"A CASA DOS BICOS, JOSÉ SARAMAGO E A 'RECONCILIAÇÃO' -Eurico de Barros-DN
Nasci em Lisboa e aqui me criei, aqui vivo e trabalho, e é aqui que espero morrer. Sou lisboeta de casca e gema, alfacinha de quintal das traseiras de prédio. Gosto da minha cidade, mesmo quando a vejo ser maltratada por quem nasceu ou vive nela, por aqueles que a visitam ou por quem a governa. Por isso, fez-me muita impressão, como lisboeta e munícipe, que a Câmara Municipal de Lisboa tenha cedido a Casa dos Bicos, um dos monumentos nacionais da cidade, a uma instituição privada, no caso a Fundação José Saramago.
Mas podia ser qualquer outra, tanto faz. Trata- -se de uma questão de princípio: não é legítimo nem correcto ceder monumentos nacionais a entidades particulares, por mais nobre, iluminado ou "de agitação" que seja o uso que estas lhes queiram dar. A Câmara Municipal de Lisboa, tal como qualquer outra autarquia portuguesa, não deve, não pode, pôr e dispor com uma tal ligeireza dos edifícios de relevância histórica, valor arquitectónico e interesse nacional que estão sob a sua alçada. A ser alguma coisa que não o espaço de serviços camarários que é agora, a Casa dos Bicos devia ser um local vivo, de animação e cultura - mas sempre público.
Não contente com este acto, que abre um lamentável precedente em termos de utilização do património municipal e nacional, a falida autarquia lisboeta, que não tem dinheiro para mandar cantar um cego, é que vai financiar as obras de adaptação da Casa dos Bicos às suas novas funções.
António Costa disse que "os custos serão diminutos", uma frase que os políticos gostam muito de usar quando é o dinheiro dos contribuintes que está em causa. A descontracção com que em Portugal o poder, seja governamental seja autárquico, deita o gadanho à coisa pública e ao dinheiro dos cidadãos é pouco menos do que obscena. E quando o poder é socialista, então nem se fala.
Falando agora como cidadão e português, também estranhei as palavras do ministro da Cultura, quando disse, na cerimónia do acordo entre a Câmara e a Fundação José Saramago para a cedência da Casa dos Bicos, que este constitui uma "reconciliação" entre o escritor e Portugal.
Confesso que não sabia que a pátria estava desavinda com o autor de Memorial do Convento. José Saramago foi viver para Espanha porque assim decidiu (admito que magoado e ofendido por um triste acto censório de um governante desclassificado), não por ter sido posto na fronteira por uma multidão ululante, acicatada pelas autoridades.
Em entrevistas ou artigos, Saramago fala do que acha estar mal em Portugal e com os portugueses, e nunca foi nenhuma delegação a Espanha fazer-lhe uma manifestação de protesto à porta de casa e apedrejar-lhe as janelas . E sempre que aqui vem, é festejado e elogiado, nunca o vi ser insultado ou destratado. Até lhe fizeram uma exposição no Palácio da Ajuda, coisa a que mais nenhum outro escritor português, vivo ou morto, teve direito.
Pinto Ribeiro foi tão despropositado na escolha das palavras como António Costa foi infeliz a dispor de um monumento nacional. Em ambos os casos, para a mesma pessoa."
Nasci em Lisboa e aqui me criei, aqui vivo e trabalho, e é aqui que espero morrer. Sou lisboeta de casca e gema, alfacinha de quintal das traseiras de prédio. Gosto da minha cidade, mesmo quando a vejo ser maltratada por quem nasceu ou vive nela, por aqueles que a visitam ou por quem a governa. Por isso, fez-me muita impressão, como lisboeta e munícipe, que a Câmara Municipal de Lisboa tenha cedido a Casa dos Bicos, um dos monumentos nacionais da cidade, a uma instituição privada, no caso a Fundação José Saramago.
Mas podia ser qualquer outra, tanto faz. Trata- -se de uma questão de princípio: não é legítimo nem correcto ceder monumentos nacionais a entidades particulares, por mais nobre, iluminado ou "de agitação" que seja o uso que estas lhes queiram dar. A Câmara Municipal de Lisboa, tal como qualquer outra autarquia portuguesa, não deve, não pode, pôr e dispor com uma tal ligeireza dos edifícios de relevância histórica, valor arquitectónico e interesse nacional que estão sob a sua alçada. A ser alguma coisa que não o espaço de serviços camarários que é agora, a Casa dos Bicos devia ser um local vivo, de animação e cultura - mas sempre público.
Não contente com este acto, que abre um lamentável precedente em termos de utilização do património municipal e nacional, a falida autarquia lisboeta, que não tem dinheiro para mandar cantar um cego, é que vai financiar as obras de adaptação da Casa dos Bicos às suas novas funções.
António Costa disse que "os custos serão diminutos", uma frase que os políticos gostam muito de usar quando é o dinheiro dos contribuintes que está em causa. A descontracção com que em Portugal o poder, seja governamental seja autárquico, deita o gadanho à coisa pública e ao dinheiro dos cidadãos é pouco menos do que obscena. E quando o poder é socialista, então nem se fala.
Falando agora como cidadão e português, também estranhei as palavras do ministro da Cultura, quando disse, na cerimónia do acordo entre a Câmara e a Fundação José Saramago para a cedência da Casa dos Bicos, que este constitui uma "reconciliação" entre o escritor e Portugal.
Confesso que não sabia que a pátria estava desavinda com o autor de Memorial do Convento. José Saramago foi viver para Espanha porque assim decidiu (admito que magoado e ofendido por um triste acto censório de um governante desclassificado), não por ter sido posto na fronteira por uma multidão ululante, acicatada pelas autoridades.
Em entrevistas ou artigos, Saramago fala do que acha estar mal em Portugal e com os portugueses, e nunca foi nenhuma delegação a Espanha fazer-lhe uma manifestação de protesto à porta de casa e apedrejar-lhe as janelas . E sempre que aqui vem, é festejado e elogiado, nunca o vi ser insultado ou destratado. Até lhe fizeram uma exposição no Palácio da Ajuda, coisa a que mais nenhum outro escritor português, vivo ou morto, teve direito.
Pinto Ribeiro foi tão despropositado na escolha das palavras como António Costa foi infeliz a dispor de um monumento nacional. Em ambos os casos, para a mesma pessoa."
Costa está a revelar-se em tudo um homem do aparelho .... a passagem por Lisboa não é baseada num verdadeiro interesse pela cidade ... Lisboa é apenas uma plataforma para projectos futuros mais ambiciosos dentro do aparelho partidário...
ResponderEliminarSeja bem-vinda cá para estas bandas...
ResponderEliminarJA
Obrigada JA
ResponderEliminarSempre gentil :)
A minha vinda deve, claro, ao amigo Paulo Ferrero, com quem tenho aprendido muitíssimo sobre Lisboa. Mansardas, palácios,cinemas, pormenores em edifícios que eu ignorava totalmente, o Paulo de tudo isso sabe e muito. E de forma generosa, partilha connosco a defesa desta cidade.
É verdade M. Isabel. O Paulo Ferrero e os seus amigos, que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente, é sem dúvida uma pessoa que está inscrita na boa linhagem dos ulissipógrafos.
ResponderEliminarEste blog pelo menos vai dando conta, com muita atitude e continuidade, do estado da cidade. Que é mau, mas pode nçao ser irreversível. Basta que uma certa massa crítica de cidadãos empenhados e com alguma cultura urbana surja, e de modo actuante, para que as coisas se possam modificar.
O pior que pode acontecer a Lisboa é a apagada, miserabilista e mortiça indiferença.
Vasco Pulido escreveu em tempos
ResponderEliminar"O problema com o furor que provocaram os comentários de Saramago sobre a Bíblia (mais precisamente sobre o Antigo Testamento) é que não devia ter existido furor algum. Saramago não disse mais do que se dizia nas folhas anticlericais do século XIX ou nas tabernas republicanas no tempo de Afonso Costa. São ideias de trolha ou de tipógrafo semianalfabeto, zangado com os padres por razões de política e de inveja"