In Blog-DN/Baixa-Chiado
Gonçalo Ribeiro Telles
Arquitecto paisagista
"A proposta de revitalização da Baixa-Chiado tem por objectivo uma profunda reorganização global de um espaço de Lisboa que representa muito da sua história, da sua vivência, e que é um objecto, multifacetado, de reconhecido valor estético, que, por isso, contribui, em muito, para a diversidade arquitectónica e paisagística que caracteriza a cidade. A integração deste projecto na cidade e a interdependência de diferentes particularidades espaciais e históricas numa paisagem cada vez mais global sugeriram-me as seguintes reflexões:
1. As intenções da proposta são na generalidade positivas mas, contudo, só podem ser consideradas como exequíveis se forem incluídas no Plano Director Municipal, cuja revisão deveria ter estado concluída em 2004. Tal atraso tem motivado acções e a concretização de planos de pormenor casuísticos que podem vir a alterar e a comprometer a qualidade e aplicação daquele instrumento e a inviabilizar o próprio projecto de revitalização.
2. Está também em causa, para além da mobilidade na Baixa-Chiado, a rentabilidade das obras a realizar face à concorrência de novos investimentos em habitação e comércio, não só, já em curso, como o da “A Alta de Lisboa”, como também muitos outros já previstos, por exemplo, para a Rua Artilharia 1, nos terrenos da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho e o chamado “Campolide Parque”.
3. A continuação da actual política urbanística da Câmara, que permite e fomenta a ocupação por betão, asfalto e construções, de todos os espaços vazios, logradouros e quintais da cidade consistente que, nas zonas húmidas, vai aumentar os caudais a escoar e diminuir a distância à superfície dos lençóis freáticos. A drenagem das águas pluviais será, portanto, cada vez mais difícil, especialmente, durante as marés altas.
4. A zona húmida da Baixa-Chiado ocupa mais de 60% da área total da “Proposta de Revitalização”, pelo que a impermeabilização do solo, nas bacias hidrográficas da ribeira de Valverde, do Regueirão dos Anjos e do Vale de S. Bento provocará inundações e afectará a qualidade ambiental da Baixa Pombalina. A edificação, abertura de caves e a construção de estacionamentos subterrâneos na “zona húmida” em que se inclui a margem ribeirinha são condenáveis, porque afectarão a sustentabilidade e o regime hídrico de toda a área abrangida pelo projecto. A “Proposta de Revitalização” não deverá, portanto, deixar de considerar tal facto e incluir nas suas preocupações as possíveis transformações de uso do solo naquelas bacias hidrográficas no que diz respeito a espaços vazios, logradouros e quintais, impedindo a impermeabilização e propondo diferentes tipologias adequadas de revestimento vegetal que garantam a infiltração e aumentem a capacidade de retenção de água no solo.
5. O encanto e beleza de Lisboa depende, em muito, do relevo colinar e dos diferentes pontos de vista sobre o Tejo e a Outra Banda ou das panorâmicas que apresenta a quem nela entrar pelas pontes ou passear na margem sul do rio. A Baixa pombalina e uma referência histórica, um todo patrimonial, um objecto singular que ocupa o aterro de um antigo paúl e braço do rio, ligado ao estuário de Tejo onde desembocavam a ribeira de Valverde e o Regueirão dos Anjos. O aterro está envolvido por colinas e encostas onde se destacam, em lugares dominantes, o Castelo, a Sé, os conventos da Encarnação e do Carmo, a cumeada da Cotovia, S. Pedro de Alcântara e a Igreja das Chagas, constituindo um sistema de vistas que possibilita a contemplação de diversos admiráveis panoramas.
6. A partir do Alto do Parque (Jardim Amália Rodrigues) a abertura do vale da Avenida da Liberdade permite descobrir-se uma admirável perspectiva sobre a cidade, que abrange o Parque Eduardo VII, o maciço de arvoredo que ocupa o talvegue daquele vale e as encostas que o definem, onde se situam, na do lado poente, a Praça da Alegria, o Jardim Botânico, o Parque Mayer, os jardins dos palácios Palmela e Ribeiro da Cunha, a encosta do Picadeiro e o Jardim de S. Pedro de Alcântara e, na do lado nascente, os plátanos do Jardim do Torel e a vegetação das encostas do Palácio dos Correios, do Ateneu Comercial e do Coliseu. A perspectiva termina na Baixa pombalina e na luz espelhada do Tejo, tendo, como pano de fundo, a Outra Banda e a serra da Arrábida.
7. A este eixo visual, elemento fundamental da estética de Lisboa, deverá corresponder um corredor ecológico que, vindo de Monsanto, penetrará no âmago da cidade. Da existência deste corredor dependerá, em muito, a qualidade ambiental, a segurança, quanto a inundações, a continuidade dos sistemas naturais, o conforto térmico, a formação das brisas e a protecção do vento na Baixa pombalina. O “Plano de Revitalização” não deve esquecer a estruturação ecológica na área central da cidade, como propõe o Dec.-Lei 380/99 de 22 de Setembro. Para além do reconhecimento do “sistema de vistas” há que organizar o “sistema natural” de áreas permeáveis cobertas de vegetação, que é fundamental como factor de conforto, amenidade do ambiente e valor estético.
8. A decrepitude das árvores da cidade, asfixiadas em caldeiras exíguas, prejudicadas pela sistemática abertura de caves e estacionamentos subterrâneos, e crescente poluição do ar, é um problema a considerar e combater num plano de revitalização duma área onde elas são um elemento cultural e estético indispensável à paisagem presente e futura de Lisboa. A manutenção, protecção e recuperação das árvores caducifólias que constituem as oito fiadas da Avenida da Liberdade – alameda monumental de acesso à Baixa pombalina – não poderá ser esquecida no projecto da Baixa.
9. Estas reflexões permitem-nos propor que no projecto de revitalização sejam incluídas as bacias hidrográficas da Ribeira de Valverde, do Regueirão dos Anjos e do Vale de S. Bento, o que permitirá uma racional integração na revisão do Plano Director Municipal."
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