Pois então, lá vamos outra vez. A distinta Administração do Porto de Lisboa (APL) está lançada em mais uma tentativa de nos roubar parte do Tejo. Agora é o projecto do novo terminal de passageiros de paquetes em Santa Apolónia. Um muro de construções de oito metros de altura por seiscentos de comprido (!), que inclui centros comerciais e hotel. Também na zona do Cais do Sodré está a nascer, a uma velocidade incrível, uma construção maciça, em cima do rio, e que vai quase até ao Terreiro do Paço, eliminando uma zona de jardim, de passeio e de vista. Suponho que seja também obra do porto de Lisboa, uma vez que nenhuma placa no local indica do que se trata e eu já sei que, à beira-rio, do Parque das Nações a Algés, mandam esses senhores e ninguém tem mão neles.
Este porto de Lisboa é verdadeiramente um «case study» de pirataria impune. Têm ao seu dispor a melhor de todas as zonas da cidade de Lisboa: 13 quilómetros de frente de rio — um luxo em qualquer cidade do mundo. São terrenos do domínio público marítimo, isto é, terrenos públicos, cuja atribuição à APL tem como único fim e fundamento a sua alocação à actividade portuária. Mas como, devido ao triunfo do transporte por terra e por via aérea, grande parte desses terrenos se tornaram desnecessários para o porto de Lisboa, a APL, em lugar de os entregar à Câmara e à cidade, visto que deles já não precisa, insiste em entregá-los antes à especulação imobiliária, transformando-se a própria APL em promotor imobiliário. Sem ter de se sujeitar ao PDM da cidade, sem nada dizer à Câmara e sem se preocupar minimamente em saber se por acaso os lisboetas se importam de ver o rio entaipado. Já escrevi sobre isto inúmeras vezes e de cada vez parece que é necessário repetir a evidência: estas cíclicas tentativas da Administração do Porto de Lisboa de se comportar como dona do Tejo, sem dar satisfações a ninguém, são ilegais, escandalosamente abusivas e, de tão insistentes, já se começam a tornar suspeitas. Será que não há ninguém que consiga explicar aos senhores da APL que a sua única função é gerir o porto de Lisboa o melhor que souberem e puderem e nada mais?
Claro que tudo isto se desmanchava em dois tempos com um presidente da Câmara à altura das responsabilidades. Mas quem viu Carmona Rodrigues, na inauguração do Túnel do Marquês, a fugir literalmente dos jornalistas, para não ter de responder a perguntas comprometedoras, percebeu definitivamente, se dúvidas ainda alimentasse, que Lisboa está sem presidente da Câmara. Carmona Rodrigues, não tenho uma dúvida, é um homem sério e bem intencionado: ele quer o melhor para Lisboa, só não sabe é o quê. Não tem dinheiro, não tem projectos, não tem ideias, não tem peso político próprio e nada mais deseja já do que escapar às perguntas, às questões, aos problemas.
Não é o único culpado. Os primeiros culpados são aqueles lisboetas que confundem política com telenovelas e que resolveram, displicentemente, trocar o melhor presidente da Câmara que Lisboa teve nos últimos trinta anos — João Soares — por um vendedor de banha da cobra que, na primeira oportunidade, se pirou para melhor poiso e, assim que foi despedido por gritante incompetência, voltou à Câmara, para giboiar durante uns meses — como se aquilo fosse uma sinecura pessoal e não um lugar de trabalho. Santana Lopes deixou-nos a Câmara arruinada, os amigos por todo o lado, um casino para o sr. Stanley Ho, um imbróglio policial e urbanístico no Parque Mayer, uns negócios de favor com o Benfica e o Sporting e um túnel no Marquês que, ao fim de quatro anos de atraso, estreou-se incompleto, não se sabendo se é seguro e quanto terá custado ao certo. E foi tudo. Bem feito para os que votaram nele. O pior são os outros, que não têm nada a ver com isso.
O segundo culpado é Carmona Rodrigues. Primeiro, viveu dois anos a fazer de número 2 de alguém que só existe como número único e a caucionar-lhe todos os disparates; depois, herdou-lhe subitamente a Câmara, com a promessa de que jamais voltaria, mas assim que ele voltou encaixou um “chega para lá!” humilhante sem um protesto; enfim, quando pôde concorrer como número 1 e sem a sombra abafante de Santana Lopes, Carmona não soube escolher a sua gente, não foi capaz de ter um plano de acção nem meia dúzia de projectos mobilizadores e nunca se mostrou à altura de uma vitória caída do céu e só tornada possível pela vaidade suicida do ‘embaixador’ Manuel Maria Carrilho.
O terceiro culpado é o Partido Socialista, incapaz de perceber que a batalha pela Câmara de Lisboa e por uma gestão exemplar para a cidade podia ser uma luta política de referência e que se limitou antes a imaginar que só interessava ganhar a eleição — e que isso se conseguia com a beleza da Bárbara Guimarães e a esperteza saloia da inacreditável equipa autárquica que por lá tem, supostamente na oposição. Foi, sim, uma derrota política exemplar — das mais merecidas e pedagógicas de que me lembro.
E passo por cima do desempenho do PCP e do PP na Câmara de Lisboa, apenas dizendo que nunca descortinei motivo para tão generosos elogios da nossa imprensa: nunca dei por que eles fizessem qualquer diferença. Em minha opinião, a CML e a cidade de Lisboa só têm um único rosto de alguém que ali está ao serviço dos munícipes, e é altura de lhe prestar homenagem: é, obviamente, José Sá Fernandes, do Bloco de Esquerda. Por favor, não me venham com aquele discurso «blasée» dos ‘pregadores’ do Bloco de ‘Esquerda’ e “já não há pachorra para os ouvir”: a política mede-se pelos resultados concretos para pessoas concretas, e nada melhor do que a política das cidades para medir esses resultados. A única pessoa na Câmara de Lisboa que eu tenho visto conhecer os assuntos, bater-se pelo bem comum, não ter medo de enfrentar os interesses instalados e os influentes que mandam na cidade e não cobiçar cargos e mordomias nas empresas municipais ou outros ‘tachos’ sempre ao dispor é José Sá Fernandes. A mim tanto me faz que seja do Bloco de Esquerda, do PP ou do Partido da Estratosfera. E não é por acaso que, mais uma vez, ele é o único a denunciar os novos planos de saque e rapina do porto de Lisboa. Que pena que não seja ele o presidente da Câmara neste momento e que a maior preocupação do actual presidente e da actual vereação seja a de saber quantos e quais vão ser constituídos arguidos naquele inenarrável desastre inventado para o Parque Mayer
O papel da APL assim como da CARRIS é fantástico. São empresas públicas, mas ninguém tem mão neles. Fazem o que querem nos terrenos da cidade, sem qualquer estratégia visivel.
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