In Sol Online (12/4/2010)
Por Luís Rosa*
«Escutas ao arguido Paiva Nunes dão ao MP novos indícios de crime, relacionados com obras do Ministério da Justiça
O concurso para a construção da nova sede da Polícia Judiciária (PJ), em Lisboa está sob suspeita no processo Face Oculta. O Ministério Público (MP) de Aveiro confrontou Paiva Nunes no seu primeiro interrogatório como arguido, ocorrido a 13 de Novembro, com escutas telefónicas em que é referido o processo de construção da nova sede da PJ, avaliado em 90 milhões de euros. No final do interrogatório, o MP decidiu imputar ao ex-gestor da EDP suspeitas de corrupção e de participação económica em negócio.
Contactado pelo SOL, Almeida Rodrigues, director nacional da PJ, afirmou que «não se pronuncia sobre quaisquer investigações».
As suspeitas do procurador de Aveiro, João Marques Vidal assentam na escuta telefónica a uma conversa entre Paiva Nunes e um empresário chamado António Pontes, ocorrida a 3 de Setembro último, em que este revela um interesse antigo nas obras das novas prisões lançadas pelo Ministério da Justiça. E pede ajuda a Paiva Nunes para a obra da nova sede da PJ, solicitando-lhe que exerça a sua influência sobre João Castro, então presidente do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça (IGFIJ) – o instituto do Ministério da Justiça que gere as obras das novas prisões e da sede da PJ.
A conversa ocorreu numa altura em que os investigadores suspeitavam que alguns dos arguidos do processo Face Oculta sabiam que estariam sob escuta. Paiva Nunes é um deles – como acaba por demonstrar esta conversa com Pontes, em que o empresário pergunta ao ex-administrador da EDP, a certa altura, se quer falar por outro telefone.
Durante a conversa interceptada pelos investigadores, Pontes recorda a Paiva um pedido antigo de informações (que ainda não tinha sido concretizado pelo gestor da EDP) sobre as novas prisões e fala--lhe de uma nova obra: a sede da PJ «com mais de 80 mil metros quadrados de construção», como faz questão de enfatizar. Pontes quer saber as «condições» do IGFIJ. E Paiva Nunes responde-lhe que irá ver.
Pontes tinha lido em vários jornais a notícia da apresentação pública do projecto de remodelação da sede da PJ, feita no dia anterior (2 de Setembro), uma cerimónia a que presidiu Alberto Costa, então ministro da Justiça.
As informações solicitadas, nesta conversa, pelo empresário a Paiva Nunes estão relacionadas com os processos de contratação dos empreiteiros da nova sede da PJ e das novas prisões (Estabelecimento Prisional do Vale do Tejo e de Grândola, por exemplo), que foram declarados pelo Governo como «confidenciais» por razões de segurança do Estado, a 24 de Julho de 2008. Este facto faz com que apenas um círculo muito restrito de pessoas possam ter conhecimento desses documentos – e Paiva Nunes não está nesse grupo.
A classificação de «confidencial» dada a estes processos de obras permitiu ao Governo dispensar o concurso público e autorizar o IGFIJ a avançar para o ajuste directo, após ouvir três entidades devidamente credenciadas pelo Gabinete Nacional de Segurança.
Castro nega contactos
Em declarações ao SOL, João Castro negou que Paiva Nunes lhe tenha solicitado algo semelhante. «Ele nunca falou comigo sobre esse assunto. Não tive qualquer contacto telefónico ou pessoal com ele sobre esse assunto», afirmou.
O ex-presidente do IGFIJ disse conhecer Paiva Nunes desde os anos 90, quando este era vereador da Câmara de Sintra e Castro gestor do grupo Visabeira. «Mas não falo com ele há anos», acrescentou.
Confrontado com a existência de uma escuta telefónica entre o ex-administador da EDP e António Pontes – onde o seu nome é referido – , João Castro diz desconhecer o nome do empresário: «Nunca recebi nenhum tipo de pedido para favorecer qualquer empresa no concurso da PJ ou em qualquer outro procedimento de contratação».
O ex-presidente do IGFIJ fez questão de afirmar que «os convites para as construtoras participarem no procedimento da nova sede da PJ foram feitos no âmbito da delegação de competências do ministro da Justiça. E quem tinha a responsabilidade para aprovar esses convites era a tutela, ou seja, o sr. ministro da Justiça». Alberto Costa foi o ministro que lançou os projectos das novas prisões e da nova sede da PJ.
Questionado sobre se foi contactado por algum construtor antes ou depois da classificação de confidencialidade dos processos das novas prisões e da sede da PJ, João Castro respondeu: «Não me recordo de nenhum contacto prévio ou posterior com as construtoras que participam nesses procedimentos. Nestes lugares, passamos os dias ao telefone a falar com ‘a’ ou ‘b’, mas não me recordo de nenhum telefonema em particular».
O SOL tentou contactar Paiva Nunes, sem sucesso.
É confidencial, mas todos falam dele
A confidencialidade atribuída ao processo da nova sede da PJ não tem impedido o ministro da Justiça, Alberto Martins, e o director nacional da PJ de falarem publicamente sobre a obra. No final de uma visita organizada para a comunicação social, em Fevereiro, ao local onde será construída a nova sede (ao lado das actuais instalações, na rua Gomes Freire, em Lisboa), Alberto Martins afirmou que o procedimento de ajuste directo seria concretizado passados «três a quatro meses» – sendo esse o timing para o início das obras. Na mesma ocasião, o ministro explicou que a derrapagem sobre o valor do investimento inicialmente previsto – de 50 para 90 milhões de euros – devia-se a um aumento da área de construção, que passou de 20 mil para 40 mil metros quadrados.
O SOL questionou o Ministério da Justiça nas últimas semanas sobre este assunto, que respondeu: «Por resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2009 de 27 de Agosto, o assunto foi classificado com o grau de segurança de confidencial».
Em Março último, em contrapartida, o Diário de Notícias publicou um trabalho de fundo sobre a nova sede da PJ, acompanhado de uma entrevista com o director nacional e uma infografia com pormenores da arquitectura interior do futuro edifício na rua Gomes Freire, em Lisboa – imagens que Almeida Rodrigues disse ao SOL não serem da nova sede, «nem fornecidas pela PJ». Já esta semana, o Diário Económico revelou os valores das propostas apresentadas pelos quatro concorrentes convidados: Mota Engil, Somague, HCI e OPWAY. A proposta desta última (cerca de 86 milhões de euros) será a mais barata.
*com Felícia Cabrita
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