«Nem as janelas podem abrir devido a construção
Câmara licenciou obra que coloca em risco prédio pombalino, desvalorizando alertas
00h30m
NUNO MIGUEL ROPIO
Os moradores de um dos edifícios que serviu de inspiração ao escritor Eça de Queirós, na composição do Ramalhete, na obra "Os Maias", acusam a Câmara de Lisboa de ter licenciado uma obra que coloca em risco a estabilidade daquele edifício.
Os arcos dos vestíbulos lascados, fendas acentuadas ao longo dos quatro pisos, fracturas nas pedras que constituem as varandas, janelas entaipadas com betão ou uma acentuada inclinação das paredes. Este é o cenário com que se deparam os moradores do nº5, na Rua Ribeiro Sanches, nos Prazeres, em Lisboa. Um edifício tardo-pombalino que está a sofrer os efeitos da demolição e, posterior, construção de um prédio vizinho sobranceiro, no º7.
Apesar do novo edifício ter sido licenciado pela Câmara Municipal de Lisboa, há dois anos que os moradores do prédio afectado denunciam à autarquia a instabilidade na estrutura e o que consideram ser uma violação das regras aplicadas àquela zona de protecção da Igreja de São Francisco de Paula.
As primeira queixas remontam a Setembro de 2006 e deram origem a uma acção judicial, mas só agora - já com o nº 7 concluído - a Câmara averigua o que correu mal em todo este processo, que envolve um dos edifícios, cujo interior e jardins inspiraram o escritor Eça de Queirós, na sua obra "Os Maias" (ver caixa).
Ao JN, Nuno Pragana Cruz Morais, proprietário da nova construção, garantiu que todo o projecto cumpriu o licenciamento emitido pelo município, em 2006, desvalorizando as acusações dos vizinhos e o facto de ter tapado as janelas daqueles.
Segundo Paulo Couto, um dos moradores, aquando da demolição do segundo imóvel, um relatório elaborado pela Polícia Municipal alertava a Câmara para o facto de, após três vistorias, se duvidar que o projecto aprovado estivesse a ser bem executado.
No documento - enviado tanto ao então presidente, Carmona Rodrigues, como à ex-vereadora do Urbanismo, Gabriela Seara -, pode-se ler que "não se crê que se possa passar uma licença para fechar quatro janelas com mais de 100 anos de existência", entre outras recomendações e questões.
"Os próprios trabalhadores da obra, quando os chamámos para verem que o nosso prédio estava em risco e que existiam fissuras em todo o lado, disseram-nos que tínhamos razão", lembrou, ontem, Paulo Couto. "Quando nos taparam as janelas, o proprietário chegou-nos a dizer que era algo provisório. Desde então, quando tomamos banho ou utilizamos a cozinha, temos de ter as portas abertas para não se acumularem os gases", acrescentou Tomás Teixeira, outro morador, garantido que os estragos já levaram a obras no valor de 21 mil euros.
Da autoria do arquitecto Costa Cabral, a nova construção substituiu uma anterior, com dois pisos e em avançado estado de degradação. Confrontado com o facto da frente do edifício, que sustentava os prédios laterais (como o nº5), ter sido demolida, Nuno Pragana Cruz Morais explicou que a estabilidade acabou por ser reforçada. "Há hoje mais segurança do que havia. Em relação às janelas tapadas, não passavam de frestas", disse.
Contactada há cinco dias, a Direcção da Gestão Urbanística da Câmara de Lisboa não prestou qualquer esclarecimento sobre o caso, até ao fecho da edição.»
in Jornal de Notícias de 19 de Agosto de 2008
Há que esclarecer se, para além das fissuras provocadas na estrutura do edifício e que deverão ser rápidamente corrigidas, há ou não direito de vistas constituídos.
De qualquer forma a autarquia tem a obrigação legal, consagrada no código do procedimento administrativo, de esclarecer em tempo útil, o assunto.
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