In Jornal de Negócios (30/11/2006)
Por Sérgio Figueiredo
"Ponto prévio: gerir a cidade é muito complexo e gerir uma cidade como Lisboa é tarefa de gigantesca complexidade. Não está, portanto, ao alcance de qualquer um. Haverá, aliás, poucos ministérios mais difíceis de comandar do que este.
A habitação. O sistema de transportes. As centenas de milhar de pessoas que diariamente entram e saem. O saneamento básico. As escolas. O ordenamento e a reabilitação urbanística. A segurança dos cidadãos. Políticas para a juventude. A cultura. O património.
Não há economia competitiva sem cidades competitivas. E Lisboa resume o paradigma nacional: ou se reiventa o modelo de desenvolvimento e se dá um salto com soluções disruptivas; ou a cidade definha e o seu território, as suas gentes empobrecem lenta mas persistentemente.
Carmona Rodrigues, no dia em que foi mandatado para esta carga tremenda de responsabilidades, foi-o precisamente por não ser "qualquer um". Carmona era o anti-político. O técnico competente. Indisponível para a demagogia. Um pouco frouxo, é certo, mas com suficiente margem de liberdade para cumprir aquilo que prometia.
A liberdade que a independência dos partidos lhe conferia. A margem que o conhecimento de causa lhe dava. E Carmona Rodrigues conhecia muito bem a autarquia, entre Janeiro de 2002 e Janeiro de 2005, com um intervalo no meio para ser ministro.
Dois anos praticamente passaram desde que foi a votos e mereceu a confiança da maioria dos lisboetas. Dois anos em que não se vislumbra uma luzinha ao fim do túnel – e o Túnel é uma formidável metáfora da gestão Carmona: para onde é que este homem está a levar a cidade?
Se a resposta estiver nas contas camarárias, a resposta é única e inequívoca: para a catástrofe. O plano de actividades de 2006 é um queijo suíço. A taxa de execução nem sequer chega, ao fim de três trimestres, a uns sofríveis 30%.
É pobre a explicação do vereador financeiro para a situação de bancarrota em que a Câmara se encontra. É pobre o argumento para justificar o vazio de ideias e a fallha de iniciativas: estão a pagar a herança do passado, diz. É uma desculpa demasiado pobre para tão pouca originalidade.
Ainda por cima, um atestado de incompetência. Ou um insulto à nossa inteligência. A equipa que fez e aprovou um plano de actividades e que foi incapaz de o fazer cumprir, em cerca de dois terços, não conhecia o passado? Não fez essa equipa, aliás, parte dele?
Quem quer fazer uma viagem ao interior do caos deve ler as duas páginas desta edição dedicadas às contas de Carmona. Resta, portanto, avaliá-lo para além das finanças. Resta, assim, a pergunta colocada nas primeiras linhas deste texto: para onde vai a cidade? Que visão tem este homem para o futuro? Como vê ele Lisboa em 2010? 2015? E que políticas tem lançadas para lá chegar?
O seu projecto para os bairros valerá uma política de reabilitação urbana? Serão o Rock in Rio, o Rali para Dakar ou uma excursão organizada de gestores de multinacionais a promoção externa que Lisboa precisa? Sim, e o resto?
A verdade é que Carmona ainda não provou ser o técnico com reputação – o que é estranho, ao fim deste anos todos. Rapidamente se transformou no político que mostrava não ser – o que é repudiável.
O "caso Zezinha" foi a mais estrondosa revelação de que ficou rendido às lógicas de poder aparelhístico. Mas os gabinetes apinhados de assessores, centenas de "jotinhas" que entraram por ali adentro, exibem o independente tornado permeável à traficância dos adidos partidários.
A meio do mandato, agora sem Santana, agora sem desculpas, já se pode infelizmente concluir que Carmona é um bluff de autarca. Candidato a pior edil que Lisboa. O que parecia impossível, atendendo ao seu mais recente antecessor."
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