In Público (29/10/2006)
Ana Henriques
Carmona Rodrigues é tratado na Câmara de Lisboa como "o professor", mas se ainda andasse na universidade era obrigado a ir a exame. Especialistas e observadores de várias áreas criticam-lhe a falta de visão estratégica para a cidade. Média final: 8,1 valores.
Se ainda andasse na universidade, Carmona Rodrigues era obrigado a ir a exame. A análise que fazem vários especialistas e observadores do primeiro ano em que "o professor" - como é tratado na Câmara de Lisboa - esteve à frente da autarquia é negativa: uma nota média de 8,1 valores numa escala de zero a 20.
As principais críticas centram-se na falta de uma visão estratégica da cidade.
É disso que fala o especialista em questões de governação urbana João Seixas, que salienta também "a total separação entre a Câmara de Lisboa e os cidadãos".
"Há um grande desfasamento entre a estrutura político-administrativa e a cidade propriamente dita", observa o também coordenador dos Estudos de Lisboa, um conjunto de análises económicas, demográficas e sociais sobre a cidade feitas por vários especialistas há dois anos. João Seixas admite que o problema não surgiu hoje - mas o actual executivo camarário também não soube resolvê-lo.
É também da "falta de um projecto estruturado e global" que fala o arquitecto Manuel Graça Dias: "Não tenho sentido a cidade a mexer e isso faz-me impressão. Os problemas são resolvidos casuisticamente, conforme aparecem" - o que já vem de trás: "Desde Jorge Sampaio que não há uma ideia estruturante de cidade". Graça Dias recusa-se a dar uma nota a Carmona: "Seria reprovado por faltas. Não apresentou elementos suficientes para avaliação".
"Está tudo como dantes", resume um dos dirigentes do movimento cívico Fórum Cidadania Lisboa, Paulo Ferrero. "O património abandonado, o trânsito caótico, a habitação em crise." Com algumas agravantes: "A Polícia Judiciária nunca foi tantas vezes à Câmara de Lisboa como agora", por causa dos negócios do Parque Mayer/Feira Popular e da Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL). O plano de cérceas da Av. da República "é perigosíssimo, porque vai permitir acabar com os poucos edifícios bonitos que ainda existem ali e nas Avenidas Novas", e o projecto de reabilitação da Baixa "completamente megalómano". De positivo, Paulo Ferrero aponta o encerramento ao trânsito da zona do Castelo. "Mas dou o benefício da dúvida a Carmona Rodrigues, que ainda tem três anos de mandato pela frente."
"Só no próximo ano poderá ser feita uma avaliação rigorosa" do autarca, considera o economista Augusto Mateus, que se recusa, por isso, a aplicar-lhe uma nota. Mesmo assim, vai dizendo que gostava de ter visto "mais iniciativa". "Carmona Rodrigues ainda não conseguiu dar um sentido sistemático à sua intervenção", refere, acrescentando ser prioritário relançar Lisboa no plano turístico e resolver os problemas de mobilidade, de modo a fixar mais população na cidade.
Cultura teme incompatibilizar-se
Os dois especialistas em transportes e mobilidade contactados pelo PÚBLICO analisam o desempenho de Carmona de forma quase diametralmente oposta. Enquanto José Viegas diz que as medidas tomadas pelo executivo camarário "vão na direcção certa" - muito embora veja com preocupação a "lentidão na aprovação do Plano Director Municipal" -, Nunes da Silva pensa que o trânsito em Lisboa "está cada vez pior" e que a autarquia se encontra "em completo desnorte". Exemplos? "Continua a encaminhar o trânsito para o centro da cidade, e o sistema de semáforos parece ter enlouquecido", ao "dar tempo de verde aos automóveis apenas em função da procura", em vez de estabelecer eixos prioritários de circulação.
"O único passo positivo foram as recentes limitações ao estacionamento para residentes", faz notar. Porque, de resto, "a câmara está refém dos interesses que se movimentam no estacionamento em Lisboa". João Seixas fala igualmente de uma autarquia "perdida no emaranhado dos seus procedimentos e nas reciprocidades dos grupos de interesses", quaisquer que sejam as áreas em análise.
O "travão" na autorização de grandes superfícies e a reactivação da Agência Baixa-Chiado são motivos de regozijo apresentados pelo vice-presidente da União de Associações do Comércio e Serviços de Lisboa, Vasco de Mello, para este ano que passou. O prolongamento indefinido de obras como a reabilitação de Alfama ou o túnel do Marquês suscitam-lhe algumas críticas, apesar de o balanço ser, no seu entender, claramente favorável ao autarca.
Já o arquitecto paisagista Ribeiro Telles põe Carmona num patamar pouco acima do zero. Motivo: "Não existe uma estrutura ecológica que resolva os problemas da cidade", apesar de ela estar há muito prevista. Isso e a "ignorância e incompetência dos dirigentes políticos camarários".
O sociólogo Vítor Matias Ferreira, que também fala de uma falta de visão estratégica para a cidade que se mantém desde o primeiro mandato de Jorge Sampaio, admirou-se quando viu há algum tempo Carmona Rodrigues explicar-se na televisão sobre o imbróglio do condomínio da Av. Infante Santo: "Fiquei espantado com o descaramento com que boa parte da actual classe política justifica coisas injustificáveis". A cobertura que o autarca deu aos administradores da EPUL também lhe desagradou.
O PÚBLICO pediu igualmente comentários sobre o desempenho do executivo camarário a vários agentes culturais da cidade, mas todos eles se escusaram a responder. Um deles argumentou não querer comprometer uma eventual atribuição de apoios do município à instituição que dirige, que nunca foi subsidiada, enquanto outro explicou que as relações entre a sua instituição e a autarquia não lhe permitem tecer um comentário descomprometido.
Carmona prometeu muitas vezes o que não podia cumprirAna Henriques
Para pôr em prática várias das medidas anunciadas em matéria de trânsito, o presidente da Câmara de Lisboa precisava do acordo de instituições alheias à autarquia, que continua a não conseguir
Continuam por cumprir várias das medidas anunciadas pelo presidente da Câmara de Lisboa, Carmona Rodrigues, para melhorar o trânsito na cidade. Trata-se de medidas várias vezes prometidas em campanha para os primeiros três meses de mandato, e que continuam no papel um ano depois. Motivo: o autarca prometeu o que não podia cumprir. Para levar a cabo as promessas precisava da concordância de instituições alheias à Câmara de Lisboa, que não tinha obtido na altura e que continua sem conseguir. O caso mais emblemático relaciona-se com a reorganização das carreiras da Carris, feita à revelia da autarquia e condenada por esta em bloco. Das promessas de Carmona fazia parte precisamente a sensibilização da transportadora, por parte da autarquia, "para a criação de carreiras em zonas claramente deficitárias em transportes públicos", bem como para "a necessidade de alargamento de horário de algumas carreiras para períodos nocturnos e fins-de-semana". "Foi um dos grandes fracassos. Não conseguimos sensibilizar a Carris", reconhece a assessora de imprensa da vereadora da Mobilidade, Marina Ferreira. A Câmara de Lisboa está agora a gizar a reestruturação do serviço de transporte em carrinhas Lisboa Porta-a-Porta, praticamente desactivado, para servir crianças e idosos em pequenas deslocações.
Também não há notícia, como estava previsto, de novos bairros condicionados ao trânsito. Quanto aos milhares de lugares de estacionamento a preços imbatíveis prometidos para as imediações dos estádios do Sporting e do Benfica e para a Gare do Oriente, apenas nos dois primeiros casos irão por diante, e só se o Ministério das Obras Públicas autorizar o Metropolitano de Lisboa a criar um novo regime tarifário que inclua a utilização destes parques. Dos outros sete mil lugares para residentes nos estacionamentos privados da cidade, a troco de avenças baixas, estão neste momento garantidos cinco mil, e têm-se ouvido queixas de alguns automobilistas de que os parques que lhes foram postos à disposição distam quilómetros de casa. O que acontece é que a Câmara de Lisboa ainda não celebrou acordos com a Bragaparques e a CPE, duas das concessionárias que detêm parques no centro da cidade. Por fazer estão também novos corredores BUS. A Alameda das Linhas de Torres e a Estrada da Luz são as artérias que se seguem a nível de prioridade de circulação para os transportes públicos. Seja como for, os responsáveis pelo trânsito na autarquia dizem-se satisfeitos por terem, nalguns casos, conseguido ir bastante além das promessas eleitorais. É o caso do recente alargamento de competências dos fiscais da Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa (EMEL), que agora lhes permite multar automobilistas mesmo fora da área de intervenção da EMEL.
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