In Público (22/6/2006)
José António Cerejo
"Seis anos depois de a Câmara de Lisboa ter embargado a obra, o Ippar aprovou o projecto e os azulejos foram retirados por não terem valor artístico
A maior parte dos azulejos que revestiam uma das paredes laterais da Igreja da Encarnação, ao Chiado, em Lisboa, foi retirada nos últimos meses, sendo substituída por um reboco pintado de amarelo. A intervenção, integrada no programa de restauro do monumento iniciado há três anos, mereceu o parecer favorável do Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar) e do Museu Nacional do Azulejo.
Construída na segunda metade do século XVIII, após o terramoto de 1755, a Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Encarnação foi beneficiada, no início do século passado, com um revestimento de azulejos em tons azuis que cobriu toda a fachada virada para a Rua do Alecrim. Logo em 1930, face à frequente queda de azulejos para a via pública, foi efectuada a primeira das muitas intervenções de reposição e consolidação do revestimento que se seguiram ao longo do século passado.
Os problemas de segurança criados pela queda dos azulejos e os custos do seu levantamento e reposição integral levaram os responsáveis pela paróquia a avançar, já em 2000, com uma obra destinada a retirá-los na totalidade. Objecto de alguma contestação por desvirtuar a imagem da Rua do Alecrim, entre o Camões e o Largo Barão de Quintela, a obra, que não dispunha de licenciamento, acabou por ser embargada pela câmara em Junho daquele ano.
Em 2004, com a actual intervenção em curso, o então pároco da freguesia, cónego Armando Duarte, solicitou ao Ippar autorização para que a maior parte dos azulejos fosse retirada, mantendo-se apenas a faixa inferior. Em Setembro desse ano, porém, o Ippar rejeitou o projecto apresentado, autorizando apenas o levantamento e reposição das peças que estivessem em risco de se descolar.
No final de 2005, o novo pároco, cónego João Seabra, inconformado com a decisão do Ippar, solicitou ao também novo presidente do instituto, Elísio Sumavielle, que reconsiderasse a decisão do seu antecessor, João Rodeia. No ofício que então lhe dirigiu, João Seabra sustentou que estavam em causa azulejos "sem qualquer interesse estético", que formavam um "puzzle adoentado de cores e formas de azulejos de quatro ou cinco gerações diferentes".
Pouco depois de ter pedido a reapreciação do assunto ao Ippar, o responsável pela paróquia solicitou um parecer técnico ao director do Museu Nacional do Azulejo, Paulo Henriques. A resposta, datada de Fevereiro, não podia ter sido mais favorável à posição da igreja. Referindo que se tratava de "azulejos repetitivos de produção semi-industrial", fabricados no início do século XX pela fábrica Viúva Lamego, o director do museu descreveu-os como sendo "estilisticamente incaracterísticos, porventura qualificáveis como de um ecletismo obsoleto, correntio nas primeiras décadas do século XX em Portugal, e sinónimo de uma efectiva falta de educação artística e gosto também correntias".
Ainda em Fevereiro, o presidente do Ippar aprovou uma informação dos seus serviços que lembrava o facto de 53 por cento daqueles azulejos não serem originais e que dava o seu acordo à proposta da paróquia, no sentido de retirar todos os azulejos dos dois terços superiores da fachada. Após três anos de obras, o restauro interior e exterior da igreja, financiado pelo Fundo Especial de Apoio à Reconstrução do Chiado, por fundos próprias e por vários mecenas, encontra-se praticamente concluído. Os andaimes exteriores, espera o cónego João Seabra, deverão estar totalmente desmontados dentro de três semanas."
Sendo parte considerável do edificado lisboeta de um mau gosto assustador, e passando-se o mesmo com a esmagadora maioria das intervenções de restauro, revitalização, requalificação e outras (re) que se vão fazendo por Lisboa ... a começar pelas lâmpadas que iluminam o interior da magnífica igreja do Pe. João Seabra (onde as terão encontrado? nalgum hospital? nalguma área de serviço?), é caso para se ter medo de mais pareceres assim. Engraçada é a posição (?) da CML. Património? Cultura? Urbanismo? Está alguém em casa?
Aos azulejos lisboetas só restam duas hipóteses:
- Azulejos sem valor artístico são lixo e devem ser destruídos.
- Azulejos com valor artístico são para roubar e colocar à venda em antiquários.
PF
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