In Público (17/1/2010)
«A operação de requalificação do Príncipe Real, em Lisboa, classificada pelos especialistas como "minimalista" e por parte dos críticos como "descaracterizadora", levanta um problema hoje corrente nas sociedades urbanas: a participação. Para já, o Príncipe Real revelou-se um "não caso", mas poderia ter sido uma oportunidade para elevar o sentido da cidadania. Por Ana Vaz Milheiro (texto) e António Borges (foto)
Agora que a polémica em torno da intervenção na Praça do Príncipe Real parece ter sido ultrapassada, o que vai afinal acontecer àquele espaço histórico de Lisboa? Esta é a questão que deveria ter sido respondida antes de se terem iniciado as obras de requalificação neste lugar emblemático.
A opinião é partilhada pelos principais responsáveis pelo projecto, os arquitectos paisagistas Fátima Leitão e João Rocha e Castro. A primeira como autora e o último enquanto chefe de divisão de Estudos e Projectos da Direcção Municipal de Ambiente Urbano da Câmara Municipal de Lisboa. Os dois acederam em explicar ao Cidades a estratégia seguida pela proposta de requalificação, concluída em Abril de 2009 e actualmente em curso. A proposta é resultado do trabalho de uma equipa formada a partir de quatro divisões municipais, abrangeu diversas áreas disciplinares como a arquitectura paisagista, a agronomia ou a engenharia florestal. E a mobilização de importantes meios camarários decorreu do significado urbano desta praça, com vista privilegiada sobre a cidade, localizada numa das suas áreas mais qualificadas.
A Praça do Príncipe Real ou Jardim França Borges tem a sua forma actual desde 1869, devendo-se o seu traçado ao jardineiro João Francisco da Silva. O lugar é consequência de uma série de transformações. Durante o século XVIII, por exemplo, funcionou ali uma lixeira e, por altura do terramoto, serviu de acampamento para regimentos militares. Também ali se celebrou a primeira missa da Patriarcal de Lisboa, que viria a arder em 1769. Mais recentemente, depois da construção do reservatório de água, na década de 60 do século XIX, recebeu o nome que tem hoje e iniciou-se a construção do actual jardim, que respeitava os padrões daquele tipo de equipamento urbano, muito característico nas cidades oitocentistas europeias, e que ficou vulgarmente conhecido como "jardim romântico": um tabuleiro central organizado em torno do lago do reservatório, com canteiros recortados segundo um esquema "orgânico" (mais livre), sobre um tapete pavimentado de asfalto (originalmente foi utilizado saibro).
Os lódãos
O jardim rapidamente se transformou num espaço privilegiado de "recreio" e "lazer" entre os habitantes da capital. Hoje, a Praça do Príncipe Real é ocupada por diversas actividades, desde a montagem semanal do mercado de produtos biológicos ao sábado de manhã, passando pelas sazonais feiras de artesanato e de alfarrabistas e velharias. Possui, portanto, um público bastante alargado, não apenas composto por residentes da área. Foi esse público que se manifestou contra os primeiros abates de árvores que se registaram no arranque das obras durante o final do mês de Novembro. No centro da discórdia estava a substituição dos choupos que ladeiam o tabuleiro central por outra espécie de árvores - lódãos -, mais adequadas, segundo os projectistas, à tipologia do jardim pré-existente. Esta opinião foi confirmada por diversos especialistas, caso de Gonçalo Ribeiro Teles.
Mas seria a arquitecta paisagista Aurora Carapinha, da Universidade de Évora, a defender as opções do projecto, em parecer de 26 de Novembro, procurando responder à polémica entretanto levantada: "Consideramos a espécie arbórea escolhida lódão (Celtis australis) acertada" à situação do jardim, "ao contrário dos choupos (Populus nigra) existentes, mais apropriados para zonas baixas, húmidas. Também a forma, cor, densidade da canópia do lódão são atributos que qualificam esta árvore como uma boa escolha para alinhamento e arruamento". É ainda Fátima Leitão quem explica ao Cidades que os choupos, "ao fim de 30-40 anos, começam a apodrecer e a deixar cair pernadas", situação que já se verificava no Príncipe Real. A arquitecta paisagista lembra igualmente que a configuração actual dada pela presença dos choupos é relativamente recente, não tendo ainda cumprido as três décadas.
Estes esclarecimentos, talvez pelo seu teor mais técnico, não pacificaram imediatamente as críticas. Na petição on-line lançada no início de Dezembro, depois de distribuído o folheto produzido pela câmara, colocado nas caixas de correio dos moradores da zona, que insistia no carácter qualificador de toda a operação, podia contudo ler-se: "Ora o que se está a verificar, duas semanas após o início da requalificação, é a descaracterização do antigo jardim romântico à inglesa (...), tendo sido (...) cortadas algumas das árvores centenárias em torno do lago. Temos sérias dúvidas se (...) mereciam tal sorte pois não apresentavam sinais de doença nem muito menos de estarem sem vida. "
É por isso que a parte mais importante do parecer de Aurora Carapinha seria precisamente a sua posição perante a concepção geral da intervenção, ao classificar a proposta como "minimalista", por não anular "a historicidade do jardim nem o seu valor de património paisagístico". Esta é também a convicção de João Castro: "Aqui reabilitação é a palavra correcta ou mesmo, até, restauro."
A estratégia seguida pela projectista, e apoiada pelo chefe de divisão, parte de três acções muito objectivas: "Manter o testemunho do passado; evitar o desenho (que se sobreponha ao seu traçado histórico); e promover uma manutenção fácil." Já Fátima Leitão especifica as decisões tomadas: "Manter a estrutura de canteiros e caminhos, substituir o pavimento por saibro estabilizado, substituir a iluminação e o mobiliário urbano danificado (bancos, mesas de jogo, etc.), reparar as valetas e tampas em pedra e recuperar a vegetação existente, eliminando alguns arbustos."
Algumas destas soluções, como a reintrodução do saibro ou a opção por regrar a iluminação pública (ao invés de deixar os diferentes modelos de candeeiros que hoje coexistem), foram anteriormente testadas num jardim próximo: o miradouro de São Pedro de Alcântara. Este pode muito bem servir como exemplo a quem deseje antecipar como será o "novo" jardim do Príncipe Real. Genericamente, garante Fátima Leitão, não será muito diferente do que é actualmente. Talvez um pouco menos "ensombrado" depois de feitas as "correcções" no arvoredo. Seguiram-se aqui, segundo João Castro, as boas práticas de intervenção em lugares patrimoniais: "Tudo é reversível pela simplicidade da requalificação."
Os projectos anteriores
De onde surgiu então toda a polémica? É provável que a memória de outras tentativas de intervenção tenha pesado. Esta é a terceira vez que o jardim é objecto de um projecto de requalificação.
A primeira passava por abolir o tabuleiro central, ligando-o ao edificado adjacente através de um pavimento uniforme. Esta opção foi na época considerada demasiado "intrusiva" por descaracterizar o sentido do desenho primitivo.
A segunda previa a construção de um parque de estacionamento subterrâneo sob a via, com entradas laterais à praça que isolavam o tabuleiro tornando-o uma "ilha" e causando um significativo impacto paisagístico e de enquadramento urbano. Este projecto, desencadeado há cerca de cinco anos, geraria grande contestação, motivando igualmente uma petição pública. Os próprios projectistas envolvidos tinham dúvidas quanto aos princípios adoptados e na época consideraram válidos os protestos por terem permitido rectificar um processo no qual não depositavam certezas absolutas.
O caso agora é diferente. Os seus autores insistem em qualificar a intervenção como "recuperação parcial", uma vez que "não se altera a forma ou o conteúdo funcional do jardim", como se pode ler no programa de requalificação. Alguns aspectos não serão sequer intervencionados, como o parque infantil ou o pavilhão da cafetaria. E a peça mais emblemática do conjunto - o caramanchão que suporta o cedro do Buçaco (Cupressus lusitanica) - só verá a sua estrutura de ferro recuperada de modo faseado de maneira a não prejudicar a sobrevivência da árvore.
Para lá dos aspectos mais demagógicos envolvidos em torno do abate de algumas árvores, cuja manutenção seria altamente improvável, como manifestaram vários especialistas, o exemplo da Praça do Príncipe Real coloca um tema caro às sociedades europeias contemporâneas: o problema da participação pública nas decisões de planeamento das cidades. Demonstra como as populações estão dispostas a accionar os meios de intervenção disponíveis com o objectivo de travarem operações sobre as quais recaem dúvidas. Conseguindo-se evitar o populismo de que estas acções também padecem, é possível garantir uma participação mais informada. Para já, o Príncipe Real revelou-se um "não caso", mas poderia ter sido uma oportunidade para elevar o sentido da cidadania.
Ana Vaz Milheiro é crítica de arquitectura»
...
Eu diria que este é um não-artigo, e não chego a perceber nem a oportunidade nem a intenção da autora, pessoa, aliás, que muito prezo.
É que pareceres pró-intervenção só conheço dois, os do Arq. Ribeiro Teles e da senhora arquitecta de Évora.
Não há pareceres tornados públicos das entidades que deviam opinar sobre ele, i.e., nem do Lab. Patologia Vegetal Veríssimo de Almeida (para atestar da doença - e que diabo, já era tempo dos nossos especialistas em podas e abates consultarem a vasta informação disponível na Net, por esse mundo fora, uma vez que por lá não faltam conselhos sobre tratamento de árvores doentes - dos pobres dos vilipendiados choupos e não só, uma vez que não foram só choupos a serem abatidos), nem da Autoridade Florestal Nacional (que deve existir por lei, uma vez que a intervenção da CML ocorreu em local onde existem árvores classificadas - aliás, pelo que se sabe, a AFN apenas foi contactada e respondeu verbalmente, e quando se deslocou ao local foi-o por causa, imagine-se, do projecto de reestruturação dos caminhos, etc., e não sobre qualquer abate de árvore) e o parecer do IGESPAR teve as trocas e baldrocas que todos sabemos, graças aos artigos que foram aparecendo nos jornais.
Por outro lado, "restauro" não quer dizer colocação de bancos em alumínio, ou quer? "Restauro" não quer dizer destruição dos sumidouros antigos dos percursos, ou quer? "Restauro" não quer dizer destruição de dois espaços verdes do lado norte para colocação das tendinhas do mercado biológico, ou quer? "Restauro" não quer dizer colocar-se uma escavadora de toneladas sobre a patriacal (que foi retirada para outro local depois de chamada a atenção!), ou quer?
Por fim, este projecto no Príncipe Real pode estar cheio de boas intenções e o resultado ser magnífico daqui a 30-40 anos (altura em que teremos copas frondosas nas árvores que hão-de ser plantadas na bordadura do jardim), mas é dos mais reles processos de governança praticados pela CML, só comparável ao hediondo abate de 153 plátanos no Campo Pequeno, nem há meia-dúzia de anos.
A CML não aprende, mesmo, sobre o que é debate público. Trata as pessoas como seres amorfos e, pior, quando confrontada com a realidade resolve fazer delas tontas.
E, cara Ana Vaz Milheiro, bastava ter falado com qualquer dos lisboetas que protagoniza(ra)m, honestamente e sem segundas intenções, o protesto para ficar a saber que a polémica continua, mesmo que as árvores tenham desaparecido.
"as "correcções" no arvoredo".... significa deitar abaixo árvores centenárias em bom estado!? Lisboa agradece!
ResponderEliminar"o miradouro de São Pedro de Alcântara. Este pode muito bem servir como exemplo a quem deseje antecipar como será o "novo" jardim do Príncipe Real."
E já agora Srs. e Sras. paisagistas dêem uma vista de olhos em fotografias antigas do miradouro e comparem com o que lá está hoje (se calhar também foi restauro ?)
Penso que teria sido honesto e importante da Parte de Ana Vaz Milheiro ter assinado o artigo não só como crítica de arquitectura mas como elemento da comissão de honra da lista Cidadãos por Lisboa que integrou o PS, Lisboa é Muita Gente e o Movimento de Helena Roseta.
ResponderEliminarE a pergunta é incontornável: o que motivou Ana Vaz Malheiro a escrever sobre este assunto de uma forma tão positiva?
Sr. Paulo Ferrero,
ResponderEliminarNotável. Apenas os artigos que vão ao encontro da sua opinião são bem escritos e isentos, os outros...
Não lance mais confusão que até já consta que o sr. está a soldo de alguém...
Bancos de alumínio? onde é que viu essa? e os canteiros na rua também fazem parte do jardim?
Se tem dúvidas aja. Não fique apenas a lançar suspeitas.
Rui Lérias, só se pode escrever de forma...negativa?
ResponderEliminarSe for positiva gera "perguntas incontornáveis"? E se for de forma negativa, gera perguntas...contornáveis?
O artigo do público é um "não artigo", a seriedade da senhora que o escreveu (sem ouvir aqueles que criticam a intervenção) é uma "não seriedade", o projecto de restauro (curiosamente é a primeira vez que oiço o termo restauro neste processo) é um "não projecto de restauro", a opinião dos principais responsáveis pelo projecto é uma "não opinião", e neste momento o que eu já começo a desconfiar é se o (tão falado mas nunca visto) projecto de requalificação do Jardim do Príncipe Real existe de facto ou é ainda um "não projecto".
ResponderEliminarRF,
ResponderEliminarNunca ouvi um critico de cinema em vez de ir ao filme falar com o realizador ou uma critica de gastronomia em vez de provar a comida ir falar com o cozinheiro.
Foi isso que AVM fez. Em vez de ver a obra feita ou - visto que ainda não está feita - consultar o processo, foi falar com os autores. E foi também falar com as pessoas que acusa de serem demagogas e populistas? Não.
Deduzo portanto que AVMalheiro concorda com a plantação de Robinias pseudoacacias, conforme o projecto mas proibidas em Portugal, que concorda que a CML continue a sonegar documentos importantes que nem a oposição democraticamente eleita teve ainda acesso, muito menos os cidadãos que também têm o direito de consulta.
Deve concordar também que numa obra que chama de "restauro" os bancos originais desapareçam para parte incerta para virem a ser substituídos por bancos de alumínio. De facto bancos de alumínio e romantismo têm tudo a ver.
Deve concordar também que se atropele a lei e não se peça à Autoridade Florestal Nacional parecer obrigatório antes de iniciar as obras - e até hoje.
Deve concordar com o transplante de uma palmeira em pleno inverno, contrariando todas as indicações técnicas. A palmeira morreu, claro.
Deve também concordar que a antiga casa do jardineiro não seja restaurada - mas afinal trata-se de um exemplar caso de restauro ou não? - e continue a servir de casa de banho da esplanada.
Sejamos frontais. AVMalheiro ou foi incompetente para escrever este artigo de 'crítica de arquitectura' ou está a fazer um frete político. Nenhum arquitecto pode concordar com os atropelos da lei desta obra, nem com a violação do carácter do jardim e vir escrever que se trata de um 'não caso'.
Se concorda que se plantem árvores ilegais, que se viole a lei e não se peça parecer à AFN, que se retire do projecto em consulta as páginas que descrevem as àrvores a abater, que se sonegue o suposto parecer positivo do IGESPAR que ainda não se encontra para consulta em lado nenhum, é uma arquitecta, digamos, pouco ortodoxa.
Na minha opinião, ou foi negligente ao elaborar o artigo, não se informando, ou foi incompetente por não saber quais as obrigações a cumprir que não estão a ser cumpridas ou está a fazer frete político.
Ela tem direito de opinião. Mas não tem direito a mascarar a farsa que é o seu artigo de 'crítica de arquitectura'. Não tem direito a não informar quem a lê de qual a sua relação com o executivo camarário, e não tem direito de acusar quem combate as várias ilegalidades neste processo de demagogia ou populismo.
Choca-me que alguém desbarate o seu bom nome profissional desta forma. Mas foi o que AVMalheiro fez.
Se ela não foi capaz de encontrar nada de negativo nesta intervenção ou é cega ou está muito mal informada. Em todos os casos, na minha opinião, foi incompetente para assinar um artigo de 'crítica de arquitectura' onde se espera isenção. Tratou-se de um artigo de opinião onde não teve qualquer pejo em ofender quem, como eu, no uso dos seus direitos democráticos e com elevado sentido de cidadania, tem aturado as tentativas de denegrir quem se atreva a criticar o que se passa para defender a causa pública e o correcto funcionamento das instituições.
Este comentário parece-me importante: (o jardim será) menos "ensombrado" depois de feitas as "correcções" no arvoredo'. O carácter ensombrado é precisamente o que garante a natureza romântica do jardim. Eu temo que este projecto reflicta essa estética agressiva com que a camâra quer tornar tudo 'limpo', 'seguro' e 'fácil de manter', valores por excelência desta geração de tecnocratas pequeno burgueses.
ResponderEliminarATP
Caro ATP,
ResponderEliminarÉ sem dúvida isso que está em causa. Veja-se a suposta excelente intervenção no Jardim de São Pedro de Alcantâra. Aquilo deixou de ser um jardim, não há nem relva, nem canteiros, nem arbustos. Existem apenas árvores e a poeirada do novo e "maravilhoso" piso. De um jardim passou a uma praça sem carros.
Mas acima de tudo, tornou-se muito mais barato, assim como é mais barato cortar as árvores de alinhamento no Príncipe Real todas de uma vez. Usem esse argumento abertamente. Não venham é querer chamar de parvas às pessoas com falsas justificações de supostas doenças e perigos para os peões e com "restauros".
Mas muito bem apontado por si a questão do 'arejamento'.
Deixa de haver habitat para aves. Qual foi a última vez, por exemplo, que se viram pardais nos jardins centrais de Lisboa? A cidade está a tornar-se estéril, precisamente no ano internacional da biodiversidade.