Já se tornou um hábito — batemos o recorde de suspiros todos os dias, esmurramos o volante do pobre coitado Fiat Idea que não tem culpa alguma, e abanamos a cabeça, provavelmente em negação ou como quem já não tem voz e se resignou que nada pode fazer.
E tudo isto acontece em pouco mais de dez quilómetros diários, sagrados, desde dez metros abaixo da Duque de Loulé, onde comprámos uma casa centenária que carinhosamente chamamos de "Martinha", e a Gago Coutinho das vivendas milionárias, onde a nossa filha aprende as letras, os números e as lengalengas de antigamente, ligeiramente retocadas, porque atirei o pão ao gato, mas o gato não comeu é muito menos cruel do que a versão original que outrora nos ensinaram.
A cidade dói-nos.
Olhamos para ela, todos os dias, como se fosse a última vez, fotografamo-la de todos os ângulos possíveis, por vezes, aproveitamos as janelas e as portas escancaradas de propósito, e entramos sem convite; de mansinho, deixando tudo como o encontrámos, abandonado, em silêncio absoluto, visitamos uma cidade em coma sem esperança de melhoras, e guardamos na memória — o único sítio onde a podemos guardar, sabemo-lo bem —, a glória e a riqueza de tempos que não voltam mais.
A cidade por nossa causa, e só por nossa causa, não está em paz.
E vamos nisto, todos os dias, só me vem à cabeça o conselho da minha mãe — "Não vibres, Diana, não vibres, só te faz mal..." —, e a cidade, a cada dia, nos dói mais. Valem-nos as Ginkgo Bilobas douradas, antes de ficarem nuas, espalhadas um pouco por toda a cidade, e os Jacarandás que andam baralhados com o aquecimento global, e que sete meses depois da sua floração, em pleno Dezembro, ainda estão pintados de lilás, no Largo do Rato, na Praça da Alegria, no Rossio, e aqui e acolá ao longo de toda a Avenida 5 de Outubro.
Por estes dias, a cidade "entelou-se". Edíficios devolutos, os "meus devolutos", como lhes chamo em tom maternal, taparam-se com retratos de notáveis portugueses (vejo atletas, homens da bola, infelizmente ainda não vi nenhum notável, em formato gigante na minha cidade, que se tenha distinguido na ciência).
Na Câmara, certamente, não entrou qualquer pedido de licenciamento — condição que deveria ser "sine qua non" para a colocação de uma tela na fachada de um edifício —, mas o Estado paga largos milhares para esconder a vergonha apodrecida da cidade, e fazer um pouco de propaganda nada barata — leio na alta blogosfera que só o fotógrafo arrecadou 300 mil euros pelos retratos. A Câmara de Lisboa arrecada taxas de ocupação do espaço público. O lisboeta, esse, não ganha nada — apenas ruído e esquizofrenia em grande formato.
Mas o descaramento propagandístico e o caos no espaço público de Lisboa vai mais longe, consegue ir mais longe que isso — é como eu digo, todos os dias esta cidade me surpreende e damos connosco a perguntar, entre suspiros e acenos de cabeça, por que raio é que não vamos pagar 0,5% de IMI para outra freguesia, onde pelo menos me varram as folhas do Outono tardio.
Dois imóveis classificados pelo Igespar — Palácio Foz e Teatro Nacional D. Maria II — estão totalmente tapados pela campanha que promove a imagem de Portugal no estrangeiro. Portugal, Europe's West Coast? Lamento: Portugal, Europe's Best Joke.
Apoiado, a 100%.
ResponderEliminarComo tens tanta razão Diana!
ResponderEliminarDesolador!
Pois é tem toda a razão. Segundo julgo saber o anterior Vereador António Prôa teria aprovado um regulamento que impedia a colocação destes "mega" suportes de publicidade nas fachadas dos edifícios devolutos ou não. A razão é que estariam a ser explorados comercialmente pelos proprietários dos imóveis. Para além de transformar as avenidas de Lisboa num grande teatro publicitário. Na Avº Fontes Pereira de Melo, ali em frente ao Sheraton, existiam umas telas brancas. Bastou o homem sair do executivo da câmara logo na semana seguinte..lá se fez negócio e as telas brancas passaram a ter um veículo moderno para o português comprar.
ResponderEliminarÉ assim que lisboa vai perdendo a sua alma.
é um atentado cobrir monumentos nacionais com campanhas promocionais, seja a que for, salvo raríssmas excepções e por períodos curtíssimos...
ResponderEliminare há regulamentos municipais para estas coisas...mas quem fiscaliza é quem incumpre ou permite incumprir...