é, irremediavelmente, um caso.
Existem vários maus exemplos: Tal como a problemática das torres e construção em altura, que devem enquadrar, em determinadas zonas, e estou a lembrar-me por exemplo junto a mega estrutura da ponte sobre o Tejo, e noutras ser profundamente redutoras ou casuísticas provocando graves precedentes. As perspectivas da cidade as cúpulas e as as torres sineiras devem e têm preponderância. Estou a recordar-me por exemplo, do edifício na Av. Fontes Pereira de Melo, porque, e sómente para enunciar uma das razões, a maior empena cega está voltada a norte e portanto irá provocar uma maior sombra nos arruamentos limitrofes, (de manhã o jardim em frente à maternidade Alfredo da Costa ficará à sombra, esta girando sobre a direita, deixando o arruamento perpendicular à avenida na sombra.
Todos nós verificámos que a implantação dos edifícios no Cais do Sodré foram um erro, e por diversas razões que vão desde, em termos formais até ao desenho urbano extraordináriamente redutor, deixando sem solução o remate da frente rio, ou harmoniosa aresta cidade-Tejo, provocando perspectivas sobre o rio de gosto duvidoso.
Ou ainda a complexidade permitida por um plano estupido como o Plano de Urbanização de Chelas (não aprovado) e/ou o Plano de Urbanização do Vale de Chelas (aprovado por lei) que é totalmente absurdo, sendo inclusivé impossível de ser posto em prática, (este com a gravidade de conferir direitos a privados que colidem com o interesse nacional, nem se compreende como ainda não foi suspenso).
Outro exemplo que não podemos deixar de observar, é o desenho urbano da zona do Parque das Nações, onde os índices e indicadores de vizinhança são Zero. Ou a implantação de mega estruturas como o El Corte Inglês totalmente desajustadas para a malha urbana onde se insere, a irremediavel malha urbana em volta do Centro Colombo, a incoerente estrutura viária e urbana dos bairros limítrofes de Lisboa, fruto de adicções das diversas malhas urbanas desenhadas com formalismo inexplicáveis e ao sabor de muitas vezes do promotor. Todos estes erros provocam a alienação da cidade e das suas populações, são geradores de mau estar, causadores de stress e da degradação do ambiente urbano .
Obviamente que é lamentavel a situação, mas ela é sómente consequência da arbitrariedade permitida por regulamentos e planos directores sem nexo ou dúbios, (o legislador foi conivente com esta situação e prática ao longo de várias décadas que tem destruído as nossas cidade e a paisagem portuguesa), amarradas a correntes filosóficas dógmáticas e nihilistas não acompanharam a evolução das Cidades e do Homem.
Há que retirar elações desta evolução negativa. No final do século passado os vários especialistas da área tem vindo a verificar o falhanço das práticas e teorias urbanas do passado, nomeadamente da Carta de Atenas – a demagogia modernista foi um fracasso e continua a prejudicar e produzir uma cidade obsoleta pouco amiga do cidadão e do meio ambiente.
Não se deveria resolver a situação por “actos nulos”, mas sim realizar uma “sindicância” técnica a todos os projectos e loteamentos.
A melhor cidade e aquela que funciona, é a cidade densa, aonde as infraestruturas urbanas são rentabilizadas, uma cidade sustentável.
1) onde os transportes públicos funcionam porque são rentáveis; onde não existe segregação das classes sociais. E desta forma dissuadores do uso do transporte privado. E os arruamentos e cruzamentos são a superfície com temporização dos semaforos a favorecer o peão.
2) onde os espaços verdes não servem de refugio a marginais mas são efectivamente usufruídos pela população como a continuação dos seus espaços privados. Parques e jardins em vez de instersticios de dificil ou fantasiosa manutenção. Com funções atribuidas de forma a sempre existir gente a frequentar.
3) onde o comercio se processa em livre concorrência sem competir com mega-estruturas. O comercio de rua e ao longo do passeio promove uma melhor segurança, ocupa a rua, transforma a rua e não promove a desertificação como acontece com os centros comerciais.
4) a obrigação de estacionamento temporário de um lado e de outro da via, em dias pares e impares, ou mesmos em quinzenas, obriga a quem estaciona movimentar o veículo. Permeabilidade dos cruzamentos à esquerda, de forma a aumentar o tempo de espera e por isso dissuador, os ângulos de viragem mais apertados de forma a obrigar uma menor velocidade. Placas centrais de forma a estreitar os arruamentos obrigando a reduzir velocidades. Informação ordenada e em placas de menores dimensões obrigando a redução da velocidade.
5) a autarquia tem a obrigação de regulamentar e exigir, dependendo das zonas, cotas de habitação (mas não a custos controlados) evitando a segregação, promovendo a coesão social, a cidadania e evitando os condomínios privados. O planeamento participativo ou com a interacção da população é hoje uma realidade ( já praticado em Lisboa e com enorme sucesso). Uma maior plasticidade nas tipologias quer em planta quer em alçado de forma a evitar a repetição que tem vindo a ser, por motivos óbvios nefasta na degradação do ambiente urbano, evitar a todo o custo planeamento que promove a quebra dos laços de vizinhaça e cidadania, e alienação do seu núcleo central a família.
Concluindo, é necessário uma “sindicância técnica” aos projectos pois muitos são necessários à Cidade, para crescer e para se manter viva.