17/10/2005

os 250 mt. entre os museus de bordalo e da cidade

Neste fim-de-semana resolvi matar dois coelhos de uma cajadada e visitar, de uma assentada, o Museu Rafael Bordalo Pinheiro e o Museu da Cidade, ambos no extremo Norte do Jardim (?) do Campo Grande, entremeados por duas estátuas de D.Afonso Henriques e D.João I, que ali substituiram a estátua e o pedestal de Carmona, o Marechal, que dali se foi para o espaço mais recôndito do Museu da Cidade, a mando de João Soares. Mas vamos por fases:

Como bom cidadão fui de Metro até ao interface "cosmopolita" do Campo Grande, a que se seguiu um percurso curioso de múltiplas infracções pedonais, até que entro no museu dedicado ao divulgador do Zé Povinho, não pela porta da frente mas antes pela da cozinha, como parece ser o gosto dos remodeladores de alguns museus que por aí há. Gostos. Pessoal simpático e paredes branquinhas em folha, sendo a do muro do pátio "decorada" com um anúncio a um relógio, cuja razão de ser não descortino. Já a anarquia vigente na loja não deixa margem a dúvidas: reabertura extemporânea, fruto do oportunismo eleitoral. Bom, adiante, sigo ao edifício principal onde julgo encontrar um espólio considerável que no piso térreo não desaponta, onde algumas faianças de vulto fazem as honras da casa. No piso de cima, há espaço nú a mais e espólio a menos, onde praticamente só há caricaturas com legendagem muito mal colocada (não se entende como se demorou tanto tempo com obras e tantos episódios).

O resultado final da minha visita ao Museu Rafael Bordalo Pinheiro podia resumir-se à menção que deixei no livro de visitas, por sinal um imenso laudatório de fãs da CML. Ou seja, escrevi isto: "Ao fim de 6 anos de fecho para obras e mais obras, é caso para dizer, inspirando-me em Bordalo: muita parra para pouca uva, sobretudo dada a evidência de ter sido reaberto em vésperas eleitorais. Ele há branco a mais e espólio a menos; infinitamente menos do mínimo exigível a um museu dedicado a um autor como este, tão profícuo. Mas, enfim, é sempre bom rever Bordalo."

Saio de um e vou ao outro, ao Museu da Cidade, sito no belo Palácio Pimenta, paredes meias com o Hipódromo do Campo Grande (outra história, que seguirá mais tarde...). Percurso: 250 mt. em linha recta, mas dada a disposição das passadeiras para peões, não há como fugir a fazer o dobro dos metros para evitar ser atropelado pelos condutores civilizados que ali costumam passar. Chegado ao átrio fronteiro ao palácio, observo dois pilares decepados e dois carros estacionados em local proíbido. Espreito o jardim da nora, por entre tapumes e plásticos: desaste absoluto, nora desmontada, ou seria vandalizada? Mau presságio para o desastre que é este Museu da Cidade!

Aliás, pelo aspecto do museu fica-se imediatamente a perceber o estado da cidade que lhe dá o nome: restos de lápides romanas amontoados pelos sítios mais incríveis, bem como esculturas e restos de cantaria; lagos abandonados; entulho de obras; infiltrações na generalidade das paredes exteriores; tectos interiores com fios de electricidade à mostra (os lustres estarão aonde?); estátua do Marechal Carmona colocada no local mais inóspito dos jardins (?) e sem pedestal; um imenso relvado com uma bela estufa abandonada; dois pavilhões de vidros escuros, supostamente condizentes com as exposições temporárias que lhes dão uso; portadas das janelas semi-cerradas (não têm trinco); janelas a precisarem de tratamento; etc. Sob o ponto de vista museológico, o museu é rico em gravuras do período pré-terramoto e em faianças das extintas fábricas do Rato e da Bica do Sapato, mas tudo está colocado ao desbarato. A peça recomendada à entrada pela afável porteira é a gigantesca maqueta de antes de 1 de Novembro de 1755, onde uma senhora velhinha a meu lado pergunta: "onde estão os Jerónimos? eram anteriores ao terramoto, não eram?". Responde o vigilante: "Eram, mas não pertenciam a Lisboa...".

Enfim, falta a este museu tudo o que falta a Lisboa, para que seja europeia: dignidade e imaginação.

PF

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