01/12/2007

Hora ilegal


O relógio do Cais do Sodré voltou a dar horas.

Podia ser uma boa notícia, depois de toda a descaracterização a que foi sujeita a Praça Duque da Terceira com a construção dos edifícios que vão albergar as agências europeias com sede em Portugal. Mas na realidade, é uma notícia amarga pois a instalação do novo relógio segue a mesma linha de descaracterização referida.

Ali, no lugar do "novo" relógio havia um "antigo". Não era um relógio qualquer. Era o relógio da "hora legal" instalado em 1914 (segundo a informação que recolhi) que fornecia a hora oficial de Portugal, definida por decreto que entrou em vigor em 1912. Então (como actualmente), foi cometida ao Observatório Astronómico da Ajuda da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa a responsabilidade de fornecer a informação oficial sobre a ora exacta em Portugal. O relógio do Cais do Sodré recebia também a informação da hora directamente do OAL. Actualmente, o OAL garante a hora através de sofisticados é extremamente precisos relógios atómicos.

O relógio da hora legal do Cais do Sodré não se situa ali por acaso. O relógio, naquele local, servia para informar os barcos que deixavam o estuário do Tejo da hora precisa que era utilizada para que os cronómetros marítimos, instrumentos preciosos para a navegação, fossem acertados.

A Administração do Porto de Lisboa "dona" do relógio da hora legal (mas não "dona" da cidade nem da história e da função do relógio) resolveu colocar o original em exposição na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, em Alcântara. E no seu lugar colocou um novo relógio que no entendimento da APL é de "tecnologia digital e design bem mais moderno"... E com mais um "pormenor": o relógio do Cais do Sodré deixou de ser da "hora legal" e passou a ser como os outros relógios...

O relógio da hora legal, no Cais do Sodré não estava ali por acaso. Tem uma história e tinha uma função. A APL resolveu troca-lo por um relógio qualquer.

A curiosa coincidência com o eventual início de um novo relacionamento entre a cidade e a "sua" zona ribeirinha constitui uma excelente oportunidade para que se reponha a "hora legal" no Cais do Sodré. E não venham com dificuldades financeiras por que não é nada do outro mundo!

Fica aqui o apelo, o desafio à Câmara Municipal de Lisboa, ao Governo, ao Dr. José Miguel Júdice e até à APL para que se respeite a história, a identidade da cidade e do Cais do Sodré. E não se trata de demolir os edifícios que serão sede das agências europeias. É tão só repor a hora legal no relógio do Cais do Sodré.


P.S.: Parabéns e sucesso ao novo blog "Observatório dos Relógios Históricos de Lisboa". Bem a propósito...


António Prôa

2 comentários:

  1. Vamos falar de estética e de urbanismo.

    O cais do Sodré está um horror.

    Bem nos atiraram com areia para os olhos dizendo que os edificios estavam na mesma linha e volumetriam que os pombalinos antecessores e que não representavam mais sobrecarp para a zona.

    Bem. verificamos, mais uma vez, como em tudo o que o porto de Lisboa faz ou planeia fazer, que é uma mentira descarada.

    Os edifícios, face á envolvente, são monstros obesos.

    E em termos estéticos não apresentam alguma mais valia (mas pronto, isso é subjectivo.

    Além disso acabam com os poucos espaços livres no centro de Lisboa e ainda implicam uma maior sobrecarga de trânsito no Centro de Lisboa....

    Diria eu, pela centésia vez....

    Não havia eu sitio em Lisboa que não a frente ribeirinha para meter aquilo? (já perguntei isto, acerca de tanta coisa, que me escuso a repetir, mas quase sempre a propósito do porto de lisboa)

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  2. Meu caro António Prôa, parabéns pelo texto. Quem o conhece sabe como é sentido e como se preocupa com estas "pequenas" coisas da nossa cidade. Força!

    António Araújo

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