05/10/2008

Amesterdão quer ser capital das cidades sustentáveis

in Público, 05.10.2008, José António Cerejo

Aposta reside no recurso criativo às tecnologias da informação. É a batalha pela sustentabilidade em que Lisboa também está envolvida

Descrever Lisboa como uma cidade amiga do ambiente - onde os espaços verdes são um brinco, os transportes públicos funcionam em articulação perfeita com milhares de bicicletas particulares e os desperdícios energéticos e a qualidade do ar são uma preocupação de todos e de cada um - é sonhar com um futuro prometedor, mas certamente longínquo.

O dia-a-dia de Amesterdão, uma metrópole com uma dimensão semelhante à da capital portuguesa (740.000 habitantes), permite acreditar, porém, que os sonhos se podem tornar realidade e que o crescimento desordenado pode dar lugar ao desenvolvimento harmonioso e sustentável.

Sintomático é o facto de a capital holandesa não se contentar com o que tem e que tanto faz pasmar os visitantes. 'Queremos ser cada vez mais um terreno fértil para o surgimento de estratégias inovadoras face à ineficiência das infra-estruturas urbanas tradicionais', repisa o presidente do município local, Job Cohen, um autarca que não é eleito - é designado pela Coroa -, mas que reúne apoios muito amplos. Em pleno centro da cidade, a qualquer hora do dia, circula-se tranquilamente de automóvel, de bicicleta, de eléctrico, a pé, ou mesmo de barco pelos seus 165 canais. Ninguém se atropela, um maestro invisível parece reger os fluxos de tráfego, a velocidade média de uns e outros está a léguas de distância do nosso passo de caracol. E estacionar um carro até é quase tão fácil como fazê-lo com uma bicicleta, o que não quer dizer que seja simples e muito menos barato. Mas quem estiver disposto a pagar 4,8 euros por hora consegue um lugar com vista para os canais, mesmo no coração do centro histórico.

Um exemplo a seguir
'Desde que aqui cheguei, há ano e meio, nunca me passou pela cabeça comprar um automóvel', afirma Maria Estrada, uma jornalista mexicana. Reside a meia hora de comboio do centro e, tal como uma grande parte do milhão e meio de habitantes da chamada Grande Amesterdão, tem duas bicicletas: uma para ir de casa à estação, nos subúrbios, e outra para percorrer o caminho até ao escritório, no centro da cidade. Quando quer fazer um passeio dificilmente compatibilizável com o uso de transportes públicos, coisa rara para ela, aluga um carro por uns dias. O mais notável é que deslocar-se de bicicleta não é ali uma coisa de pelintras, nem é chique: é apenas natural e óbvio, um estilo de vida partilhado por todos os estratos da sociedade.

A exemplaridade da principal cidade holandesa não se fica, contudo, pelas questões da mobilidade. Exprime-se no estado das ruas, dos jardins e da água dos canais, no tratamento dos resíduos sólidos, na conservação dos edifícios antigos e modernos, na sensibilidade dos cidadãos aos fenómenos do aquecimento global e das alterações climáticas, no combate em favor da tolerância entre as 174 nacionalidades que ali convivem, na programação das novas urbanizações, na gestão dos solos urbanos - solos que, por coincidência ou não, são quase todos propriedade do município... Convém dizer também que o município tem 25.000 trabalhadores (em Lisboa são apenas 11.000 e há quem diga que são demasiados), número que poderá não ser alheio a muito do que extasia os visitantes. '

Parece que eles já resolveram todos os problemas, mas mesmo assim levam a sério as questões da sustentabilidade, que para nós são apenas teóricas', afirma Anil Sasi, um jornalista indiano que acompanhou o PÚBLICO numa visita a uma espécie de loja do cidadão reservada ao acolhimento de trabalhadores estrangeiros altamente qualificados e acabados de chegar à Holanda (os knowledge migrants). É certo que Anil Sasi conhece uma das razões para que assim seja: 'Eles já não têm de se preocupar com problemas básicos como a subsistência quotidiana, que na Índia afecta pelo menos 500 milhões de pessoas, metade da nossa população.

Desafio e oportunidade
Mas há pelo menos outra explicação para que as autoridades municipais de Amesterdão tenham transformado a luta contra as alterações climáticas, o combate às emissões de dióxido de carbono e o aumento da eficiência energética numa bandeira partilhada pelos agentes económicos, científicos e culturais e por grande parte da população: o desenvolvimento sustentável é visto como uma condição de sobrevivência e ao mesmo tempo como uma enorme oportunidade de negócio.

Situada quatro metros abaixo do nível do mar, Amesterdão não podia deixar de encarar o aquecimento global e a subida da água dos oceanos como uma terrível ameaça, que exige a adopção de medidas drásticas. Daí o município ter apostado em metas tão ousadas quanto a descida em 40 por cento, nos próximos dez anos, das emissões de CO2, relativamente aos níveis de 1990.

E a experiência acumulada em séculos de corpo-a-corpo com a força do mar, e de convívio harmonioso com uma natureza adversa, não podia ser encarada senão como um trunfo para transformar em riqueza os desafios presentes. 'As nossas soluções de mobilidade, de eficiência energética, de reciclagem de resíduos ou de economia de recursos podem ser repercutidas em muitos outros locais como um contributo inovador para o desenvolvimento sustentável', afirma Carolien Gehrels, vereadora da Cultura e da Competitividade no município de Amesterdão. Mais directo é Job Cohen, o presidente da câmara local. 'Nós somos um povo de mercadores. Um dos nossos desafios é encontrar ideias inovadoras e criativas nos domínios da sustentabilidade e vendê-las ao resto do mundo', sintetiza, salientando que uma das actuais apostas da cidade reside em 'combinar a agenda das tecnologias da informação e da comunicação com a agenda ambiental'.

Ou seja: a batalha já não se circunscreve aos campos mais tradicionais dos transportes ou o do aquecimento dos edifícios, mas visa também a maximização dos benefícios das tecnologias da informação, com o recurso generalizado às redes de fibra óptica, à banda larga e a soluções que reduzam os consumos de energia. A ideia - sublinhou Job Cohen na semana passada, no decurso de uma conferência internacional realizada no quadro do programa Connected Urban Development, uma pareceria que reúne a empresa Cisco, um dos líderes mundiais em redes informáticas, e sete cidades de vários continentes, como a capital holandesa e Lisboa - é 'reforçar o papel de Amesterdão como centro de incubação de projectos inovadores que contribuam para o desenvolvimento sustentável e que possam ser postos em prática em toda a parte'.

Com 740.000 habitantes, a capital holandesa conta com 600.000 bicicletas e um sem-número de locais próprios para as deixar, incluindo barcos estacionados nos canais e silos de vários andares. Mesmo assim, nem sempre é fácil arranjar lugar.

5 comentários:

  1. Chegar aos calcanhares de Amsterdão, Estugarda ou Berna parece exigir um grande investimento em Infra-estruturas mas aquilo em que estamos verdadeiramente distantes é na postura dos cidadãos e governantes.

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  2. Concordo em pleno. Por aqui no blog do FCLX, nada melhor do que ler o que escreve o visitante Filipe Melo Sousa para perceber essa "postura dos cidadãos e governantes" que nos faz ficar atrasados. Mas eles insistem que não...

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  3. esperemos para ver o que diz o senhor filipe. deve estar mesmo aparecer. aguardemos com serenidade:

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  4. "esperemos para ver o que diz o senhor filipe. deve estar mesmo aparecer. aguardemos com serenidade"

    Queres ver que não tem nada a opinar sobre Amsterdão? Ora bolas!

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  5. Preguiça no lombo! é esse o mal dos portugueses!

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