08/02/2007

Viver sem vizinhos num prédio de Lisboa

In Diário de Notícias (8/2/2007)
Kátia Catulo
Pedro Saraiva (imagem)

«Quase sempre é Bento que adormece primeiro, enquanto Albertina fica às voltas na cama. Tenta escutar se ainda há eléctricos nas ruas da Baixa, mas o centro de Lisboa dorme mais cedo que o marido dela. "Às vezes deixo-me ficar muito quieta para ver se consigo ouvir as pessoas da Pensão Prata", confidencia a pensionista de 81 anos. O burburinho do terceiro piso ajuda-a a encontrar-se com o sono. O casal Rodrigues já teve a casa cheia de sogros, genros e irmãos, mas nunca soube o que são vizinhos. Sempre foram os únicos inquilinos de um dos edifícios da Rua da Conceição.

No 3.º andar está instalada a casa de hóspedes, que, no entanto, tem entrada pela Rua da Prata; o piso de baixo serve de armazém e o primeiro nunca foi habitado. É Bento, portanto, o porteiro de um prédio que só tem o último apartamento ocupado. "Limpo as escadas do meu piso e deito o lixo no contentor da porta ao lado", explica o sapateiro reformado.

Ao fim de 50 anos, há indícios de que o 1.º piso venha a ser arrendado em breve. "Estão lá uns quantos homens a martelar e a furar paredes", conta Albertina. A viver há tanto tempo sozinhos, ambos têm agora receio de não conseguirem habituar-se aos novos vizinhos. "Nunca fui pessoa de me meter na casa dos outros", avisa Albertina. Mas que era bom ter alguém a quem pedir ajuda em caso de aflição, "isso era".
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