In Jornal de Notícias (16/9/2010)
Telma Roque
«Se Celestino Almeida cobrasse dinheiro por cada fotografia que os turistas tiram à sua mercearia quase centenária – sobretudo estrangeiros – teria certamente um bom pé de meia para deixar aos filhos. Mas não. Recebe-os a todos com um sorriso aberto na loja onde atende clientes há sete décadas. Na “Pérola de S. Mamede”, situada na Rua Nova de S. Mamede, em Lisboa, respira-se o ambiente de uma mercearia de bairro dos anos 30.
A “Pérola” é quase uma “loja-museu”, um exemplar em vias de extinção. Na capital, são já poucas as lojas com interiores de reconhecido valor patrimonial, pela arquitectura ou materiais decorativos. E o que resta tem futuro incerto. Ainda esta semana, a Câmara embargou obras ilegais que decorriam no interior da antiga Drogaria Oliveirense, que aguarda classificação municipal.
A autarquia não conseguiu ainda notificar o proprietário, nem verificar a dimensão dos estragos. Foi o próprio presidente da Junta de Freguesia da Lapa, Nuno Ferro, que denunciou o caso. "Quem estava lá a trabalhar saiu para almoço e fechou tudo. Não sabemos o que foi estragado", explicou o autarca, lembrando que aquela drogaria existia, pelo menos, desde 1895, e tinha uma imagem Arte Nova do início do século passado.
Tanto a antiga Drogaria Oliveirense como a mercearia de Celestino Almeida aguardam por classificação. A proposta de salvaguarda foi aprovada em 2008, por iniciativa dos vereadores do grupo Cidadãos por Lisboa. Os vereadores, entre os quais Helena Roseta, propunham que fosse feito o levantamento das lojas de comércio tradicional para as incluir, em sede de revisão do Plano Director Municipal, na carta do Inventário Municipal de Património, e eventualmente abrir um processo de classificação. Pediam ainda que fossem estudados apoios aos proprietários. Nada foi ainda feito.
Coube a Helena Roseta – esta semana presidente em exercício, pelo facto de António Costa e o seu vice-presidente estarem ausentes em trabalho na China – decretar o embargo. Espera ter agido a tempo. “Não deitem abaixo os interiores destas lojas, que são fantásticos”, apelou a vereadora.
"Esses apoios são muito necessários. No outro dia, entrou aqui um homem que mora no Alentejo e disse-me que lhe ofereceram um subsídio para fazer obras e conservar a traça original. Gostaria de ter benefícios semelhantes", diz Celestino Almeida.
A mercearia está na família há três gerações. Celestino herdou o negócio dos padrinhos. “Fui trabalhar para lá aos 10 anos. Foi um castigo por não querer estudar”, revela. Completa este mês 78 anos e partilha o balcão com a mulher Maria há 54 anos. “Não haverá quarta geração. Os filhos não querem saber disto”, lamenta.
Grande parte da fiel clientela já morreu. Celestino continua a ter as portas abertas, mas há muito que deixou de vender com medidas e pesos. Tudo se vendia aos poucos. Meios decilitros de azeite eram vendidos em cartuchinhos de papel para regar um prato de peixe. O sabão era retalhado em pequenas barras e, por vezes, vendia cinco tostões de manteiga para barrar uma carcaça.»
"vendia cinco tostões de manteiga para barrar uma carcaça.»"
ResponderEliminarBolas...é bom relembrar como a vida era tramada para tantos.
Daí terem emigrado.
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