02/12/2008


É altura de decidir o que queremos fazer da Avenida -PUBLICO -02.12.2008, Ana Henriques

Restrições ao trânsito no centro do debate, que em breve entrará em fase de discussão pública. Plano prevê que faixas laterais encolham

Em breve, os munícipes lisboetas vão ser chamados a pronunciar-se: que futuro querem para a Avenida da Liberdade. Com a discussão pública prestes a começar, o arquitecto convidado pela Câmara de Lisboa para apontar o caminho, Manuel Fernandes de Sá, optou por uma solução salomónica: menos trânsito, mas sem exageros e continuação da predominância de escritórios. Depois, diz o arquitecto portuense, é preciso dar tempo ao tempo para que o local onde dantes todos iam para ver e ser vistos - o Passeio Público - se encha outra vez de vida. Para que se torne outra vez um local de passeio, e não apenas de passagem.
Há quem pense que as medidas preconizadas por Fernandes de Sá não chegam para resgatar à sua triste sina a principal artéria da cidade, campeã europeia da poluição, mas ao mesmo tempo uma das avenidas mais caras da Europa. Isso mesmo disse a arquitecta Helena Roseta, vereadora do movimento cívico Cidadãos por Lisboa, na passada quarta-feira, dia em que Fernandes de Sá apresentou o seu projecto na reunião de câmara. "Denoto algum conservadorismo na proposta", observou. "A Avenida tem todas as condições para nos deslocarmos em transporte público ou a pé. Em contrapartida, o que lá existe é um exagero de transporte privado, e Manuel Fernandes de Sá não propõe a inversão disto".
Sem carros à superfície
Retirar o estacionamento da superfície e reduzir a largura das faixas rodoviárias laterais para cerca de metade, aproveitando esse espaço para alargar os passeios, são as facetas mais visíveis do Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zonas Envolventes, também conhecido pela pouco amigável sigla PUALZE.
Também membro do movimento de Helena Roseta, António Elói defende que as faixas de rodagem laterais deviam pura e simplesmente desaparecer, em vez de ficarem com trânsito condicionado. A miragem de uma Avenida cheia de esplanadas de cima a baixo, com o trânsito a correr apenas no meio, seduz muita gente. Peremptório, Fernandes de Sá desfaz as ilusões: "Não é possível suprimir as faixas de rodagem laterais. Senão, como é que se chegava às casas e garagens?".
E em que consiste o condicionamento ao trânsito proposto pelo arquitecto? "Não é um condicionamento muito condicionado", admite. "A ideia é que o espaço seja partilhado por peões e automóveis e circular a uma velocidade reduzida".
Uma ideia que, de resto, pode vir a ser transformada depois do período de discussão pública a que o PUALZE será em breve submetido. "Questões como a da largura dos passeios devem ficar em aberto até à elaboração do projecto de execução", advoga o vereador do Urbanismo, o arquitecto Manuel Salgado. Que lança uma hipótese radical, já posta de lado pelo estudo de Fernandes de Sá pelo menos para os próximos tempos: "E porque não tirar o trânsito do meio da Avenida e ficar com ele apenas nas laterais?".
Tal como estavam formuladas, as regras do PUALZE que balizavam a subida de altura dos edifícios da Avenida prestavam-se a interpretações equívocas que podiam ter efeitos incontroláveis. Quem deu por isso foi a vereadora do PSD Margarida Saavedra, que exigiu a reformulação do texto. "Era uma incorrecção do texto, a vereadora tinha razão. Já está resolvido", diz Fernandes de Sá, que invoca o desconhecimento por si e pela sua equipa do quadro jurídico em vigor na capital. A autorização para construir no interior dos quarteirões, ligando dois edifícios com frentes para duas ruas diferentes através de um terceiro construído entre eles, é outro aspecto considerado gravoso pela autarca.

O plano de Fernandes de Sá -02.12.2008

Menos carros, menos poluição, mais habitantes
Prioridade ao terciário
A continuação da predominância do sector terciário na Avenida é um dos aspectos pouco pacíficos do plano de Fernandes de Sá. Pelas suas contas, entre terrenos vagos e imóveis devolutos ainda há espaço para o sector dos serviços crescer 16,5 por cento nos 100 hectares abrangidos pelo PUALZE. Depois de observar os mapas apresentados pelo arquitecto, a vereadora social-democrata Margarida Saavedra deixou escapar uma constatação: "Mas o local onde mora o primeiro-ministro, a Rua Braamcamp, aparece totalmente terciarizado!". O valor do terreno, um dos mais altos da cidade - 75 euros/mês por metro quadrado alugado - e os elevados níveis de ruído provocados pelo tráfego são os argumentos do arquitecto para a opção. Seja como for, o PUALZE prevê, no médio prazo, 5000 novos habitantes na área de intervenção, que passará assim de sete para 12 mil residentes. Mas sempre nas áreas circundantes da Avenida, com especial preponderância nas zonas da Rua de S. José e da Glória. Já as artérias mais próximas do Marquês surgem totalmente dedicadas ao comércio e escritórios. Para Margarida Saavedra, uma das grandes falhas falhas do plano relaciona-se com o facto de não apresentar medidas concretas de reabilitação urbana.

Estacionamento subterrâneo
O desaparecimento de todo o estacionamento existente à superfície da Avenida, 660 lugares, ilegais na sua maioria, é compensado no PUALZE com a construção de dois parques subterrâneos, um no cruzamento com a Barata Salgueiro e outro no cruzamento com a Manuel de Jesus Coelho - um investimento de 7,5 milhões de euros que o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, acha dispensável: "Não será necessário construir os dois parques, uma vez que há capacidade de estacionamento excedentária nos edifícios" da zona. Além da sua principal função, estes parques serviriam ainda como forma de atravessamento da Avenida pelos peões. Fernandes de Sá propõe, aliás, que a difícil ligação das duas colinas separadas pelo vale da Avenida seja feita, nos Restauradores, usando o parque de estacionamento enterrado que ali existe - "por forma a criar uma ligação privilegiada entre as duas encostas, aproveitando a existência dos elevadores da Glória e do Lavra". À superfície, o plano prevê o aproveitamento de parte do mercado do Rato - onde também quer criar uma área de serviços, comércio e eventualmente habitação - para fazer 650 lugares de parqueamento, aos quais há a juntar três parques para residentes no Largo da Oliveirinha, na Travessa de Santa Marta e na Rua do Passadiço.

Reduzir poluição
A poluição atmosférica ultrapassa os valores legalmente permitidos, enquanto a sonora inviabiliza, também por causa dos limites legais, a criação de novos edifícios de habitação na Avenida. "A situação não é pior devido à acção das chamadas brisas da Avenida, que dissipam a poluição resultante destes factores, sendo as poeiras retidas pela folhagem das árvores", descreve o PUALZE. Para mudar este estado de coisas a Câmara de Lisboa foi obrigada a assumir compromissos com a administração central. A alteração dos pavimentos, mas sobretudo a redução do volume de tráfego são as medidas que estão em cima da mesa. Fernandes de Sá quer, a título experimental, tirar os carros de parte da Rosa Araújo e do Largo da Anunciada - garantindo no entanto, neste último caso, a "manutenção condicionada do seu atravessamento automóvel".

Investimento público
Contas feitas por baixo, o PUALZE, pensado para dez anos, obrigará a um investimento público da ordem dos 57 milhões de euros, 40% dos quais dirigidos para a criação de estacionamento. A autarquia poderá recuperar parte das verbas com as taxas e impostos sobre a nova construção que se prepara para autorizar naquela que é uma das zonas mais nobres. Helena Roseta quis saber quanto valerão estas mais-valias imobiliárias, mas ninguém lhe soube responder. A.H.

4 comentários:

  1. no geral, um plano obsoleto, feito por uma pessoa da cidade dos anos 70 e 80, viciada nos carros

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  2. "A ideia é que o espaço seja partilhado por peões e automóveis e circular a uma velocidade reduzida".

    Brilhante, simplesmente brilhante.
    Para quê obras destas para arquitectos com mais de 40 anos?

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  3. Dizem-me que este senhor ensina arquitectura.
    Está tudo explicado!

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  4. Leiam com atenção quantos lugares a mais o plano prevê!

    Ligações subterrâneas para peões numa cidade do século XXI?

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