Recordo-me de numa ocasião a Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e também Presidente da Área Metropolitana de Lisboa ter-se mostrado ofendida com o conteúdo do livro “Cidades sem nome” da autoria da jornalista Fernanda Câncio, editado pela Comissão de Coordenação e desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, uma obra sobre vários tipos de subúrbios da capital, nomeadamente Belas, Setúbal, Brandoa e Vila Franca.
Entendeu a autarca que o livro coloca selos nas pessoas, insultando-as e apagando a sua identidade própria..
Esta atitude lembra a reacção de um autarca do interior do país, que ameaçou accionar judicialmente o INE por este ter colocado aquele concelho como o mais pobre do país.Lembra e confirma a mentalidade retrógrada, autista e terceiro-mundista de muitos autarcas portugueses.
A realidade na AML de Lisboa é simplesmente esta: Lisboa é, na verdade, uma cidade terceiro-mundista, que se expande sem controlo, esvaziando o seu núcleo de atractividade e população, aglutinando cidades vizinhas, empurrando os seus habitantes para cada vez mais longe, sem que o crescimento seja sustentado com uma boa rede de transportes, beneficiando a construção de má qualidade e cara, preferindo abandonar e destruir o seu património.
Na AML as fronteiras concelhias já não fazem sentido, porque apenas existem no papel, pois podem fazer-se 30km de seguida e não se notar a transição entre áreas edificadas. Nas cidades em volta de Lisboa, à excepção daquelas que possuem núcleos antigos, nada as distingue de tudo o resto, transformadas que estão em bairros residenciais da capital, sem equipamentos, sem espaços verdes, sem transportes, sem qualidade, sem atractividade. São, na verdade, e indiscutivelmente, subúrbios da pior qualidade e outro nome não merecem.
Porque é que esta autarca se ofende com o epíteto de subúrbio? Porque preside a um concelho com uma das maiores taxas de crescimento anárquico do país? Porque os seus habitantes apenas se fixaram naquela zona porque a habitação é de pior qualidade? Será que quem vive naqueles subúrbios gosta de viver numa zona sem qualquer atratividade, com excepção da nesga de rio Tejo que conseguem vislumbrar por entre torres, todas iguais umas às outras?
Tanto em Lisboa como em todas as outras cidades do país não uma política de urbanismo e se a há, é completamente arrasada com a euforia licenciadora das edilidades, em busca dos lucros da construção, do aumento de habitantes que lhes potencia o aumento de impostos e transferências estatais. Neste país os sinais de desenvolvimento ainda estão associados à construção de torres, mesmo que ao lado de património protegido, e onde jardins são equivalentes a canteiros ajardinados na entrada de um prédio.
Em Portugal, os PDMs são letra morta, pois tudo o que se constrói é considerado de interesse e susceptível de valorizar a zona, e são mais importantes os laços coma construção civil do que com os habitantes, desprezando-se a qualidade de vida, o direito a viver com qualidade e oportunidades.
Enquanto que em países da Europa se começam a demolir subúrbios dos anos 70, apagando erros do passado e se investe fortemente na recuperação do edificado, na tentativa de tornar as cidades mais humanas, mais pequenas, mais sustentáveis, em Portugal ainda se segue o modelo do século passado, aumentando a factura do país para as novas gerações, em combustíveis, criminalidade, materiais, hipotecando uma das alavancas de desenvolvimento e atractividade das cidades: o seu património e a auto estima dos seus habitantes.
Porque é que se elaboram planos que se sabe à partida que não vão ser aplicados? Porque se elegem autarcas mediáticos e teimosos que insistem no disparate e só pretendem a auto promoção? Porque se permite a promiscuidade entre construção e câmaras e nada se faz, mesmo sabendo os nomes e os prevaricos? Porque é que o direito do ambiente e do ordenamento do território é tido como uma “sala de visitas” que não se usa e é só para vista?
Um habitante da Grande Lisboa ofendido por lhe chamarem suburbano? Porquê? Porque vive num 15.º andar Letra Z, sem estacionamento, sem luz do sol, que perde 6 horas por dia para ir trabalhar, que não vê arvores, que não tem zonas de lazer num raio de 10km, que não conhece os vizinho da frente, que vive apenas para pagar o quadrado de 70m2 onde vive por não ter melhor escolha?
Ofendido ficará por uma autarca, em vez de admitir os erros e de corrigi-los, prefere o papel de dama devassada.
Já que o nosso forte é a imitação de tudo o que vem de fora, nem é preciso ir muito longe para aprender com as verdadeiras tentativas e provas de sucesso; basta acompanhar a vida de Barcelona para perceber que não somos obrigados a viver assim.
Mais grave, quando a própria cidade de Lisboa começa a demosntrar sinas de suburbanidade, com os bairros descaracterizados e invadirem os espaços livres e os que antes pertenciam a arquitectura digna de nota.
Um dos casos mais graves que me ocorre é a zona das Avenidas Novas onde, ainda hoje, deparei com uma enorme quantidade de demolições de edifícios anteriores ao Sec XIX.
Quando é que alguém (nós) põe mão nisto?
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