20/01/2008

Câmara de Lisboa pagou 78 mil euros por festa de Natal

In Público (20/1/2008)
Ana Henriques

«Oposição desconhecia o gasto e mostra-se surpreendida. Adjudicação do evento feita sem concurso, com base em excepção legal

A Câmara de Lisboa pagou 78.650 euros por um evento de Natal que, além de ter tido escasso impacto na cidade, não foi alvo de qualquer tipo de concurso. Vários vereadores da oposição que ignoravam os custos da iniciativa que recebeu o nome de Postal de Natal Humano criticam agora a autarquia por ter assumido semelhante despesa. As dificuldades financeiras que a câmara enfrenta levaram o seu presidente a cancelar o habitual jantar de Natal com os funcionários e a abdicar das iluminações da Av. da Liberdade e do Rossio, pagas à última hora pelo banco Totta Santander.
A ideia de levar a cabo um evento com cânticos gospel, leitura de contos de Natal, figurantes e jogos de luzes na Praça do Município partiu não da autarquia, mas de uma empresa de produção de eventos culturais e recreativos criada há pouco mais de seis meses, a Sopm Outbranding. "Importámos a ideia de Curitiba, no Brasil, onde eu vivi muitos anos", explica Mónica Carrelhas, que além de trabalhar na Outbranding se dedica às consultas de astrologia, ao reiki, à numerologia e à limpeza da aura.
Esta empresa e a agência de publicidade Mstf Partners propuseram ao município - "que adorou a ideia", nas palavras de Mónica Carrelhas - promover a iniciativa na Praça do Município, defronte do edifício dos Paços do Concelho. Nesta altura o que estava em causa era uma grande produção estimada em 255 mil euros, com audiovisuais, luzes laser e fogo-de-artifício. Perante a falta de verbas para tão espectacular produção a Outbranding acabou por reduzir ao máximo os custos, ao mesmo tempo que angariou o patrocínio do Sapo Adsl, da Portugal Telecom.
Nem a agência de publicidade nem a produtora sabem dizer quanto custou afinal o evento. Mónica Carrelhas diz que terá ficado muito aquém dos 255 mil euros, mas que o apoio do Sapo Adsl terá sido pelo menos da dimensão do gasto da câmara. Foram quatro os espectáculos realizados, nos dias 13, 14, 15 e 16 de Dezembro, com cerca de uma hora cada um. Artistas como Luís Represas ou os Gatos Fedorentos actuaram gratuitamente. "Oitenta das pessoas envolvidas não cobraram nada", garante Mónica Carrelhas. Mesmo assim, cada minuto de espectáculo saiu à autarquia a perto de 328 euros, IVA incluído. "As muitas pessoas que se deslocaram à Praça do Município viveram momentos absolutamente fascinantes", garante Mónica Carrelhas.
A vereadora independente Helena Roseta, do movimento Cidadãos por Lisboa, ficou imune ao fascínio e critica não só o dinheiro gasto como o próprio conteúdo do evento, que no seu entender se transformou numa campanha publicitária. "Fiquei chocada quando vi umas criaturas vestidas de sapos aos saltos na Praça do Município e na varanda dos Paços do Concelho", afirma a autarca. "À varanda foram só uma vez. Como o Sapo Adsl tinha feito este investimento, tínhamos de lhe dar alguma notoriedade", explica a produtora.
No ofício em que apresentou a ideia à vereadora da Cultura, no final de Novembro, a assessora camarária que subscreveu a proposta fala num "espectáculo inovador", cuja apresentação constitui "uma estreia na Europa". Como a Msts Partners é "a única entidade que está habilitada a produzir e apresentar este espectáculo, por ser detentora dos meios artísticos, técnicos e humanos necessários", aplica-se a este caso a disposição legal que permite a contratação de serviços por ajuste directo a determinados fornecedores "por motivos de aptidão técnica ou artística", argumentou a assessora.
A lei estabelece ainda que, no caso das adjudicações por ajuste directo, "os serviços devem negociar as propostas apresentadas pelos concorrentes, quando as circunstâncias e o valor da aquisição o justifiquem". Para ultrapassar este entrave, a assessora recorreu a uma justificação já usada noutros casos pela autarquia: "A proposta não deve ser previamente negociada, uma vez que não se prevê a obtenção de condições mais vantajosas de preço ou outras." Dada a proximidade da data do evento - que se iria realizar dali a duas semanas -, uma eventual tentativa de negociação poderia "obstar a que o fornecimento" do serviço fosse feito "em devido tempo". Dias depois os serviços municipais da Cultura recorreram a outra excepção legal para justificar a dispensa de um contrato escrito entre a câmara e as duas empresas às quais foi adjudicado o evento.
Apesar de tudo, o director municipal de Cultura, Rui Pereira, não tem dúvidas: "Este foi um excelente negócio para a câmara, que só pagou parte do custo desta festa para os munícipes."
Helena Roseta ficou "chocada" com "criaturas vestidas de sapos aos saltos na varanda dos Paços do Concelho" »

1 comentário:

  1. "criaturas vestidas de sapos aos saltos na varanda dos Paços do Concelho"

    huumm.....e qual é a próxima? "sapos" no Palácio de Belém, Assembleia da República ?

    JA

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