Era uma vez uma operadora de telecomunicações que, certo dia, passeava pelas ruas de Lisboa, e se lembrou, no ano da graça de 2008, de pintar o Natal de turquesa.
Por acaso, por mero acaso, era uma operadora de telecomunicações. E, também, qual era o problema do turquesa, se o Natal, tal como o conhecemos há tanto tempo, também se vestiu de encarnado por causa de uma marca de refrigerantes bebericada nos quatro cantos do mundo?
Podia ter sido uma multinacional qualquer, ou mesmo uma empresa portuguesa, com certeza. E a paleta do Natal poderia ter sido alterada para uma qualquer cor do arco-íris, ou da paleta de pantones de uma qualquer marca. Porque não o laranja de uma outra operadora, que até tem o sugestivo slogan: “de que é que precisas?”
Mas neste conto, o Natal vestiu-se de turquesa nas ruas de Lisboa. Bolas gigantes da cor do céu aterraram um pouco por toda a cidade, não com a leveza e magia de flocos de neve, mas invadindo-a como uma praga incontrolável.
Nos candeeiros, estenderam-se milhares de metros de pendões como que anunciando aos gritos: Vende-se; Lisboa estava à venda, por tuta e meia, Melhor Oferta, contactar António Costa, Praça do Município.
Lisboa, desde que António Costa chegara aos Paços do Concelho, não era mais do que uma montra mal iluminada, mal decorada. Lisboa era uma pensão dos Anjos ou do Intendente. Lisboa arrendava-se aos quartos de hora. Lisboa estava mais desleixada do que qualquer bazar chinês da Rua da Palma, Lisboa estava mais porca do que a casa-de-banho de um tasco ainda não vistoriado pela ASAE.
Mas Lisboa continuava à venda, por quaisquer milhares de euros e um aperto de mão em frente às canetas e às câmaras fotográficas dos jornalistas. Fechavam-se praças emblemáticas da cidade para lançamentos exclusivos de modelos de automóveis, ou de qualquer outro produto pouco relevante para a vida de quem vivia na cidade.
Os prédios devolutos, emparedados, sentenciados à morte, também tinham o mesmo chulo – apesar de decadentes, vestiam-se de alta costura com telas gigantescas de publicidade, a troco de um punhado de euros em taxas municipais.
Os jardins da cidade já não tinham Internet ou esplanadas (mas por outro lado, tinham eventos patrocinados por marcas de refrigerantes e quiosques de mau gosto explorados por marcas de gelados), e os Parques Infantis, como por exemplo o da Mata de Alvalade, há um ano e meio que se esforçavam por ferir gravemente uma criança, abrindo os noticiários das 20h00.
O lixo continuava espalhado pelas ruas; às vezes, cheirava a urina em esquinas e becos. Os buracos da calçada cresciam enternecedores um pouco por toda a parte e faziam as delícias das farmacêuticas que produziam pomadas para entorses e ligaduras.
As árvores dos jardins, das avenidas e das ruas continuavam a morrer de pé. Os carros, esses, os mais importantes habitantes da cidade, continuavam a estacionar onde lhes apetecia: passeios, passadeiras, curvas, segunda e terceira fila, porque quando António Costa falara em “tolerância zero foi só para ficar bem nas letras gordas dos jornais.
E, por falar em carros, neste caso, na falta deles, havia até um Largo em Lisboa, dos mais bonitos de Lisboa, faça-lhe essa justiça, que continuava barricado por blocos de cimento e quatro elementos da Polícia Municipal. O Largo do Intendente (que se acaso não tivesse estoirado os miolos, não hesitaria em ver tamanha desgraça e decadência) continuava apartado do resto da cidade, como um filho bastardo, como um animal ferido, com putas, droga, e lixo, apesar de, ironicamente, esse mesmo largo pagar mais imposto municipal à cidade de Lisboa do que um qualquer T2 com garagem e arrecadação, em Telheiras, devido à sua alegada “localização extraordinária”.
Mas voltando ao início deste conto de Natal.
Era uma vez uma operadora de telecomunicações que, passeando por Lisboa, se lembrou de pintar o Natal de turquesa. Estávamos no ano de graça de 2008. Falou-se com marketeers, publicitários, assessores, vereadores e com o presidente da câmara.
E fingiu-se um concurso público, autorizaram-se decorações de mau gosto, desproporcionadas, da cor turquesa, sem qualquer projecto de arquitectura ou parecer das autoridades competentes pelo Património.
Prometera-se o mais brilhante Natal de sempre na cidade que nasceu em frente ao Tejo. E as coisas estão tão difíceis este Natal, que a promessa de recriar nas sete colinas de Lisboa o espectáculo de luz e cor pelas mãos daqueles que fazem o Natal nas ruas de Paris, a custo zero, terá bastado.
Tudo isso se escreveu nos jornais.
Mas que Lisboa se prostituíra mais uma vez, a troco de um punhado de euros, ninguém ousara dizer.
N.R. - Como sempre, gosto de relembrar que fui assessora de imprensa (ainda que por escasso mês e meio, entre Abril e Maio de 2007) do Gabinete do Vereador António Prôa, responsável pelos Pelouros dos Espaços Verdes, Espaço Público, Ambiente e Gestão Cemiterial, no mandato do Professor António Carmona Rodrigues.
Qual é a alternativa? Gastar rios de dinheiro com enfeitos de natal em vez de deixar que a publicidade os pague? Visto que a CML tem mais dívidas do que dinheiro, quem paga? Oferece-se a autora deste post para contribuir?
ResponderEliminar"..parecer das autoridades competentes pelo Património."
ResponderEliminarDesculpe....autoridades parece que existem, mas competentes ?
A actual vereação tem tido o mérito de provar que as anteriores, más, não foram assim tão más.
ResponderEliminaranonimo das 1.25. Por favor tenha piedade de nós.Estes são maus,muito maus, mas os outros foram péssimos. O psd e seus derivados foram um atentado á cidade.
ResponderEliminarNão, filipe melo sousa, claro que não, por amor de Deus, que proposta tão descabida... O melhor é mesmo mudarmos o nome de Lisboa para Vila-TMN, instituir como traje obrigatório as vestes dos reis magos e andar a cantar o seringai!
ResponderEliminarDiana Ralha, parabéns pelo que escreve. Foi pena essa vereação ter durado pouco. Mas como em tudo neste país miseravel de invejosos e ressabiados, quem é bom é corrido a pontapé...
O João Silva não respondeu à questão: quem paga?
ResponderEliminarÉ tão fácil atirar com pedidos de gastos públicos...
Olá meu caro Filipe, desculpe a demora em responder ao seu comentário (tipas grávidas de 9 meses não têm tanta disponibilidade para blogues).
ResponderEliminarA TMN gastou (diz a TMN, através da imprensa, que nada questiona) 3 milhões de euros nesta grande operação de "luz e cor" da cidade de Lisboa.
Note-se que a autora deste post gosta de decorações de Natal - gajas com a mania que são Marta Stewarts... Mas compreende que as coisas não estao fáceis, que há mais do que fazer com 3 milhões de euros (nunca a CML gastou, porém, 3 milhões em luzes de Natal; penso que em 2006 gastou-se 1 milhão, mas quando a VW colocou umas bolas na Avenida da Liberdade caiu o Carmo e a Trindade, mas isso era antes, quando tudo era um escândalo e quando o Zé fazia falta...).
Sabe, a minha mãe beirã tem um ditame que me segue sempre e que se aplica a este caso (correndo o risco de ser censurada aqui na caixa de comentários porque vou dizer uns palavrões): " Para puta e mal paga mais vale ser mulher honrada".
E é isso que eu gostava que Lisboa fosse - uma mulher honrada, que não se vendesse ao desbarato, sem qualquer contrapartida, que se mantivesse sempre mui nobre e leal, como dizem as suas armas.
Em relação aos outros comentadores, digo apenas isto, que já foi dito sem muito eco: a única coisa que mudou na CML foi o silêncio dos órgãos de comunicação social, que já não pedem cabeças a rolar a cada edição saída da gráfica...