In Público (12/5/2006)
"Investigação sugere associação entre problemas respiratórios e concentração de partículas no ar
Todos os manuais médicos ou de ambiente dizem que a poluição do ar faz mal à saúde. Um estudo divulgado ontem confirma que, em Lisboa, as crianças das zonas mais poluídas vão mais às urgências com problemas respiratórios do que as que vivem noutras áreas da cidade.
Desenvolvido entre Novembro de 2003 e Fevereiro de 2005, o estudo faz um retrato da poluição do ar na maior cidade do país, em relação a um poluente: as partículas inaláveis. Lisboa tem apenas três estações de medição de partículas no ar. Neste trabalho, porém, durante uma semana estiveram a funcionar mais dez equipamentos. "É o estudo mais detalhado da cidade de Lisboa em termos de qualidade do ar", afirma um dos seus autores, Francisco Ferreira, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
O retrato obtido mostra que as zonas mais poluídas seguem o eixo da Baixa e Avenida da Liberdade até à Segunda Circular. Quanto mais longe, menor é a concentração média anual de partículas no ar. Para avaliar o efeito desta distribuição na saúde dos lisboetas o trabalho foi avaliar o movimento nas urgências pediátricas do hospital de D. Estefânia, nos primeiros sete dias de cada mês, ao longo de todo o ano de 2004. Cerca de um terço de todos os atendimentos por doença (35,5 por cento) tinham a ver com problemas respiratórios, somando um total de 5100 casos. As áreas da cidade de onde vinham estas crianças é que deram a chave para um dos principais resultados do estudo. "Há uma grande coincidência entre as zonas mais poluídas e as [origens das] urgências", conclui Francisco Ferreira.
Papel da temperatura
O estudo chegou a uma outra conclusão relevante. Através de modelos estatísticos, testaram-se diversas associações entre as urgências pediátricas respiratórias e diferentes factores. O que resultou em maior relevância estatística foi a temperatura. Não é nada que qualquer mãe ou pai não saiba, mesmo sem auxílio científico: no frio, os bebés apanham mais constipações.
Em segundo lugar na lista apareceram, porém, as partículas - o poluente atmosférico mais preocupante neste momento na União Europeia, juntamente com o ozono (ver caixa). O que este resultado diz é que há uma relação entre o número de crianças que vão às urgências com problemas respiratórios e a poluição do ar por partículas.
O aumento nas urgências surge passados três a cinco dias de poluição mais intensa. Os médicos atentos aos picos de partículas no ar poderiam, em teoria, antever mais movimento nos hospitais e centros de saúde. "Muitos já têm esta sensibilidade, faltava a prova", diz Carlos Silva Santos, do Centro Regional de Saúde Pública de Lisboa e Vale do Tejo, entidade igualmente envolvida no estudo, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Uma técnica da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de Lisboa e Vale do Tejo integrou a equipa.
O trabalho não é um retrato absolutamente fiel da realidade. As amostragens de partículas foram feitas por período limitado. E o hospital de D. Estefânia serve 40 das 53 freguesias da cidade, representando pouco mais de 60 por cento da população. Os próprios autores dizem que os resultados devem ser encarados com reserva. Mas é um dos primeiros trabalhos em Portugal a abordar os efeitos da poluição do ar na saúde, analisando os dois factores ao mesmo tempo. Os resultados revelam apenas uma associação genérica entre a ocorrência de determinadas doenças e a poluição do ar na cidade. Há pelo menos mais dois estudos parecidos em curso no país (ver textos na página ao lado) que vão um pouco mais além. Ambos estão a analisar a saúde de crianças e jovens, através de inquéritos e exames regulares. Ao mesmo tempo, medem exactamente o ar que estas pessoas estão a respirar, na rua, em casa e na escola.
Estudos epidemiológicos sobre ambiente e saúde são raros em Portugal. "Depende das oportunidades de financiamento", afirma Olga Mayan, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Pelo menos em matéria de qualidade do ar, há muito a fazer. "Estamos a utilizar muitos produtos químicos sem saber quais os seus efeitos na saúde", exemplifica Mayan.
SOCIEDADE
Há 50 anos, morria-se na Europa com a poluição química do ar, devido sobretudo a gases ácidos. Hoje o problema está afastado e o que mais preocupa são as partículas e o ozono. Enquanto o segundo só aparece esporadicamente, sobretudo no Verão, as partículas podem estar no ar a todo o momento. É um problema que está a crescer, em parte devido a outras conquistas ambientais. Os catalisadores dos automóveis retêm parte da poluição dos gases de escape, mas lançam partículas muito finas, capazes de penetrar profundamente nos alvéolos pulmonares, causando mais facilmente problemas respiratórios. "O problema está a agravar-se de uma maneira difícil de controlar", afirma Carlos Borrego, do Instituto de Ambiente e Desenvolvimento da Universidade de Aveiro. As partículas podem vir de diversas fontes "humanas", sobretudo dos automóveis e das indústrias. Mas a natureza pode contribuir ainda mais. Além dos incêndios, Portugal é constantemente afectado por nuvens de poeiras vindas do Sara. "As concentrações mais elevadas que tivemos de partículas em Lisboa resultaram de eventos naturais", afirma Luís Nogueira, da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo."
PF
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