Condomínio da Infante Santo. Provedoria aponta irregularidades que podem levar à dissolução da CML
In Público online (26/7/2006)
"Provedor de Justiça aprova investigação que aponta para irregularidades do município em benefício de empreendimento contestado por cidadãos
A Provedoria de Justiça acusou há dias a gestão da Câmara Municipal de Lisboa (CML) de favorecimento, com prejuízo do interesse público, do promotor imobiliário que construiu o condomínio que se ergue no local do antigo gasómetro da EDP, na Avenida Infante Santo.
No termo de uma investigação iniciada em Agosto do ano passado, após queixa de moradores vizinhos da obra, a Provedoria produziu agora um relatório final, subscrito, entre outros, pelo especialista em Direito do Urbanismo André Folque, onde se admite que os factos detectados poderão levar à dissolução da câmara.
O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, afirma que o facto de o presidente Carmona Rodrigues (PSD) ter revogado um despacho da ex-vereadora das Finanças Teresa Maury, ilibando assim o promotor imobiliário de pagar uma taxa indispensável à obtenção da licença de obra - a taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU) -, poderá fazê-lo incorrer na perda do mandato nos termos do art. 8º da Lei da Tutela Administrativa. Os juristas notam ainda que a alínea i) do artigo 9º da mesma lei manda também dissolver o órgão autárquico que "incorra, por acção ou omissão dolosas, em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público".
O longo relatório concluiu pela prática repetida de graves irregularidades pelos responsáveis camarários, a mais óbvia das quais é terem deixado avançar uma obra que ainda hoje não terá licença.
Carmona não comenta
O empreendimento foi lançado por empresas ligadas ao construtor civil Vítor Santos - Visatejo, Gabimóvel e Portbuilding. O relatório censura procedimentos de diversas instâncias municipais, desde serviços de urbanismo, fiscalização e contabilidade ao notariado privativo da CML, a duas ex-vereadoras do Urbanismo (Margarida Magalhães e Eduarda Napoleão) e até ao próprio presidente da câmara - que poderão também incorrer em responsabilidade financeira pelos danos eventualmente causados.
O PÚBLICO solicitou ao autarca um comentário ao relatório, mas o porta-voz da presidência da câmara disse que Carmona só o faria após o estudo do documento por juristas da CML.
A Provedoria entende, como defendido pelos moradores da Infante Santo, que a obra deveria ter sido precedida de um loteamento, não só por obrigação legal como por esta ser uma forma de defender o interesse público, já que traria para o município contrapartidas compensadoras do impacto na cidade de tão grande conjunto imobiliário. Este é um dos argumentos usados para considerar nulo o licenciamento da obra, que, afirmam os três autores da investigação, também sofre de nulidade por outros motivos, nomeadamente por não ter alvará.
A TRIU não fora paga em 12 de Abril de 2005 (já a obra decorria) e, "até ao momento, a situação mantém-se inalterada" - e o município de Lisboa "injustificadamente privado" de uma receita. Sem o pagamento das taxas, nota a Provedoria, "nunca foi emitido o alvará da licença" de obra, deferida pela então vereadora Eduarda Napoleão, mas que "não produz efeito jurídico nenhum enquanto faltar o alvará".
Por isso, a Provedoria conclui que "todos os trabalhos executados no imóvel são ilegais" e que "há muito deveriam ter sido embargados". O promotor terá apresentado uma garantia bancária com vista ao licenciamento, mas "nada autoriza o município a protelar o pagamento [das taxas] por esta via".
"Uma floresta de enganos"
A Provedoria dá ainda conta de que o processo de licenciamento "representa o esbulho [apropriação ilegal] de uma parcela de terreno compreendida no domínio privado do município", situada junto ao Aqueduto das Águas Livres. Houve, diz-se no capítulo 8º do relatório, "aproveitamento ilegítimo de terreno municipal, houve disso conhecimento", mas as chamadas de atenção para o facto foram "sistematicamente ignoradas" pelos responsáveis pelo licenciamento. Todo o processo, concluem André Folque, Miguel Feldmann e Cristina Sá Costa, constitui "uma floresta de enganos".
Tanto a Portbuilding como o gabinete da actual vereadora do Urbanismo, Gabriela Seara, têm insistido na legalidade do projecto e na sua conformidade com o aprovado pela câmara e com o Plano Director Municipal.
Os relatórios ou pareceres do provedor de Justiça, uma instituição de certo modo informal e sem funções jurisdicionais, não têm força vinculativa nem anulam actos administrativos. Em 80 por cento dos casos, disse fonte da Provedoria, os conflitos acabam por resolver-se de modo informal. Mas neste caso, o provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, entendeu haver motivos suficientes para fazer chegar o relatório ao procurador-geral da República, ao inspector-geral da Administração do Território, ao Tribunal de Contas e ao presidente da Câmara de Lisboa, entre outros.
Queixas começaram em 2003
"Demolidor" é o termo usado por João Magalhães Pereira, presidente da Junta de Freguesia dos Prazeres, para definir o relatório da Provedoria de Justiça ao Condomínio Residencial da Lapa, em construção na Avenida Infante Santo.
A oposição ao condomínio erguido junto a um troço do Aqueduto das Águas Livres, que já está a ser comercializado, começou em Outubro de 2003, movida por residentes na vizinhança que lhe criticavam a proximidade ao monumento nacional, a volumetria, a ocupação de parte do passeio ou a necessidade de estudos arqueológicos prévios. Fará sexta-feira um ano que entregaram à Provedoria a queixa que levou ao actual relatório, mas outras seguiram também para a Inspecção-Geral da Administração do Território e para o próprio Presidente da República, Cavaco Silva.
A obra, que ocupa o recinto onde estavam gasómetros da EDP e um terreno municipal, enfrentou inicialmente, em 1997 e 99, dois pareceres negativos do Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar), mas após algumas alterações foi por este avalizada. Os termos em que se processou o seu licenciamento levaram o Departamento de Investigação e Acção Penal a abrir um inquérito que, em Setembro de 2005, passou pela apreensão de documentos na obra, no instituto e na Câmara de Lisboa, por suspeitas de "corrupção ou tráfico de influências". Este inquérito ainda está a correr. No Verão desse mesmo ano, a junta de freguesia interpusera uma providência cautelar com vista à suspensão da obra. Mas o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa não lhe deu razão, alegando que faltava provar que o conjunto se erguia na área de jurisdição da autarquia. O recurso interposto ainda corre, disse ontem Magalhães Pereira. O episódio seguinte foi a abertura de uma acção popular dos moradores contra a CML, o Ippar e o dono da obra, alegando que o licenciamento incorre em ilegalidades, viola o Plano Director Municipal e as regras de protecção do Aqueduto das Águas Livres. A empresa imobiliária Portbuilding nega as acusações e diz-se atacada por "quatro ou cinco" descontentes que não entendem o seu propósito de "requalificar um gasómetro desactivado" e criar "um novo acesso ao Bairro da Lapa". F.N"
A notícia é de truz, pelo que se aguarda o próximo capítulo desta novela do malfadado condomínio. Mas quanto à possibilidade de dissolução da CML; num país em que uma foragida à lei é reeleita pelo povo e abençoada pelos correlegionários; num país em que se ouve em directo na rádio o presidente da Associação de Municípios apelar a que se lancem pedras aos ambientalistas; num país em que o ex-presidente da CMC, que fez as maiores barbaridades ao concelho (a todos os níveis), é inatacável; etc., etc. ... é pouco provável que semelhante dissolução possa, sequer, ser levada a sério como hipótese.
PF
Caros amigos, por mais empreendimentos como estes não aparecerem em Lisboa, é que a Cidade está como está quase deserta e comercialmente moribunda a caminho da Morte.
ResponderEliminarSão de projectos como este que a Cidade precisa, Quanto a corupção se houve é de Punir, mas não parem é com a obras.....
JCC