30/11/2006

Proposta para travar Marvila fracassou na câmara

In Público (30/11/2006)
Diana Ralha


"A grande manigância é que o promotor não vai ter de construir nada" para fazer dinheiro, sustenta o vereador José Sá Fernandes, vereador eleito para a Câmara de Lisboa pelo Bloco de Esquerda (BE), queria que "a novela da antiga fábrica de sabões de Marvila tivesse um fim", ontem, na reunião de câmara, mas não o conseguiu.
Numa iniciativa inédita, Sá Fernandes apresentou um requerimento no qual propôs a revogação da decisão que, na passada quarta-feira, aprovou - graças à abstenção da vereadora democrata-cristã, Maria José Nogueira Pinto - um projecto urbanístico que poderá colidir com o futuro traçado do comboio de alta velocidade.
O requerimento foi apresentado no período antes da ordem do dia, depois de a vereadora do Urbanismo, Gabriela Seara, ter lido uma declaração em que justificava a sua proposta de aprovação do projecto com o facto de não fazer "vetos de gaveta", mas não obteve qualquer resposta da maioria ou da oposição.
O loteamento da antiga fábrica de Marvila cobre uma área de intervenção de cerca de 111 mil metros quadrados e uma área de construção de 162 mil m2, nos quais serão construídos 1037 fogos alguns espaços comerciais.
"Nunca foi feito um requerimento desta natureza, mas a novela, assim, podia ter um fim. A aprovação não foi ainda publicada, e a questão devia ser reavaliada à luz da posição do Governo e, também, porque não foram avaliados todos os pressupostos legais", sustentou o vereador eleito pelo BE.
Sá Fernandes insiste em dizer que o loteamento viola o PDM e que a vereadora responsável pela pasta do Urbanismo, Gabriela Seara, não o poderia ter aprovado sem fazer um plano de pormenor. O autarca considera, portanto, ilícito o recurso à excepção que está prevista no PDM para projectos de "interesse urbanístico, económico e social" e foi com base nesse pressuposto que apresentou queixa ao Ministério Público, com o objectivo de revogar a aprovação do loteamento.
"É aqui que a porca torce o rabo: todos os elementos de que a câmara dispõe apontam para o contrário, nomeadamente o impacto da terceira travessia do Tejo e a linha ferroviária de Alta Velocidade". Para o vereador, "a grande manigância deste loteamento é que não se vai construir nada". Na sua leitura, "o promotor Obriverca não vai ter de construir nada, e esta aprovação é um filão, porque agora estes terrenos estão valorizados ao máximo e, por via da expropriação, o país terá que pagar dez vezes mais do que teria que pagar se o loteamento não estivesse aprovado". Para o vereador, o que mais choca no loteamento é a qualidade urbanística e a sua imensa volumetria. "É uma coisa de morte!", resume.

Gabriela Seara explica-se
Durante a manhã de ontem, horas antes de tentar acabar com "a novela" através do seu requerimento em reunião de câmara, Sá Fernandes convocou a imprensa para uma visita aos terrenos abrangidos pelo polémico projecto de loteamento. São uma espécie de tesouro escondido, um local onde "cheira" a aldeia e onde o Tejo mancha a paisagem. Mas é, também, uma parcela da cidade que divide, abruptamente, a cidade renascida a oriente, na zona da Expo-98, do resto da capital. "Este podia ser um grande território. Tinha que ser aproveitado para fazer cidade", lamentou Sá Fernandes.
Já durante a tarde, na reunião de câmara, a vereadora Gabriela Seara leu um esclarecimento em que reafirmava que "a não existência de medidas preventivas impediu razões de facto e de direito para fundamentar o indeferimento" do projecto, "sob pena da possibilidade de responsabilização" da autarquia. "A Câmara de Lisboa não tem de responder pelas omissões do Governo", afirmou, salientando que é vereadora "e não membro do Governo".
Gabriela Seara defendeu ainda que a aprovação da proposta em reunião camarária "não constitui direitos", porque "o promotor tinha de satisfazer duas condições e uma delas depende do acordo da Refer no âmbito da servidão administrativa existente". "Está exactamente na mão de quem afirmou não poder emitir parecer conclusivo sobre a matéria a capacidade de decidir sobre a eficácia daquela aprovação", concluiu. com I.B.
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