In Público (21/52006)
"Muitas queixas e alguns projectos
Há uma imagem que choca quem passeie no Chiado. Já não é o estaleiro de há anos atrás, mas a sensação de vazio causada pelas muitas lojas ao aparente abandono. Há montras e montras sem nada ou entaipadas. O chamado quarteirão da Império, entre a Rua Garrett e a Travessa do Carmo, foi todo recuperado e equipado com estacionamento, mas parece um edifício fantasma. As passagens que ligam as duas ruas estão desertas, as escadas rolantes imóveis, as floreiras vazias e amolgadas, a galeria comercial reduzida a montras cobertas de pó. Já mudou quatro vezes de mão, mas não trouxe moradores nem comércio ao Chiado. E há outros casos semelhantes.
"Há muito património que ficou nas mãos da banca, que não tem vocação para a comercialização do imobiliário. Fica com ele em carteira e não anda porque não lhe interessa. Está a fazer mal à cidade. Os bancos tinham a obrigação de olhar para isto com outros olhos", salientou Salvador Posser de Andrade, de uma agência imobiliária com sede da Rua Garrett.
"O Chiado está cheio de espaços sem utilidade nenhuma que estão nas mãos da banca e companhias de seguros e que não servem para nada. O problema da reconstrução foi não ter havido uma mão dura para evitar situações como esta especulação imobiliária e dos muitos interesses criados à volta dos edifícios. Há uma série de organismos que se encavalitam uns sobre os outros a mexer na Baixa. Isto não é maneira de gerir nada", afirmou José Sousa Gomes, dono da centenária Paris em Lisboa e dirigente da Associação de Valorização do Chiado, que junta cerca de 120 comerciantes locais.
O chamado quarteirão da Império passou desta seguradora ao BCP, depois ao grupo Melo e pertence hoje à Fundimo - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, do grupo Caixa Geral de Depósitos. "Só muito recentemente assinámos o contrato de promessa de compra e venda e passámos por algumas vicissitudes, nomeadamente com licenciamentos", disse Filipe Amado, da Fundimo, para explicar a situação neste edificado. "Mas vamos encontrar o mais rapidamente possível uma solução para aquilo e garanto que não é para revender. A galeria comercial poderá não ficar tão alargada, mas haverá comércio também no rés-do-chão e uma maior quantidade de escritórios. Mas já há habitação do lado do Carmo e o prédio da Rua Serpa Pinto está a funcionar", acrescentou.
O preço da habitação no Chiado é alto. "São preços maiores que os da Lapa", notou o agente imobiliário. "Um apartamento novo pode rondar os quatro mil a cinco mil euros por metro quadrado". E quem compra? "Portugueses relativamente jovens que viveram no estrangeiro e que agora querem morar no Chiado. Isto pode ser uma espécie de bairro Salamanca [Madrid]. Estão previstos, por exemplo, novos condomínios na Rua Ivens. Mas é preciso limpeza, menos "penetras" nas ruas, mais segurança, mais estacionamento e permissão do trânsito automóvel na Rua Garrett", defendeu Posser de Andrade.
Sinais positivos
Há, entre os comerciantes, quem diga, como Sousa Gomes, que a "identidade do Chiado se perdeu". "O empolamento dos preços dificultou a instalação de negócios e vamos ver chegar negócios estrangeiros incaracterísticos", acusou este comerciante, e velejador nas horas vagas. Mas muitos reconhecem entre os negócios recém-chegados - como a Fnac - um factor de atracção que ajudará a retoma.
Outros são de um optimismo intrínseco. É o caso de Vitória Crespo, uma madrilena há três anos na Panificação do Chiado, um estabelecimento da Calçada do Sacramento onde o incêndio parou. "As pessoas não estão conscientes do que o Chiado tem de bom. Cheguei aqui e apaixonei-me pela maravilha que isto é. Madrid tem coisas bonitas, mas o Chiado é único. E onde é que já se viu um "centro de comércio" com este clima e com vista para o mar? É uma jóia", comentou. Ela também faz parte da Associação de Valorização do Chiado que, quarta-feira à noite juntou, no vazio e mal iluminado Pátio Siza Vieira, 30 sócios para debater projectos para a zona. Vítor Silva, presidente da associação, queixou-se da falta de limpeza, das insuficientes lavagens de rua e do pó das obras que se acumula sobre os carros estacionados ao ar livre. "Há escadas com muito mau cheiro, como as do Santo Espírito da Pedreira, há pátios novos sem luz", exemplificou. Vitória Crespo lembrou a falta de segurança, sobretudo à noite.
Reunidos ao ar livre, à beira de um buffet da Panificação, os comerciantes debateram uma parceria com a Universidade Lusófona, fizeram votos de maior colaboração mútua e trocaram queixas. Dividiram-se, por exemplo, quanto ao condicionamento do trânsito na Rua Garrett. Para uma jovem da Gardénia isso não é problema pois os seus clientes gostam de passear a pé no Chiado, de viver o local. O dono da Paris em Lisboa lembra que "o Chiado já teve carros e havia centenas de pessoas nas ruas". E acrescentou: "Há é que decidir, de uma vez, se põe ou não carros na rua. Destacar um polícia gordo para enxotar as pessoas é que não leva a nada".
Alargar horários
Apesar das resistências do comércio familiar, o grupo esteve de acordo quanto à vantagem de alargar os horários de funcionamento e a abertura das lojas ao sábado, todo o dia. "Temos que pôr as pessoas na rua", disse a dona da sapataria Brugel, aberta há dois anos na Rua António Maria Cardoso apesar da "renda altíssima". Para si, a escassez de estacionamento deve ser resolvida: "Já estava rica só com as multas que são passadas à porta da minha loja".
Segundo o presidente da Junta de Freguesia dos Mártires há, no entanto, "lobbies complicados" em matéria de estacionamento à superfície: a PSP e o Tribunal da Boa Hora.
Tanto a vendedora de sapatos como Pedro Miguel Ramos, do restaurante Amo-te Chiado, anfitrião do encontro, sugeriram que se estudasse a possível cobertura da Rua Garrett durante o inverno. O empresário de restauração, há perto de quatro anos na Calçada Nova de S. Francisco, não acredita muito na política dos fundos de apoio à reconstrução - "sei de vários prédios que em cinco anos foram pintados mais que uma vez" - mas defende que o Chiado deve ter eventos culturais "que ligue todas as gerações". "Podemos fazer dois ou três grandes acontecimentos culturais por ano. Ter na rua um cospe fogo e três cães não é política cultural", disse.
De um modo geral, o encontro de quarta-feira expressou expectativa quanto ao trabalho do recém-criado comissariado coordenado pela vereadora do CDS/PP. "Neste momento as pessoas perceberam que passou o momento de discutir e de fazer estudos e que é a altura de fazer. Este pode ser o momento de viragem", sintetizou Vítor Silva.
Comércio na hora digital
A Associação de Valorização do Chiado e a Universidade Lusófona (UL) estão a colaborar para a elaboração de uma "marca Chiado", um símbolo que apele à vivência de consumir numa zona culturalmente rica e atractiva, e de uma cartografia digital dirigida ao turista. Jorge Giro, professor da UL que coordena o projecto, diz que este serviço, acessível por telemóvel ou PDA, juntará sobre um mapa do Chiado, camadas temáticas com informação sobre os produtos disponíveis e as lojas que os vendem, sobre o património arquitectónico, em particular as igrejas, ou sobre bares e restaurantes. Com esse dispositivo, o turista poderá escolher percursos para as compras ou para descobrir esta zona antiga. "O Chiado tem espaços mal aproveitados que podem ser explorados e ser uma mais-valia da vivência que proporciona", afirma. Esta viragem dos comerciantes locais para a tecnologia começou com a abertura do site www.avchiado.org. A parceria organiza também uma maratona fotográfica durante as Festas do Chiado, que decorrem até 27 de Maio. F.N."
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