In Público (14/2/2008)
José António Cerejo
«Criado em 1975 por uma associação de moradores, o infantário do Bairro Grandela foi fechado em 2003 por falta de condições. As obras foram feitas, mas a burocracia mantém-no encerrado
"Se funcionámos sem problemas quase 30 anos porque é que não havemos de o fazer agora, que temos muito melhores condições? Isto é um crime." Desalentado e sem alcançar justificações plausíveis para manter fechada a porta do jardim-de-infância que ajudou a fundar, Albino Silva já não sabe muito bem o que fazer.
Criado em Março de 1975, o Jardim-Infantil do Povo é um dos últimos testemunhos vivos da paixão e do voluntarismo que então se apoderou de milhares de activistas das associações de moradores nascidas com a revolução de Abril. No tecto do rés-de-chão da casa do Bairro Grandela, então ocupada por Albino Silva e pelos vizinhos, ainda se vêem as vigas metálicas com que salvaram o edifício da ruína. "São carris que nós arrancámos porque já não havia aqui eléctricos na Estrada de Benfica. Os militares da Engenharia ajudaram-nos e foi assim que reconstruímos isto", recorda o homem que hoje, com 72 anos, se mantém como a alma da já quase desactivada associação.
Transformado o edifício - que até 1960 tinha albergado a escola do bairro fundado no início do século pelo industrial e benemérito Francisco Grandela para os seus operários -, o Jardim-Infantil do Povo abriu as portas e acolheu durante quase três décadas centenas de crianças, muitas delas de famílias carenciadas.
Sem meios nem apoios para adaptar as instalações às novas exigências legais para os estabelecimentos de infância, a associação acabou por se ver forçada, por decisão da delegação de Saúde, a fechar o infantário em 2003. "De um momento para o outro, tivemos de mandar embora 25 crianças e deixar sem emprego nem indemnizações os cinco funcionários", lamenta Albino Silva - embora reconhecendo que o edifício já não possuía as necessárias condições para funcionar.
Graças à teimosia dos dirigentes da associação, entretanto transformada em instituição particular de solidariedade social, a batalha pela reabertura iniciou-se logo a seguir. Primeiro foi feito e aprovado pela Câmara de Lisboa o projecto de arquitectura para a recuperação da casa. Mas faltavam ainda os projectos de especialidades - águas, electricidade e segurança, entre outros -, a licença de obras e, sobretudo, faltava o dinheiro para as fazer.
Já em 2005, na sequência de uma proposta apresentada pelo então presidente da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, Lipari Pinto (PSD), a assembleia de freguesia aprovou a atribuição à associação de um subsídio de 50 mil euros. O objectivo da proposta era o apoio à execução das obras e o seu fundamento era a "aprovação do projecto de alterações pela câmara".
Só que a licença anteriormente aprovada já caducara e os trabalhos acabaram por ser feitos sem a obrigatória licença de construção, mas com o dinheiro da junta. E como este tivesse sido insuficiente - até porque pelo meio houve um desvio de parte do subsídio que é atribuído a um ex-fiscal da junta, mas cujos contornos estão ainda por esclarecer - a Câmara de Lisboa decidiu conceder 25 mil euros à associação em 2006. Inicialmente processado como um apoio directo do município, o dinheiro foi depois atribuído à junta pelo vereador Lipari Pinto (ex-presidente da mesma), sendo então entregue à instituição pela autarquia agora presidida por Rodrigo Gonçalves (também do PSD).
Com este apoio e com muito trabalho feito por ele próprio, Albino Silva lá conseguiu acabar as obras. "O problema é que agora não conseguimos abrir o infantário, porque não temos licença de utilização", desabafa. Baralhado com os meandros burocráticos do licenciamento de obras, o Silva, como é conhecido no bairro, diz que o projecto de arquitectura já voltou a ser aprovado, mas que "agora faltam os projectos de especialidades, as vistorias e a emissão das licenças" já com as obras acabadas há muito. "A abertura está dependente da burocracia", informa uma nota afixada à entrada do infantário. Quanto tempo vai ser preciso é que o Silva não sabe. "Vamos lá a ver se o dr. António Costa consegue resolver isto", conclui.
a Transmontano e cunhado do antigo Presidente da República Popular de Angola, Agostinho Neto, cuja viúva é sua irmã, Albino Silva trata do Jardim-Infantil do Povo como se fosse o jardim da sua residência. Apesar de estar fechado há quatro anos, os vasos que enfeitam a entrada foram pintados por ele e as flores são regadas três vezes por semana com a água que vai buscar a uma fonte. "Levavam-nos quase 40 euros de água por mês sem consumo nenhum e eu mandei cortá-la", conta o "carola" da associação. Nas escadas do interior remodelado, onde até o refeitório tem as mesas postas para as crianças que têm a porta fechada, o Pateta, o Rato Mickey e outras figuras do imaginário infantil que amimam o espaço foram pintados por ele. Logo à entrada, uma sala tem uma placa pendurada com a inscrição "Sala dr. Lipari Pinto". Albino Silva não explica porquê, mas afirma, enigmático: "Isso se calhar vai sair daí".
Por agora, tudo o que ele anseia é ver de novo o jardim-infantil a funcionar. Embora não se considere farto ao fim de 33 anos aos comandos da associação, não esconde algum cansaço. "Hoje [ontem] telefonaram-me da junta de freguesia a dizer que amanhã [hoje] vêm cá pessoas da paróquia para ver as instalações e para ver se isto lhes interessa." A ideia, acrescenta, "é fazerem um protocolo com a associação e ficar a paróquia a tomar conta disto". Ainda não sabe como é que o problema das licenças se vai resolver, mas sabe que já tem 72 anos. "Era um alívio se a paróquia se encarregasse do infantário".»
por falta de matéria dos bloggers, este blog cada vez mais se torna um mirror do Público.
ResponderEliminarConclusão: a placa "Lipari Pinto" custou 75.000 euros...
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