“Com respeito à criação de um hospital de crianças, um dever mais alto incita-me a uma mais bela homenagem à memória da Rainha – ideia que nunca abandonarei. Espero dizer-lhe mais alguma coisa na minha próxima carta, mas não quero alongar-me mais, sem lhe agradecer a simpática e amigável cooperação que me promete”. Datado de 13 de Abril de 1860, o excerto pertence à intensa troca epistolar que D. Pedro V manteve com seu tio e confidente, Príncipe Alberto, marido da Rainha Vitória de Inglaterra. Troca epistolar que no seu conjunto constitui um belíssimo tratado sobre a amizade e, simultaneamente, o testemunho de um tempo, no olhar desassombrado de dois homens que gostariam de ter visto em Portugal algo que, ontem como hoje, muita falta nos faz: sensibilidade e bom-senso.
O hospital de crianças de que D. Pedro fala a seu tio nesta e em cartas subsequentes, nomeadamente por via de um extenso e detalhado memorandum sobre as características e os materiais a usar no complexo, seria o mesmo que viria a erguer-se em terrenos do Paço Real da Bemposta em memória da sua malograda mulher: o Hospital D. Estefânia, cujo projecto, de perfil inglês, muito ficou a dever ao aconselhamento de Alberto ao seu jovem sobrinho, e que ao longo dos seus 130 anos de funcionamento tem desempenhado um papel inestimável na prestação de cuidados de saúde à infância. E que constitui também, até pela sua singularidade, uma peça fundamental do património construído da cidade de Lisboa.
É este mesmo hospital que, tal como outros - S. José, Desterro, Capuchos, Santa Marta, Miguel Bombarda, instalados em conventos extintos com áreas generosas em zonas centrais da cidade –, vê hoje ser-lhe dado guia de marcha para terrenos no vale de Chelas. O mesmo vale de Chelas que a prudência aconselharia a deixar livre de construção, inscrito como está entre as áreas de maior risco sísmico da capital: aí nascerá a planeada Cidade Hospitalar, recuperando a designação, de má fortuna no original, de Hospital de Todos-os-Santos. Os terrenos onde o D. Estefânia nasceu, esses, e tal como os outros, terão certamente o destino que mais previsível é no país em que vivemos: desaguar no insaciável mercado imobiliário, até que nada mais reste da memória da cidade.
D. Pedro, que tinha dos profissionais da política péssima impressão e pior opinião, não se espantaria com a forma como, hoje, outros profissionais da política do seu país decidem hipotecar o futuro, nomeadamente por via da sua estranha aversão à palavra manutenção, seja ela de casas, estradas e pontes ou de equipamentos públicos. Em 1858, Wenceslau Cifka fotografou-o de braço dado com D. Estefânia, numa imagem que ganharia trágico cunho premonitório porque um e outro morreriam pouco depois: ela em 1859, ele em 1861. A propósito dessa imagem, Maria Filomena Mónica escreveu que ambos “pareciam dois anjos expulsos do Paraíso”. O Paraíso, como sabemos, também não mora aqui e talvez isso explique por que razão o legado de ambos pouco ou nada importa aos políticos que temos hoje, nestes tempos em que tudo é descartável.
Créditos imagem: WorldRoots Genealogy Archive; D. Pedro V e D. Estefânia fotografados por Wenceslau Cifka em 1858.
O hospital de crianças de que D. Pedro fala a seu tio nesta e em cartas subsequentes, nomeadamente por via de um extenso e detalhado memorandum sobre as características e os materiais a usar no complexo, seria o mesmo que viria a erguer-se em terrenos do Paço Real da Bemposta em memória da sua malograda mulher: o Hospital D. Estefânia, cujo projecto, de perfil inglês, muito ficou a dever ao aconselhamento de Alberto ao seu jovem sobrinho, e que ao longo dos seus 130 anos de funcionamento tem desempenhado um papel inestimável na prestação de cuidados de saúde à infância. E que constitui também, até pela sua singularidade, uma peça fundamental do património construído da cidade de Lisboa.
É este mesmo hospital que, tal como outros - S. José, Desterro, Capuchos, Santa Marta, Miguel Bombarda, instalados em conventos extintos com áreas generosas em zonas centrais da cidade –, vê hoje ser-lhe dado guia de marcha para terrenos no vale de Chelas. O mesmo vale de Chelas que a prudência aconselharia a deixar livre de construção, inscrito como está entre as áreas de maior risco sísmico da capital: aí nascerá a planeada Cidade Hospitalar, recuperando a designação, de má fortuna no original, de Hospital de Todos-os-Santos. Os terrenos onde o D. Estefânia nasceu, esses, e tal como os outros, terão certamente o destino que mais previsível é no país em que vivemos: desaguar no insaciável mercado imobiliário, até que nada mais reste da memória da cidade.
D. Pedro, que tinha dos profissionais da política péssima impressão e pior opinião, não se espantaria com a forma como, hoje, outros profissionais da política do seu país decidem hipotecar o futuro, nomeadamente por via da sua estranha aversão à palavra manutenção, seja ela de casas, estradas e pontes ou de equipamentos públicos. Em 1858, Wenceslau Cifka fotografou-o de braço dado com D. Estefânia, numa imagem que ganharia trágico cunho premonitório porque um e outro morreriam pouco depois: ela em 1859, ele em 1861. A propósito dessa imagem, Maria Filomena Mónica escreveu que ambos “pareciam dois anjos expulsos do Paraíso”. O Paraíso, como sabemos, também não mora aqui e talvez isso explique por que razão o legado de ambos pouco ou nada importa aos políticos que temos hoje, nestes tempos em que tudo é descartável.
Créditos imagem: WorldRoots Genealogy Archive; D. Pedro V e D. Estefânia fotografados por Wenceslau Cifka em 1858.
Agradeço como leitor, este texto claro, literariamente rico também em informação e ilações. Julgo não se importarem de transcrere-lo na integra, com toda a informação de origem, para um forum que participo
ResponderEliminar"www.campanhapelohde.blogspot.com"
e que luta pela preservação deste espaço como Hospital dedicado a Pediatria, pioneiro em Portugal.
Pedro Paulo Mendes