In Público (5/1/2008)
Inês Boaventura
«Sindicância concluiu que os casos denunciados são "relativamente visíveis, sendo pouco plausível que os serviços os desconheçam"
Sete dos oito processos disciplinares cuja instauração é proposta no relatório da sindicância à Câmara de Lisboa são justificados pela "intervenção directa" dos funcionários municipais, dos quais dois são chefes de divisão, em processos nos quais "têm interesse", designadamente porque "têm relação com os gabinetes que produzem os projectos ou com as empresas promotoras".
Numa pesquisa feita a partir do ano 2000, a magistrada responsável pela sindicância aos serviços de urbanismo da Câmara de Lisboa identificou 34 funcionários do quadro e três avençados "com participação em sociedades comerciais", a maioria das quais "operam na área do imobiliário, ou arquitectura, ou engenharia, ou desenho". Este facto e a análise de processos tramitados na direcção municipal de gestão urbanística levaram Elisabete Matos a concluir que "o problema da permeabilidade entre a função pública e a actividade privada é um dos problemas mais complexos do município".
A magistrada apresenta uma série de exemplos concretos desse "polimorfismo", que a levam a propor a instauração de processos disciplinares a sete funcionários da Câmara de Lisboa, e acrescenta que "se trata de casos relativamente visíveis, sendo pouco plausível que os serviços os desconheçam". Elisabete Matos afirma ainda que "o município parece não ter condições para persistir no alheamento do problema, nem pode consentir no risco de a função pública ser máscara ou alavanca de actividades privadas".
Despachos rápidos
Um dos visados pelo relatório da sindicância, que se destaca pelo número de casos em que surge envolvido, é Jorge Contreiras, um arquitecto assessor da direcção municipal de gestão urbanística que é simultaneamente sócio do gabinete de arquitectura New Space. Segundo Elisabete Matos, este funcionário teve "intervenção directa" em vários "processos com a chancela do seu gabinete de arquitectura", através de acções que "envolvem o célere andamento dos mesmos e informam e despacham em termos favoráveis e relevantes em matéria de apreciação do conteúdo dos projectos".
Também visados pela intervenção em processos nos quais têm interesses são o engenheiro civil Orlando José Rezende e o fiscal Manuel Costa Lopes, que integram uma empresa que se dedica à construção civil e à compra e venda de imóveis, e o arquitecto José Carvalheira, referindo o relatório que, além do mais, "não tem autorização para acumular funções" públicas com actividade privada.
A sindicância detectou ainda "um problema de conflito de interesses entre o cargo público e a actividade privada" com o engenheiro civil assessor principal António Freitas, que é sócio da firma proprietária do Cinema Paris. A última situação relacionada com "o problema da permeabilidade" refere-se a César Ruivo, chefe de divisão de estudos e valorização do património do Departamento de Património Imobiliário.
Recomendada auditoria
No relatório é proposta a instauração de processos disciplinares a oito pessoas, entre as quais se incluem dois chefes de divisão, um fiscal de obras coordenador, vários engenheiros civis e arquitectos e um arquitecto com "vários despachos de nomeação de substituto do dirigente" e que foi "exonerado a seu pedido na pendência da sindicância".
Elisabete Matos recomenda ainda que a autarquia, através de uma auditoria interna, "reveja todos os procedimentos de alienação de solo municipal em curso e os que tenham sido decididos no período de um ano, com particular incidência sobre os chamados complementos de lote e as permutas".
A magistrada sublinha "a imperiosa necessidade de elaborar regulamentos que propiciem a adequada composição urbanística da cidade e a obtenção de justa receita para o município". Isto porque, revela, as compensações devidas à CML no âmbito de processos de loteamento são muitas vezes financeiramente desvantajosas e determinadas com base em regras produzidas "de um modo casuístico".
É ainda apontada a possibilidade de o regulamento da Taxa Municipal pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas poder ser anulado porque a versão publicada em Diário da República é diferente da que consta do Boletim Municipal e questiona o não-pagamento de taxas por promotores de construções "em razão da proveniência municipal do solo", como aconteceu com o Hospital da Luz e o dos Lusíadas.
Elisabete Matos, que durante o período de audição dos munícipes recebeu 50 relatos presenciais e cerca de 120 por outros meios, conta que em vários casos a Direcção Municipal de Gestão Urbanística foi incapaz de "localizar e apresentar documentos ou processos que se sabe existirem ou terem existido", o que é "reflexo de deficiente organização e manipulação dos processos".»
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