In Público (28/2/2008)
Opinião
«António Sérgio Rosa de Carvalho
Ressano Garcia concebeu o traçado das principais linhas urbanísticas do século XIX em Lisboa. Ressano Garcia delineou, mas não concebeu em unidade de estilo ou através duma visão cultural unificada o conceito arquitectónico que iria preencher este traçado, criando os boulevards do século XIX lisboeta.
Enquanto numa grande parte da Europa o século XIX romântico, revivalista e historicista concebia um estilo arquitectónico em síntese, que resultava de uma ideia exultada de um certo "período de ouro" do seu passado, o preenchimento do plano urbanístico de Ressano Garcia, das nossas avenidas, era deixado a uma visão especulativa da geração de Rosa Araújo.
Como consequência desta ausência de visão cultural unificada, enquanto Haussmann em Paris formulava esse estilo, indissociável e caracterizador desta nova monumentalidade de Paris, ou Viena desenvolvia a imagem unificada e monumental do Ring, Lisboa vegetava mediocramente entre prédios de rendimento de qualidade diversa e híbrida e palacinhos e palacetes de uma nova alta burguesia abastada ou de novos "condes-barões" nascidos da nossa pseudo-revolução fabril e industrial.
A Lisboa nascida deste processo apresentava um contraste entre uma incontestável qualidade de concepção de traçado urbanístico e uma ecléctica, variável e dispersa qualidade de concepção e execução arquitectónica.
A qualidade existente nalguns conjuntos ou objectos dispersos nesta malha foi determinada pela geração de arquitectos vindos de Paris e formados pela École des Beaux Arts. Aqui falamos de nomes como Ventura Terra, Norte Júnior, José Luís Monteiro.
No entanto, é o que temos, ou, melhor dizendo, em função do processo de demolição e substituição que se tem desenrolado, é o que tínhamos.
O que tem conseguido resistir a este processo de destruição nesta malha urbanística, que pelas características não unificadas em carácter, escala e estilo já referidas era facilmente "penetrável", foram conjuntos que constituem verdadeiros blocos ou "ilhas" de resistência.
Por exemplo o bloco da Versalhes na Av. da República, que se estende desde a esquina do Colégio Moderno, incluindo o prédio da Versalhes, até à próxima esquina com notável edifício com características arte nova, é sintomático para esta "resistência" numa avenida irreconhecível em todos os aspectos, quando consultamos uma gravura da época original.
Ora, precisamente um outro exemplo deste fenómeno de resistência constituiu até agora o conjunto abrangendo na Alexandre Herculano o notável edifício da garagem, o prédio de Ventura Terra, a sinagoga, e o conjunto da entrada da Rua do Salitre, juntamente com a forma de como o complexo do Palácio Palmela, incluindo a fonte, se insere e determina a escala urbana em função da escala e volumetria da "parede" de edificações do Largo do Rato.
Todo este conjunto urbano constitui uma unidade cultural e patrimonial que se poderá absolutamente classificar nesta categoria de "ilha de resistência".
Em relação ao projecto dos arquitectos Aires Mateus e F. Valsassina, com os seus sete pisos, 10.000 m2 e uma linguagem arquitectónica, independentemente da questão da sua qualidade, compacta e impenetrável, a pergunta a pôr é: é este o local para inserir um edifício com estas características e volumetria?
A pergunta a pôr à CML é: perante este caso e o já aprovado e incompreensível "plano de alinhamento de cérceas", o que pretende fazer a CML com o que resta do património arquitectónico do século XIX (e início do séc. XX) incluindo os respectivos interiores, em Lisboa?
Historiador de Arquitectura
A última questão deste artigo é relevante, mas infelizmente a resposta à mesma é clarinha. Não se trata tanto do que a CML "pretende fazer", senão continuar a "deixar fazer". Basta olhar para a Av. da República para constatar, que o interesse por este período da nossa história...nunca existiu.
ResponderEliminarE se vier a existir, poderá ainda salvar meia dúzia de "ilhas de resistência". Enfim....o resto já há muito que foi triturado por uma introdução avulsa, descaracterizadora...e vezes de mais, oriunda de mau gosto profundo. Os planos para o Largo do Rato, são para confirmar...que nada mudou.
JA
São dezenas os exemplos de destruição de arquitectura do sec XIX nas Avenidas NOvas.
ResponderEliminarE estão a contecer neste momento, estando pendentes centenas de pedidos de demolição.
Ainda me surpreendo que a CARRIS faça tours turísticos naqueles autocarros de dois andares pelas Avenidas Novas....Já a agora podem estender a Odivelas e à LInha de Sintra.
Como é possível que os empresários não entendam (tal como a Europa já percebeu há muito tempo) que a a mais valia é preCisamente manutenção da arqitectura (de valor claro), com a adaptação ás comodidades e requisitos da modernidade?
Como é possível que a cidade de Lisboa se continue a estnder, em massa, para az sonas limitrofes?
Se estivermos a falar em empreendimentos de baixa densidade em zonas rurais que beneficiam de rápidas ligações rodo-ferroviárias à cidade, é uma cooisa.
Agora, vender empreendimentos de massa, a 50km da cidade é de loucos. Não há transportes públicos ou privados ou território que sustentem esta voragem.
E depois, como se isso não bastasse, destroi-se as unicas coisas que diferenciam lisboa de outras cidades. Pior, transforma-se Lisboa no pior dos seus subúrbios, alguns tão bons como qualquer cidade de terceiro mundo.
E continuam a passar executivos municipais e nada muda. E continuam a ceder à especulação. E nada muda.
De facto, Lisboa precisa de quem entenda um pouco de história de arquitectura e de urbanismo, para defender com sustentabilidade, as ideias que poderão inverter esta tendência, completamente irresponsável e abjecta de tudo destruir, em nome de um falso progresso.
ResponderEliminarAquilo que aconteceu nas Av. Novas, aconteceu na Av da Liberdade, está para acontecer agora no Largo do Rato; a descaracterização total da cidade.
E a resposta de alguns dos nossos mestres, para justificar esta atitude, tal memória descritiva pré-fabricada, é sempre a mesma ; não existe um valor arquitectónico significativo nos edificios dessas zonas (apetitosas sob o ponto de vista especulativo, claro).
A própria Baixa Pombalina está sob sérios riscos dado que, apesar da manutenção das fachadas, a demolição dos interiores dos edifícios com a consequente aleração dos elementos estruturais e a construção de caves, veio alterar, por completo, a sua estabilidade.
É pena que quem deveria estar na primeira linha de defesa do património edificado,pelas responsabilidades tecnico-sociais que desempenha na sociedade, se enrede em seguidismos economicistas, deixando-se arrastar por uma lógica canina de marcação de território, com o produto dos seus devaneios mentais.
Bem hajam os anteriores comentadores!
"Como é possível que os empresários não entendam (tal como a Europa já percebeu há muito tempo) que a a mais valia é preCisamente manutenção da arqitectura (de valor claro), com a adaptação ás comodidades e requisitos da modernidade?"
ResponderEliminarO ideal é que alguém que entenda essa mais valia, adquira os imóveis e se aproprie desse ganho escondido.
Está já em marcha a elaboração de uma petição online para ser entregue na CMLisboa e no Parlamento, contra esta intervenção, que irá descaracterizar o LARGO DO RATO.
ResponderEliminarDepois coloque por aqui o endereço, por favor.
ResponderEliminarJA
pois é, mas este Rosa de Carvalho é um hipócrita, porque durante o mandato anterior era nem mais nem menos do que assessor da miser´+avel Eduarda Napoleão!
ResponderEliminarPETIÇÃO CONTRA A CONSTRUÇÃO NO LARGO do RATO:
ResponderEliminarwww.petitinonline.com/Rato/petition.html
Sinceramente pouco me importa quem é o Sr. Rosa de Carvalho; também não me interessa, do ponto de vista urbano, saber que os terrenos são do sr X ligado á campanha do sr Y: Interessa-me sim é o facto deste projecto ser atentatório á dignidade histórico-urbana da cidade de Lisboa.
ResponderEliminarPor isso concordo em absoluto com a notícia em si.
RECTIFICAÇÃO
ResponderEliminarPetição pelo Largo do Rato:
www.PetitionOnline.com/lgrato/petition.html