29/01/2007

Alfama esconde várias nascentes de água quente

In Jornal de Notícias (28/1/2007)
Bruno Simões Castanheira
Telma Roque

«Alfama, esse pequeno recanto de Lisboa - que em árabe significa "fonte quente" -, ainda esconde muita água nas suas entranhas, não só fria, como também quase a borbulhar de quente (a maiores profundidades). Dos "spa" seculares, muitos dos quais existentes até meados do século passado, restam apenas as memórias, evocadas ontem, durante um passeio organizado pelo Instituto Superior Técnico (IST), integrado na iniciativa "Água Subterrânea - Sede de conhecer".

Os chafarizes, bicas, poços e cisternas ainda visíveis em Alfama atestam a importância que a água teve na zona e que era a mais mineralizada e abundante de toda a cidade. Hoje, contudo, essa imensa riqueza está subaproveitada e, na maior parte dos casos, oculta e destruída de forma irrecuperável.

Luís Ribeiro, professor do IST e um dos cicerones do passeio, lembrou que as águas fizeram surgir inúmeras alcaçarias - espaços onde se fazia o curtimento de peles, lavagens de roupa, ingestão e abastecimento de barcos e naus que serviam a epopeia dos Descobrimentos.

As nascentes eram aproveitadas para banhos devido às suas águas "milagrosas", frias ou quentes. Havia banhos para todos os gostos, baptizados com nomes sugestivos como "Banhos do Doutor" (nas traseiras do Chafariz de Dentro), "Banhos das Alcaçarias do Duque" (nos números 52 a 60 da Rua do Terreiro do Trigo) ou "Banhos de D. Clara" (Rua do Terreiro do Trigo), com águas cujas temperaturas chegavam a atingir os 34 graus centígrados.

Muito recentemente, numa obra que ainda decorre no rés-do-chão do número 1 do Largo das Alcaçarias, um operário apanhou um valente susto, ao ver sair fumo de um buraco. Só respirou de alívio quando lhe explicaram que se tratava de uma nascente de água quente.

As "Alcaçarias do Duque" eram as maiores e as que sobreviveram até mais tarde. Os balneários foram construídos em 1640, mas só foram concessionados para o público em 1895. Tinham 15 quartos para banhos. A concessão foi anulada em 1978.

Uma das fontes mais famosas pelas quantidades da sua água era a "Fonte das Ratas", uma nascente descoberta no Largo das Alcaçarias, que atingiu o auge na década de 60. As pessoas esperavam horas para encher os garrafões. A média era de 360 garrafões por hora e o ritmo só abrandava entre as 3 e as 5 horas. A contaminação fecal, detectada pela Inspecção de Águas, ainda na década de 60, levou ao seu fecho, apesar da resistência popular.

Pobres não pagavam
O preço dos banhos dependia do balneário ou terma escolhida pelo freguês. No século XIX, um banho quente nas Alcaçarias de D. Clara atingia os 400 réis. Nas Alcaçarias do Duque, a despesa variava entre os 200 e os 300 réis, dependendo da nascente que abastecia a tina. Para montepios, asilos e outras instituições, cada banho rondava os 100 réis. Os indigentes tomavam banho de borla, caso apresentassem um atestado de pobreza passado pelo padre e reconhecido pelo notário. Todas as termas tinham um quarto para portadores de doenças contagiosas.

Sondagem revela água
Uma sondagem efectuada em 1970 a pedido do Metropolitano de Lisboa, junto ao Chafariz de Dentro, a 25 metros de profundidade, para reconhecimento geológico, colocou em evidência um aquífero artesiano de água termal, com uma temperatura de 25.5ºC. Devido à elevada pressão da água foi necessário construir uma captação sumária, com drenos, entre as profundidades de 12.15 e 18.15 metros

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