05/07/2007

"Neste momento ninguém saberá dizer quem governa Lisboa"

In Público (5/7/2007)
Ana Henriques

«É preciso inventar uma nova forma de administrar a cidade, o que passa por alterar as relações entre aqueles que a governam e os cidadãos

A presidente da comissão administrativa que governa a Câmara de Lisboa até às eleições, Marina Ferreira, pôs ontem em causa as comparações do estudo de João Seixas entre Lisboa e outras capitais europeias no

que respeita ao ratio entre o número de funcionários das respectivas câmaras e os habitantes e pessoas ali empregadas. Lisboa aparece com maior número de funcionários por habitante/empregado. Marina Ferreira diz que investigador comparou realidades que não são comparáveis. João Seixas discorda: "São é de facto realidades diferentes, porque umas câmaras já se modernizaram mais do que outras".
Investigador defende ser fundamental o aumento da participação cívica em Lisboa e a reforma da autarquia
a Autor de uma tese de doutoramento sobre a governação de Lisboa apresentada na Universidade Autónoma de Barcelona há dois meses, João Seixas é formado em Geografia Urbana e Sociologia do Território. Conhece a Câmara de Lisboa por dentro, porque exerceu nela funções de consultoria durante dois anos.
Como viu a derrocada do último executivo camarário?
Pode ter tido dois tipos de razões, a primeira relativa aos condicionalismos e às situações muito próprias daquele executivo - projectos concretos, idiossincrasias concretas. Noutra vertente é resultante dos desajustamentos existentes no actual sistema político-institucional da cidade de Lisboa, das dinâmicas da cidade, das suas necessidades. As estruturas sócio-políticas e institucionais encontram-se preparadas para atender às questões físicas, e não a questões dinâmicas como a revitalização urbana (que não é o mesmo que reabilitação) ou a sustentabilidade ecológica. A Câmara de Lisboa deve ter mais responsabilidade na promoção de bem-estar social, coisa para a qual não está minimamente programada. Estou a falar em criação de habitação a custos controlados e apoio ao comércio de proximidade, por exemplo.
A sua tese procura mostrar a forma de ultrapassar isso...
Propõe um modelo de governação da cidade abrangente. Aquele que está em vigor precisa de reformas, porque há partes que estão podres. E diagnostica, de forma estrutural, este grande desfasamento entre os novos pulsares da cidade e as suas estruturas de governação. Não existem governos das regiões metropolitanas - uma lacuna importantíssima, porque a nova cidade é a metrópole, e não o concelho. Por outro lado, é preciso aproximar o governo da cidade de cada cidadão. Lisboa não tem um governo local. É preciso criá-lo - as freguesias são demasiado pequenas. Daí a necessidade dos distritos urbanos. Não é simplesmente redesenhar o mapa das freguesias, mas fazer uma descentralização, criando mini-câmaras, com funcionários e orçamento próprio.
Territórios urbanos como Lisboa não deviam ter as mesmas estruturas jurídico-normativas e de financiamento público que quaisquer outros municípios.
Ainda há esperança para a governação de Lisboa?
Claro que sim. Em primeiro lugar pela esperança que a cidade nos traz todos os dias, como local de dinâmicas, de anseios, de expectativas. É o fascínio pela cidade, a atracção que ela exerce. Lisboa é uma cidade magnífica apesar de tantos anos de desgoverno. Ela vem-nos da alma, das entranhas, tem um fortíssimo capital simbólico.
Deve ser dado mais poder ao povo para ultrapassar a crise
de governação?
Eu diria maior participação cívica e maior responsabilização dos cidadãos - e dos eleitos. Não é uma partilha de poder tout court. Falo da instituição de locais de discussão das questões da cidade às diferentes escalas - metropolitana, municipal e ao nível dos distritos urbanos. Não se pode diluir as responsabilidades dos eleitos, que devem ser ainda mais fortes do que são hoje. Há instrumentos que são essenciais, como uma carta que estabeleça os direitos dos cidadãos de Lisboa - ao espaço público, à sua participação. Em Barcelona existe uma.
A sociedade civil portuguesa tem índices de participação cívica muito baixos...
É uma pescadinha de rabo na boca. Não creio que a participação cívica dos portugueses nas cidades seja assim tão incipiente: há uma conciencialização lenta mas paulatinamente crescente.
Vejam-se os blogues e algumas iniciativas cívicas dos últimos tempos.
O número de associações tem aumentado. Uma das obrigações da administração da cidade é criar fóruns de participação, conselhos consultivos e promover o conhecimento sobre a cidade.
Afinal quem é que governa Lisboa, os eleitos ou os interesses imobiliários?
Neste momento ninguém saberá dizer quem governa Lisboa. Muito provavelmente ninguém a governa ou tem governado. A governação está fragmentada. Aqueles que têm mais poder são aqueles que mais conseguem fazer valer os seus interesses.
Em detrimento do cidadão?
Em detrimento de projectos mais colectivos. O cidadão é na maioria das vezes ou quase sempre o elemento mais figurativo. É natural que os interesses imobiliários tenham um peso importante, afinal são os construtores da cidade. O problema está num sistema de eleitos que não tem construído estruturas de administração mais democráticas. Os interesses imobiliários aproveitam os vazios de poder existentes. Mas eles próprios se queixam da ineficiência do sistema. Temos todos a ganhar com a sua reforma - incluindo eles.
É exequível governar uma câmara com 12 mil funcionários?
É, instituindo a meritocracia e instituindo maior responsabilidade nas chefias. Uma das formas mais importantes para a motivação dos funcionários é precisamente a reforma das freguesias, já que eles podem ser transferidos para os novos distritos urbanos, ganhando proximidade dos cidadãos.
E aí a existência desses funcionários faz sentido?
Sim, claro.
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