02/04/2008

As Hortas...


Confesso que não percebo as reacções expressas no anterior post sobre as hortas. Fiquei impressionado com os comentários dizendo que as hortas não fazem sentido nas nossas cidades, que estas não deveriam fazer parte da paisagem urbana, etc...
O conceito das hortas urbanas, ou seja, espaços dedicados à produção hortícola nos grandes centro urbanos, não foi inventado pelos portugueses, nem pretende ser um revivalismo da Lisboa dos anos 50. Aliás, como em tudo o resto, continuamos atrasados em relação ao resto da Europa, mais propriamente a países ditos desenvolvidos, como o Reino Unido, a França, a Alemanha ou mesmo a Holanda, onde estes espaços existem há mais de 30 anos, devidamente integrados no espaço público, em parques urbanos no centro das cidades, no interior dos logradouros, etc.. ou seja fazem parte da estrutura verde urbana destas cidades.
Numa altura em que o crescimento urbano se vai alastrando, grande parte das vezes sem um planeamento coerente e sustentável, aproveitando os melhores terrenos agrícolas para a construção, é importante que tal como os parques urbanos, os jardins e as alamedas arborizadas, espaços como estes sejam pensados e integrados nas nossas cidades proporcionando áreas de lazer, de convívio e porque não de produção hortícola doméstica. O que mais me entristece em todo este tema, é ver as pessoas, muitas vezes correndo perigo de vida, a cultivar os taludes da IC19, ou em separadores de vias rápidas. Este comportamento é sintomático da necessidade das pessoas em trabalhar a terra e usá-la para seu benefício.
O importante a fazer, para além de educar algumas consciências que parecem agarradas aos fantasmas do antigamente, é criar espaços devidamente construídos e integrados na estrutura da cidade de maneira a proporcionar uma utilização segura e ordenada destas áreas.
Já agora o exemplo que está na imagem, é a de uma zona de hortas, num parque urbano, em Estocolmo (Suécia). Como vêm nada tem a ver com os anos 50.

15 comentários:

  1. pois, pois.....são 79 hortas em Estocolmo, todas em terrenos municipais. Dez delas bem no centro da cidade.
    Anos 50..+ 58..!!

    http://www.fssk.se/forening/omrade/innerstaden.htm

    JA

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  2. Alias, veja o exemplo de Loures que pretende integrar transformar a várzea em parque urbano da cidade feito de hortas e de acesso livre por parte das zonas urbanas da cidade de loures e de santo antónio dos cavaleiros...e é mesmo aqui ao lado....

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  3. Cá estamos em pleno de novo no tema ao que parece eterno da "Cidade e as Serras", desta feita há muito mais Jacintos que se rodeiam ferozmente de todas as maquinetas da "civilização" e proscrevem qualquer reminscência do campo na cidade - tautologia despótica: uma cidade é uma cidade, dizem. E com desdém despacham as hortas, que cheiram a cebola e alho, para os campos.
    Tentemos, portanto, desfrutar os déjà vus de um outro ângulo, de preferência com o olhar do Príncipe de Lampedusa.
    Pode ser que um dia os Jacintos façam o seu "retour à la nature", se a houver.

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  4. Interessante que certos povos que passaram por enormes processos de industrialização, nunca tiveram vergonha de sujar as unhas nos seus tempos livres. Para Lisboa continuam a ser os "emigrantes" das terrinhas....o portuguesinho urbano é fino demais. De que planeta é que virão as cebolas, ou as galinhas com penas?

    JA

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  5. Não será preciso fazer grandes contas para concluir que a lavoura primitiva não tem sustentabilidade económica. Tanto pela mão de obra despendida desnecessariamente, como pelo alto custo de terrenos urbanos para tal fim.

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  6. Não entendo que o post defenda o aproveitamentodo espaços para hortas intensivas para abastecer o continente ou o feira nova...mas apenas para aproveitamento do espaço vazios, evitando a sua betonização, permitindo a sua utilização pelas populações, para auto sustento ou carácter pedagógico.

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  7. Não percebo porque motivo a lavoura no meio da cidade seria pedagógica. Nem qual o mal do betão. Prefere construções em madeira?

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  8. O Filipe ainda não percebeu que nem tudo (até na vida dele) se faz e se decide em função da "sustentabilidade económica", e que esse argumento pode ser válido nalguns temas, e absolutamente desnecessário noutras.

    Aliás a própria sustentabilidade económica, por vezes, é um conceito facilmente falacioso e manipulável (apesar da sua aparente solidez).

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  9. Muito bem, se não se pretende entrar no jogo da economia, que se seja coerente com esse princípio, e que se coíba de usar dinheiros públicos, ou regulamentar a vida económica dos outros.

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  10. Caro Filpe: Devem ser precisamente os bens, serviços e funções públicos que não devem entrar nesse "jogo", numa óptica simplista, como é óbvio.

    Se assim não fosse matavam-se os velhos, os prematuros e os mais doentes a propósito da racionalidade económica.

    Ao nível das cidades a história, a memória, o património (e a ética de quem exerce o poder) também não deveria ser vendida a troco de ums tostões. Voltando ao post, não parece que as hortas sejam causa do colapso finaceiro do que quer que seja.

    João Silva Marques

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  11. Matar? Mas que falso dilema drástico quando não se cai na sua esparrela do não-comercial. Simplesmente, se não gosta do jogo do dinheiro e do comércio, não entre nele.

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  12. A lavoura no meio da cidade será um luxo, de facto, porque não tem sustentabilidade económica. As hortas seriam um luxo, desta vez. E se Lisboa precisa de algo é precisamente de luxo.

    O luxo é pedagógico.

    Alemães, finlandeses, parisienses (e não são meros parigots de marselha, com a baguette a cascar no betão, e a exigir a reposição da bouillabaise que não seja de pacote estão hoje em dia a desenvolver hortas, a que chamam como sempre chamaram: jardins potagers). Os ingleses urbanos que nunca perderam de vista as suas origens rurais, e que definiram um tipo de homem sofisticado como sendo o "gentleman farmer", nas suas "backyards" que ainda são inúmeras, tem quase sempre um "corner" para o vegetable garden.
    Opção de requinte, para ter produtos frescos. Luxo necessário, medida de saúde primária para não comer massificado, de pouco sabor e trufado de preservadores e corantes e etc.

    O betão não tem mal, pode ser muito bem utilizado. O mal é o unibetão, o pensamento unibetão. O encanto das cidades é a possibilidade da sua diversidade, de materiais, entre outras coisas. De estilos. De eras. De espaços.

    Na Vivenda Madalena, do início do seculo XIX,recuperada pela Câmara de Cascais (Gabinete AX de Arquitectura) para servir de sede à Orquestra de Câmara residente e ao Conservatório de Música de Cascais o novo auditório de betão convive muito bem com a volumetria do antigo edificio, sem o descaracterizar.

    Para as cidades não há soluções unitárias que lhes sirvam. Mas sim uma pluralidade de soluções. São bonitas quando assimétricas. O deserto de simetrias e de fealdade que são os subúrbios é uma solução totalitária, unitária. O despotismo, nas ideias, a monocultura, o pensamento único, levam à máxima fealdade. Os famosos "prédios doentes" de que falava o Hundertwasser.

    Seja como for, a tendência moderna em arquitectura, consiste após anos de Las Défenses e similares de um certo regresso à tipologia do "quartier", do "bairro", e não às ideias que duraram meio século ou mais das máquinas de habitar do Corbusier e legião de seguidores e suas sequelas.

    Há muitos materiais em cena além do betão e do pensamento unibetão (outro material de construçao).

    Por outro lado, o metro padrão da sustentabilidade económica não deve ser assim tão férreo e fundamentalista. Il y a plus de choses entre le ciel et la terre que ta philosophie, Horace...

    Uma das editoras mais interessantes de Lisboa é o & ETC do Vitor Silva Tavares. Está falida há trinta e cinco anos, ou semifalida. Não dá corno de lucro. Mas dá prazer ao Vítor e a uns quantos leitores, ele continua para nossa felicidade a insistir. O homem vive com 100 ou 120 contos de reforma...E viveu sempre abaixo do nível de água. O seu bairro, a Madragoa, protege-o. Neto de pescadores tem golpe de rins e de asa. Anda com o mau feitio em dia, ri, e melhor ainda sabe rir-se de si mesmo.

    Percebo que do ponto de vista psicológico custe aos descendentes de 2º geração de camponeses - a maior parte dos neo-lisboetas - que se lhes recorde as origens. As hortas devem ter um impacto muito negativo no seu e colectivo subconsciente. Não sei porquê - somos todos descendentes de rurais e farmers, pequenos ou grandes, uns mais outros menos gentlemen. Eis tudo.

    Outros países, outras gentes não se envergonham. O meu amigo Hermínio Monteiro, grande editor, tinha o maior orgulho nas suas origens camponesas. E conheço mais gente assim. Pouca, é certo. O mundo está cheio de modernistas cheios de razão.

    Resta que as cidades sempre resistiram e resistem a todas as tentativas para as "melhorar" - acabam pela pressão do tempo e pela cada vez maior obscolescência dos materiais por ruir. Além disso não escapam a serem humanizadas pelo simples facto que à parte uns quantos andróides vivem para o humano, que as transforma ou lhes abre novas e interessantes fendas.

    Il faut être absolument moderne...sans doute, mas a verdadeira modernidade está longe de ser modernista ou pós.

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  13. Miguel, as tuas considerações são deliciosas, mas parecem-me mais relevantes no foro da escolha individual, não como imposição pública.

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  14. Um lapso meu: a Vivenda Madalena(mais tarde Pensão Boaventura e agora Conservatório de Música de Cascais) foi construída no fim do séc. XIX, não no início como eu disse.

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  15. O desaparecimento das hortas tem ainda o problema de atirar para a cidade mais gente frustrada e agressiva.

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