(foto: DGEMN)
In Público (22/6/2006)
Francisco Neves
"Sala mítica de bilhares e videojogos na Av. Pedro Álvares Cabral fecha dia 30
O salão de jogos Monumental, na Av. Pedro Álvares Cabral, em Lisboa, fecha as portas dia 30 para ao que tudo indica dar lugar a uma loja de venda de artigos chineses.
Local de grandes festas e bailes da sociedade lisboeta dos anos 30 e 40 do século passado e dotada de um arranjo interior raro, pelas suas plataformas e corredores a meia altura do salão, o Monumental foi também cenário de vários filmes portugueses, como a obra de José Fonseca e Costa Kilas, o Mau da Fita. O Salão Monumental faz parte de um edifício classificado em 2002 como Imóvel de Interesse Público pelo Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar). O prédio modernista, com motivos de art déco na fachada, foi construído em 1930 segundo projecto do arquitecto Raul Martins, e compreende ainda o antigo Jardim Cinema - hoje alugado a uma produtora de programas televisivos - e a Garagem Monumental, proprietária do conjunto.
A classificação do Ippar abrange o interior do salão de jogos, "uma estrutura funcional marcada por um conjunto de plataformas e escadarias de grande riqueza espacial, que lhe conferem um carácter monumental", segundo se lê na ficha explicativa da protecção. A sala de cinema tinha algo de inovador: dispunha de uma esplanada que funcionava durante a projecção dos filmes.
Nem os empregados do salão nem a administração da Garagem Monumental - uma empresa familiar fundada por Clemente Vicente, um construtor civil oriundo de Tomar - quiseram ontem explicar ao PÚBLICO o futuro da casa de diversão, onde os bilhares do piso superior já foram desmontados.
O grande salão ocupa hoje cerca de uma dezena de pessoas, desde a funcionária da tabacaria ao pessoal que ainda toma conta das últimas 16 mesas de bilhar e snooker, das dezenas de máquinas de jogos de vídeo, mesas de pingue-pongue e matraquilhos. Vários deles são reformados que assim completam os vencimentos. Os sinais deste ocaso discreto notam-se logo à entrada. O quiosque deixa de aceitar jornais a partir de hoje e boletins de apostas só até sábado.
Ippar não inviabilizará mudança de uso
Ontem ao fim da manhã, apenas quatro jovens se acotovelavam em torno de uma máquina de videojogos. Davam pouco que fazer aos dois empregados idosos, de calças pretas e camisa branca, manuseando papéis para anotação de partidas que ninguém encetara. A discrição da aparência era também a da fala. Nenhum sabe de nada, embora saibam que o emprego vai acabar. O salão da Pedro Álvares Cabral ainda é frequentado por alguns jovens do ensino secundário e universitário. O vazio de quinta-feira, explica um dos funcionários, deve-se às férias. Mas já não há enchentes. A casa sofreu um grande abalo com a banalização dos jogos por computador, explicam. "Chegou a vez dos chineses e vamos todos para a rua. Já andaram aí a ver se podiam deitar alguma coisa abaixo", disse um outro funcionário, que não se identificou.
A classificação do Ippar não permite, no entanto, que se deitem coisas abaixo no salão de jogos cujas características se pretendeu preservar. Aliás, dizia-se ontem no local, uma instituição bancária da mesma artéria terá abandonado a intenção de se instalar na casa de jogos devido à impossibilidade de mexer no interior do espaço.
Flávio Lopes, director regional de Lisboa do Ippar, disse que o instituto não recebeu nenhum pedido de obras ou de alteração do uso do salão. "O último pedido que deu entrada ocorreu em Abril de 2005. Referia-se à construção de uma escada dentro do edifício que melhorava a sua segurança e foi aprovado", referiu. A mesma fonte adiantou que o instituto não inviabilizará à partida uma mudança de uso daquele espaço, mas que procurará que isso aconteça no respeito do seu valor arquitectónico. "Temos que admitir que a vida é uma mudança", comentou Flávio Lopes. O PÚBLICO tentou ontem por duas vezes falar com os gestores do edifício sobre o assunto, mas estes não estiveram disponíveis."
A invasão chinesa continua. Mas, como o povo é sereno (já o dizia Pinheiro de Azevedo), nada melhor que as palavras do responsável pelo Ippar/Lisboa para descrever a situação: "Temos que admitir que a vida é uma mudança". Já agora, que ao menos passemos todos a andar de bicicleta, ao menos perdíamos o bilhar mas ficávamos com o ar mais respirável.
PF
o meu obrigado pelo documento e triste que tudo ou quaze tudo morra assim.
ResponderEliminar