«Há que trazer mais pessoas para viver dentro da cidade e não continuar a melhorar as entradas viárias na cidade, frisa a arquitecta
PÚBLICO/RR - A saída do PS foi puramente instrumental para se poder candidatar à Câmara Municipal de Lisboa (CML)? Ou houve um acumular de gotas de água que a fizeram sair do partido?
Helena Roseta – Não, era uma decisão necessária para me poder candidatar. Tentei promover uma solução com o PS, não teve resposta, e eu achei que era altura de dar um contributo, a cidade estava numa situação grave e eu tinha de fazer isso.
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António Costa é um bom candidato?
Todos os candidatos são bons, à esquerda e à direita, respeito-os a todos. São os eleitores que vão responder quem são os melhores candidatos. Não tenho de me pronunciar senão sobre as minhas propostas para a cidade.
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Mas esteve ligada a partidos nos últimos 30 anos...
Estive ligada a dois partidos e tive períodos em que não estive. Fui sempre independente. Mas quando se está numa organização há regras de solidariedade e convergência dessa organização. Quando a pessoa está de fora não tem amarras. Isso não tem nada a ver com populismo, tem a ver que não recebo instruções de ninguém para saber se vou fazer um caminho à esquerda, à direita, ao centro, para cima ou para baixo. Não tenho de fazer isso. Apenas tenho nestas eleições que ouvir os lisboetas, as suas preocupações, chamar os técnicos e apresentar propostas. Estou numa situação de grande liberdade de intervenção, o que neste momento, para a cidade de Lisboa, é um trunfo.
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Acha justo que se olhe para a sua candidatura como herdeira do Movimento Intervenção e Cidadania, criado na sequência das presidenciais?
Não, são coisas diferentes. O ponto comum é que partem ambas do princípio da democracia representativa e vimos que esse princípio está certo e que os eleitores em Portugal estão desejosos dessa participação. O facto de não ter recebido a resposta à carta de que falou é a prova de que os partidos nem respondem aos seus militantes, quanto mais aos cidadãos. Há necessidade de renovação dos partidos e é bom que haja esta concorrência de movimentos de cidadãos que possam espicaçar os partidos e eles apresentem o melhor que têm e façam melhor trabalho.
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Desistiu de mudar os partidos por dentro?
Não, não desisti, mas provavelmente não sou eu que tenho melhores condições. Quem está nos partidos deve continuar essa luta.
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Na sua opinião, o vereador José Sá Fernandes (independente eleito pelo BE) não cumpriu, neste mandato, esta missão de cidadania que a senhora arquitecta reclama agora?
De alguma forma terá cumprido, certamente. Mas penso que um vereador não é eleito apenas para fazer de vigilante dos outros. Esse papel de fiscalização do trabalho do executivo compete à assembleia municipal. O papel dos vereadores é cooperarem na gestão municipal.
É por isso que a minha proposta para a cidade de Lisboa, uma vez que estamos numa situação de emergência e a câmara numa situação caótica, é um programa de emergência em que desafio todas as forças a participar. Seria muito bom que, por uma vez, todos mostrassem que numa situação de crise são capazes de trabalhar em conjunto.
Propõe então uma espécie de governo de salvação nacional?
Seria um governo de salvação municipal, que é do que precisa Lisboa. A cidade, a capital do país, perdeu um terço dos seus habitantes nos últimos 20 anos. Um terço! Estamos em situação de emergência e precisamos de uma solução de emergência. Eu já tive a experiência de trabalhar numa situação de emergência quando foram as cheias em Cascais e todos os partidos deram uma ajuda muito grande.
Em Lisboa a situação é mais complicada...
É uma metáfora, são coisas diferentes e o tempo era outro. Mas quer dizer que não é impossível e que acho que é por aí que a democracia participativa tem de avançar, é apelando à participação de todos e fazendo um discurso novo, que não é tanto o de todos dizerem mal uns dos outros, mas de vermos o que é que podemos fazer em conjunto. O meu organigrama na Câmara é como se fosse esta mesa [redonda]: todos à volta. E não uma pirâmide de poder.
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Como é que se mexe nas finanças da Câmara?
Já pedi elementos de gestão, porque não estão no site - é extraordinário que não esteja lá nem o relatório e contas do ano passado, nem os relatórios e contas de gerência de nenhuma das 14 empresas municipais.
Sabemos que são mil milhões de dívida...
Esses valores eram em Dezembro, a dívida continua a crescer. Temos de ver como está composta e percebemos que cerca de metade é dívida aos fornecedores, a outra metade é à banca. Constato que a dívida bancária está espalhada por vários bancos diferentes, o que não faz sentido. Quando uma família está endividada, o primeiro conselho é juntar tudo e tentar negociar melhores condições. É o que vamos ter de fazer. Do lado dos fornecedores, também temos de definir prioridades e ver como vamos gerir. Mas porque é que há uma dívida? Porque se tem uma despesa superior ao que se deve e uma receita inferior. Mas eu não ouço falar do lado da receita. As receitas que a Câmara cobra são muito inferiores às que podia cobrar.
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Para aumentar a receita, não quer vender terrenos?
Não é uma boa solução. Penso que muitas das soluções mágicas para melhorar as receitas da câmara têm a ver com especulação imobiliária, com as quais eu não estou de acordo. Era o que se fazia antes do 25 de Abril, eu não concordo. Os terrenos da Câmara podem ser utilizados para função social, para questões que estão mal resolvidas na cidade. Mas mais do que terrenos, a CML tem é um património habitacional muito mal gerido – Maria José Nogueira Pinto tentou começar a fazer uma gestão racional, mas deixou o trabalho por acabar. São quatro mil fogos vazios na cidade, é uma brutalidade. A câmara tem recursos fantásticos que não estão a ser utilizados por desorganização.
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Olhando para a sua lista, que tem representadas várias quotas da sociedade, parece ser mais uma lista de causas do que uma lista de emergência municipal...
Ao contrário, são as causas que estão a fazer falta. A emergência é precisamente porque há défice de causas, de participação, de visão do que é o papel de uma câmara municipal. A minha lista é uma lista de pessoas, de cidadãos de Lisboa, e com competência. O número dois é Manuel João Ramos, para a área da mobilidade...
Que não foi a favor do túnel do Marquês, tal como a senhora arquitecta.
Pois não. Convidei a vir a Portugal o arquitecto Jaime Lérner, que foi prefeito em Curitiba [Brasil] e numa entrevista perguntei-lhe o que pensava do túnel. E ele respondeu: “O túnel é a maneira mais rápida de passar de um engarrafamento a outro. Mas se quiserem mesmo fazer, façam só o largo da saída”. Ou seja, os túneis não são uma prioridade.
Continua a ter a mesma opinião, hoje?
Sim, porque aquilo paralisou a cidade durante não sei quanto tempo, custou imenso dinheiro... com esse dinheiro, quantas habitações não podíamos ter reabilitado, as pessoas que nós podíamos ter trazido para a cidade, quantos automóveis a menos isso não representaria. As equações estão mal feitas, estas contas têm de ser feitas. Entre 1991 e 98 tivemos uma alteração completa da utilização do transporte público para privado para pior.
Em que sentido?
Nos anos 90, antes de se fazerem as grandes entradas como o IC19 ou a A5 para Cascais, tínhamos em transporte público 60 por cento das pessoas e em privado 40 por cento. Dez anos depois inverteu, e agora vai ser ainda pior. Cada vez que fazemos obras para trazermos mais carros para a cidade, julgando que estamos a resolver um problema estamos a agravá-lo. É o paradoxo da acessibilidade: estamos a gastar cada vez mais dinheiro para perdermos cada vez mais tempo em engarrafamentos cada vez maiores. E para alterar isso, o grande sinal é menos carros a entrar na cidade. Foi o que se fez em Londres.
Portagens à entrada da cidade?
Admito que sim, mas tem de ser negociado com as câmaras da área metropolitana de Lisboa. É fundamental dar sinais de que é preciso inverter o rumo das coisas.
Mas isso não é uma medida elitista, na medida em que as pessoas com mais poder de compra continuarão a vir para Lisboa?
Isso é se for uma medida desgarrada. Tem de se completar a rede de transporte público e torná-la mais acessível. Sabe quanto custa um passe multimodal para uma família de quatro pessoas? Cerca de cem euros. Qual é a família que não prefere vir de automóvel? As tarifas não estão pensadas para famílias.
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A sua ideia é atrair pessoas para a cidade. Mas como é que pode alterar as regras do mercado, os preços actuais?
Claro que posso alterar, é para isso que existem poderes públicos. Eu ando há anos a dizer que o mercado imobiliário está desfasado, que se estão a produzir habitações para um estrato social que não é aquele que em Lisboa precisa delas. Temos cerca de 60 a 70 mil fogos vazios na cidade, alguns até estão alugados e os inquilinos não põem lá os pés. Há fogos que podem ser colocados no mercado de arrendamento, a câmara pode ter um papel importante aí, como em Londres, de agenciar a disponibilização desses fogos no mercado de arrendamento. Há um instrumento, o Porta 65, que vai permitir às câmaras criar agências ou bolsas de fogos vazios para arrendamento social. Esse é um caminho.
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Um dos problemas do futuro executivo municipal são os compromissos da Câmara com arquitectos estrangeiros, como Frank Gerry. O que se deve fazer?
Foi um erro convidar um arquitecto de grande renome sem sequer fazer um concurso internacional, e eu disse-o na altura. O segundo erro foi o programa intensivo que se quis colocar ali. E agora ainda temos o problema da troca de terrenos da Bragaparques. Temos de ter as sentenças do tribunal, não podemos ser voluntaristas. O erro está feito e vai ser difícil desembrulhá-lo. Uma coisa é certa: vamos ter de refazer aquele projecto, porque não é possível que se faça naquele local aquela quantidade de construção. Quando defendo a acupuntura urbana, quero dizer que Lisboa precisa de pequenos investimentos com muita eficácia e de uma revisão de prioridades, e não de grande projectos que envolvem verbas altíssimas. Isso levava-nos ao projecto Baixa-Chiado ou à circular das Colinas.
Está a colocar em causa esses projectos?
Estou a dizer é que é preciso rever as prioridades. Pergunto se os lisboetas acham que, neste momento, a primeira prioridade deve ser fazer uma circular que vai unir o Infante Santo até ao vale de Santo António, com mais dois túneis, um debaixo do Jardim da Estrela. Estão a imaginar aquela cena do Marquês debaixo da Estrela?
A decisão do Governo de construir um novo aeroporto de Lisboa vai afectar muito a cidade. A desactivação da Portela não é um trunfo para a autarquia, na medida em que vai poder dispor dos seus terrenos?
Já disse que não é aceitável que o Governo tire o aeroporto de Lisboa sem a cidade se ter pronunciado. E não é apenas por questões técnicas, é uma questão de competitividade das cidades. Uma cidade que perde competitividade nos fluxos internacionais de transportes aéreos baixa logo imediatamente no ranking. É inacreditável que o Governo não tenha ouvido a autarquia.
E em relação aos terrenos da Portela?
A função aeroportuária da Portela irá ter de se manter, e os terrenos atrás não podem ser uma espécie de atracção para mais uma especulação imlobiliária, isso está fora de causa. Mas não podemos tirar o aeroporto da Portela sem ouvir as forças vivas da cidade. Acho que o Governo se precipitou e é muito curioso que António Costa, dias depois de deixar de ser ministro, defenda que o Governo deve ouvir a cidade sobre o novo aeroporto.
Não teme que a assembleia municipal se torne uma força de bloqueio?
Pelo contrário, a assembleia também está envolvida neste processo de encontrar uma saída de emergência. Defendi que este órgão não devia cair artificialmente, porque não é responsável pela crise. A experiência que tenho é que as pessoas estão muito mais envolvidas com a autarquia do que com as regras partidárias.
Este apoio à candidatura de Helena Roseta é uma posição oficial ou apenas oficiosa do Cidadania Lx?
ResponderEliminarEsclareça-se que não tenho nada a opor, em qualquer caso, e não será por isso que deixarei de ler com interesse o vosso blog.
Mas a bem da frontalidade, recomendava-se uma clarificação.
Digo eu.
Penso que será mais útil a solução de parques de estacionamento à entrada da cidade, acessiveis através de uma passe comum quer para estacionar quer para transportes públicos, em que o valor do estacionamento é simbólico. Libertaria a cidade de milhares de veiculos, criava um aumento da receita para as trasnportadoras, e ao mesmo tempo não subcarregava os transportes utilizados nos arredores da cidade por quem vem para ela. Esta solução foi aplicada com sucesso em Genebra, nomeadamente ao nível da redução da entrada de veículos na cidade.
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