In Público (6/3/2009)
Ana Henriques
«Vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, diz que Câmara Municipal de Lisboa
não autorizará demolição integral do edifício pretendida pelo seu proprietário
Foi o atelier do conceituado arquitecto Vasco Massapina que fez o projecto que implica a demolição da moradia do Restelo de onde foram arrancados painéis de Almada Negreiros há cerca de duas semanas.
O seu filho João Massapina, de 34 anos, é quem assina o projecto de substituição da vivenda dos anos 50 - que o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) entende ser de preservar, devido à sua qualidade arquitectónica e às obras de arte que integra - por uma nova moradia.
Na memória descritiva que entregou na Câmara de Lisboa no final de Janeiro o arquitecto não faz qualquer alusão ao valor do imóvel, nem aos trabalhos de Almada Negreiros que ele incorpora. Nas escassas linhas que dedica à casa, explica que "o estado geral da construção é pré-ruína" e que se verificam "episódios de fendilhação grave ao nível estrutural que indiciam assentamentos de fundações". A esta situação acrescem ainda "problemas de infiltrações provenientes da cobertura e situações de podre nas paredes do piso zero".
Ainda de acordo com a memória descritiva, a nova moradia terá "uma volumetria idêntica à existente". Mas não é isso que refere uma ficha para efeitos estatísticos preenchida na câmara também por Vasco Massapina, onde fica claro que os 900 metros cúbicos da casa dos anos 50, desenhada por António Varela, passam para 2254 no seu projecto. A autarquia ainda não se pronunciou sobre o projecto, estando à espera que o Igespar lhe remeta o parecer que lhe pediu sobre a matéria.
Quem já se pronunciou foi a Ordem dos Arquitectos, que lançou ontem uma petição on-line (www.PetitionOnline.com/Alcolena/petition.html) para salvar a casa daquilo que considera ser "um atentado à memória, património e arquitectura portuguesas".
"É uma obra maior da arquitectura do movimento moderno", diz a petição. "Tem sido listada, inventariada e estudada em diversas investigações de carácter nacional e internacional". Por isso, a Ordem pediu à vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa, Rosalia Vargas, que inicie o seu processo de classificação como bem cultural de interesse municipal. É igualmente essa, de resto, a opinião do Igespar, que sugeriu exactamente o mesmo à autarquia.
Apesar do seu arranque parcial, os painéis de Almada Negreiros são indissociáveis da casa onde se encontram, concordam a Direcção Regional de Cultura e a Ordem. A petição explica que neste trabalho António Varela "desenvolve com assumido radicalismo um volume puro, cúbico, afirmativamente colocado no alto do terreno, desmaterializado através do jogo de vazios, de avanços e recuos dos planos de fachada, com rigorosa geometria plasticamente trabalhada". É precisamente na fachada que estão os painéis de Almada Negreiros, "coerentes testemunhos das pesquisas sobre o número e os traçados geométricos que o genial pintor vinha investigando". Encabeçam o abaixo--assinado dois nomes de peso: João Rodeia, ex-presidente do Instituto do Património Arquitectónico, e Ana Tostões, uma das grandes especialistas na arquitectura portuguesa deste período.
Azulejos sem mazelas
Mas a Câmara de Lisboa ainda não tomou uma decisão sobre o assunto, que está a analisar desde o arranque dos azulejos. Uma vistoria ao local efectuada anteontem por técnicos camarários encontrou os azulejos arrancados da fachada e depositados no interior, aparentemente sem grandes mazelas. O município propôs ao proprietário dos painéis que ficassem à guarda do Museu da Cidade, para avaliação do estado de conservação e garantia de segurança.
"Pedimos ao departamento jurídico para se pronunciar sobre a eficácia de uma classificação a posteriori", diz o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado. O autarca adianta que a demolição integral do edifício pedida pelo seu novo dono, a sociedade imobiliária Soindol, não será autorizada pela autarquia, até porque a moradia foi incluída há vários anos no inventário municipal do património. O mesmo departamento jurídico irá ainda pronunciar-se sobre outra questão: as implicações de a Soindol ter comprado a vivenda sem os painéis da fachada. É pelo menos isso que consta do contrato-promessa de compra e venda, embora a escritura não mencione esse facto. "O comprador não está interessado nos azulejos. O vendedor [a imobiliária Principado do Restelo] quer retirá-los para os colocar noutra casa sua", descreve o vereador.
Foi para a Soindol, que pertence a dois filhos de Vítor Santos, conhecido também por "Bibi" - construtor civil que tem dívidas ao fisco superiores a um milhão de euros e se destacou há alguns anos por ligações ao Benfica - que o Atelier Cidade Aberta - Massapina e Arquitectos Associados fez o novo projecto.
Vasco Massapina, de 62 anos, é membro do conselho consultivo do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar, antigo Ippar), É, com Cláudio Torres e Tomás Taveira, uma das individualidades escolhidas para este órgão pelo Ministério da Cultura pela sua competência na área da defesa do património. Foi conselheiro do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, presidente do conselho directivo do Sul da então Associação dos Arquitectos Portugueses e vice-
-presidente da Ordem.
Do seu currículo faz ainda parte a direcção da Federação Internacional de Urbanismo e Ordenamento do Território e a participação, como perito, no comité consultivo para a formação no domínio da arquitectura na UE. Massapina foi uma das figuras que fizeram parte da comissão de honra da candidatura de António Costa à Câmara de Lisboa.
O seu Atelier Cidade Aberta, onde desde 2000 trabalha também o seu filho João Massapina, existe há três décadas, e tem sido responsável por projectos em Lisboa, Oeiras, Seixal, a reabilitação de Cacilhas, Vilamoura e Viana do Alentejo. O PÚBLICO tentou obter junto de Vasco Massapina explicações sobre o seu projecto no Restelo, mas este recusou--se a dá-las: "O assunto está na praça pública e não vou falar sobre ele". Certo é que o projecto passa por substituir a antiga moradia, aumentando o estacionamento de dois para dez e criando uma área de ginásio subterrânea. Se vier a ser aprovado pela autarquia e pelo Igespar - o que é pouco provável (ver texto principal) - o novo edifício terá a mesma altura que o existente, nove metros, mas um volume maior. O que tem consequências na ocupação do jardim que rodeia a casa: a superfície permeável do terreno desce de 1078 para 847m2. »
São de facto boas notícias. Ai, mas é preciso os cidadãos barafustarem. Este trabalho de casa devia ser feito por quem de direito. Uma pergunta: que anda a fazer o sr.MC?
Essa é realmente a questão de fundo em todo este caso: o que andaram a fazer as pessoas que, de direito, deveriam ter parado o processo logo à nascença. Falo, em primeiro lugar, do gabinete de arquitectura - um arquitecto responsável e com brio não faz um levantamento historigráfico de uma obra que vai substituir?! A Ordem dos Arquitectos pronunciou-se contra mas o que vai fazer em relação a este profissional inscrito na sua lista de arquitectos e que, claramente, só se interessa em fazer Euros?Não violou este senhor o código deontológico?
ResponderEliminarOs técnicos da CML só se aperceberam desta situação porque os cidadãos - e devo dizer este blog e outra comunicação social forma essenciais - se insurgiram contra mais este atentado à nossa memória! Que grau de competência se lhes pode atribuir? Como podemos confiar neles noutras situações semelhantes.
E o IGESPAR, como classificar a sua actuação neste caso? Completa negligência! Como podemos confiar nesta instituição onde parece imperar tamanha falta de gente expedita e principalmente depois das notícias que vieram a lume sobre os verdadeiros - mas escondidos - parâmetros de actuação.
Valeu mesmo a pena ler. Deve ser uma síntese da sociedade contemporânea portuguesa. E sinceramente, quase que vomitei.
ResponderEliminarResta dizer que, há "arquitectos" para tudo....mas estes tipos passaram-se! Que nojo !
Realmente, o papel do arquitecto, tem que ser muito mais do que o de um simples "fazedor" de projectos, independentemente da sua maior ou menor qualidade.
ResponderEliminarÉ imperativo que a nossa classe comece, de uma vez por todas, a assumir o papel que lhe compete na defesa do património construído e de parar com esta guerra infâme e destrutiva da ganância de agarrar a qualquer preço, seja que projecto fôr.
Nas escolas superiores tem que ser criada, com carácter de urgência, a disciplina de civilidade!
E chamem-me velho do Restelo á vontade por não querer que, sob certos aspectos, a cidade seja... "dinâmica".
"Vasco Massapina, de 62 anos, é membro do conselho consultivo do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar, antigo Ippar), É, com Cláudio Torres e Tomás Taveira, uma das individualidades escolhidas para este órgão pelo Ministério da Cultura pela sua competência na área da defesa do património."
ResponderEliminarSinceramente...tanta falsidade e hipocrisia!
Claro que com "individualidades" destas no conselho consultivo da entidade escolhida para defender o nosso património edificado, este país está a saque. O que as escolas de arquitectura necessitam, são cursos intensivos de ética e moral...porque o nível já está mais baixo que o rabo da cobra. HAJA VERGONHA !
Caro Alexandre Marques Cruz, por acaso houve na CML quem alertasse para a situação. E apresentasse uma proposta para salvar a casa como um todo (e não só os azulejos). Coincidência, no dia seguinte, os azulejos foram retirados, "acordando" CML e Jornais.
ResponderEliminarEstá a ser feita uma petição online à CML para a abertura de um processo de classificação de património municipal da casa da rua de Alcolena nº28/44.
ResponderEliminarDeixo o endereço:
http://www.petitiononline.com/mod_perl/signed.cgi?Alcolena&1
Tudo COMADRES:
ResponderEliminarCARLOS LOPESxVITOR SANTOS"BIBI"xMASSAPINA...
Vou ficar sentado à espera do desfecho.
A ganância e a ausência de ética imperam nas "conceituadas" empresas de arquitectura, sim, mais empresas que arquitectos. E são "conceituados" porque não existe em Portugal crítica da arquitectura que se faz, só textos laudatórios em revistas e jornais.
ResponderEliminarMuitos destes arquitectos GURUS, do sector da construção civil mas com conversa de poetas, são autênticos CARRASCOS DO PATRIMÓNIO: são chamados pelos especuladores e construtores sempre que é preciso destruir ou descaracterizar, calando a dita opinião pública.
"A ganância e a ausência de ética imperam nas "conceituadas" empresas de arquitectura"
ResponderEliminar....e pelos vistos "quase" dentro do próprio IGESPAR !
Caso o Sr Arq Vasco Massapina tivesse caracter e vergonha na cara devia demitir-se de um orgão como o conselho consultivo do IGESPAr, mas ele afinal é como todos os outros que querem é meter o mais possivel ao bolso,
ResponderEliminarConforme verificamos ontem (20090308) na RTP2, estão a intervir na comunicação social para pressionar a execução do novo "monstro à beira Tejo" para museu dos velhos coches.
ResponderEliminarÉ uma questão de falta de cultura dos nossos governantes permitirem estas aberrações.
E é uma questão de "incultura" da nossa parte nada fazermos para o impedir.
Podemos, pelo menos, SUBSCREVER ESTAS PETIÇÕES:
http://www.gopetition.com/petitions/salvem-o-museu-dos-coches.html
http://www.petitiononline.com/Alcolena/petition.html
Ai valha-me Deus!!!!
ResponderEliminarEstamos entregues aos bichos...
E não consigo dizer mais.