13/01/2009

Prédio de quatro andares em risco de cair em cima do elevador do Lavra há quatro anos

In Público (13/1/2009)
José António Cerejo

«Vizinhos temem sobretudo um incêndio provocado pelos sem-abrigo que dormem no interior. Câmara promete medidas desde 2004, mas nada fez até hoje


"Tenho mais medo que ele pegue fogo do que caia", diz Emília Santos, uma moradora do prédio ao lado. "Ele" é um edifício de quatro andares que parece estar a enrolar-se sobre si mesmo à espera de cair sobre o elevador do Lavra - o monumento nacional que sobe e desce a meio metro da fachada lateral do prédio.
Os "testemunhos" fixados nas paredes em 2004, quando a Câmara de Lisboa ordenou a evacuação dos dois andares ainda habitados, certificam o que não carece de certificação: as fendas que rasgam as fachadas de alto a baixo não param de alargar. Basta olhar para ver. A estrutura delgada, encavalitada na encosta - mesmo por baixo das ameaçadoras muralhas também elas fissuradas, imagine-se, do Comando Distrital de Operações de Socorro de Lisboa -, dá a ideia de se inclinar para o prédio contíguo, o de Emília Santos, no interior do pátio que dá acesso a ambos. Lá dentro, passando o arco de entrada no pátio da antiga vila, com o número 18 da Calçada do Lavra, percebe-se que os passageiros da Carris podem ter mais a temer do que os velhos vizinhos.
Para estes, o perigo que sentem mais próximo chama-se fogo, até porque nos últimos dias não têm faltado notícias de incêndios em casas, provocados por descuidos de ocupantes enregelados. "A PSP já cá veio duas vezes tirá-los lá de dentro, mas eles voltam sempre. Entram pelas janelas", queixa-se Emília Santos.
"Se a câmara fizesse a sua obrigação, já tinha tapado as portas e janelas e não entrava ninguém", acusa um vizinho do mesmo prédio. Os tijolos no chão da calçada, por baixo da janela mais baixa, mostram por onde entra o medo que alastra na rua.
Mas também há quem esteja mais atento às fissuras e barrigas do prédio. "Não tenha dúvidas. Tenho medo de que aquilo me caia em cima. Tenho uma criança, tenho a minha família, tenho a minha vida cá dentro e não quero ficar sem nada por incúria de quem devia resolver o problema", confessa Pedro Penha, residente numa casa recentemente reconstruída, logo abaixo do número 18.
Os restos das fitas de interdição de passagem colocadas no Verão passado pela Polícia Municipal no interior do pátio mostram que o risco é conhecido na Câmara. E as fotos que os vizinhos conservam indicam que em Fevereiro de 2008 foi afixado na porta um edital a notificar os proprietários (não identificados) de que, por despacho do vereador Manuel Salgado, a câmara ia tomar posse administrativa do prédio para "execução coerciva das obras de demolição".
Só que, desde então, nada aconteceu. "Já não foi a primeira vez. Eles vêm aí, mas não fazem nada", lamenta Emília Santos, mostrando a cópia da sua última queixa nos serviços da câmara, em 30 de Junho de 2008. "Vieram cá depois dois engenheiros, olharam para isto e só me disseram que o prédio não é da câmara."
Na memória dos moradores há pelo menos mais dois editais, um de 2004, logo que o prédio foi despejado por falta de segurança, e outro de 2006, a intimar os proprietários a fazer obras. Até agora nem o o dono nem a câmara as fizeram. E o medo não pára de crescer entre os vizinhos.
Sem que isso a alivie, Emília Santos aponta o prédio fronteiro, do outro lado da calçada. "Está na mesma, foi desocupado há dois anos e também está a cair." Por cima da porta uma placa em pedra indica o nome do dono: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.»

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