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20/09/2010
"Que se lixe o contexto"
In Público / Opinião (20/9/2010)
Por António Sérgio Rosa de Carvalho
«"Fuck the context" ["Que se lixe o contexto"]. Esta radical e provocadora afirmação foi feita, em 1995, pelo arquitecto Rem Koolhaas e ilustra não só a sua iconoclástica apologia de uma auto-suficiente "grandeza" (bigness - não confundir com grandiosidade, conceito qualitativo) que se sobrepõe a todos os valores, como contexto, discurso artístico, identidade e até à necessidade da própria arquitectura.
O objecto arquitectónico a partir de uma certa escala passa a um ponto sublime de auto-suficiência expressiva e afirma-se sem necessitar de diálogo com a envolvente. Pelo contrário, este desprezo pelo contexto é a condição imperativa para o seu carácter sublime. Este conceito foi desenvolvido a partir de Delirious New York (originalmente publicado em 1978) com uma retórica sedutora e eficaz, não tivesse Koolhaas sido, antes, jornalista e scriptwriter cinematográfico. Ora, a única palavra para descrever esta atitude é arrogância. E quando ela é aplicada numa arte e actividade que transporta em si uma tamanha influência e responsabilidade na qualidade de vida quotidiana e na sua relação com a paisagem e a Natureza, como a arquitectura, as consequências, essas sim, são enormes.
Passemos agora para o projecto Estoril Residence, de Gonçalo Byrne, no local do antigo Estoril Sol. Não pretendo aqui desenvolver apreciações sobre a demolição do Estoril Sol (já o fiz no PÚBLICO - Sol no Estoril, Delírios em Lisboa) ou considerações estéticas sobre a sua arquitectura (já o tratei na perspectiva do Genius Loci no PÚBLICO, Eclipse Total no Estoril, 19/8/2007), mas sim sobre a "conveniência" deste projecto para uma vila e uma região costeira, que se pretende afirmar perante o turismo internacional de qualidade, como vila histórica consolidada e inserida numa paisagem de beleza natural autêntica e preservada.
Cascais tem procurado afirmar o prestígio do seu carácter histórico patrimonial num pretendido equilíbrio dialéctico entre as características pitorescas de uma vila piscatória e a erudição aristocrática das villas e palacetes vindas do período D. Carlos. Isto, também numa continuação contrastada de uma pretendida sofisticação mais cosmopolita representada pelo Estoril e pelo Monte Estoril, imediatamente adjacente. Ora, não precisamos de relembrar os recentes acontecimentos do Tamariz, para sentir a confirmação de que estes locais há muito que se transformaram em zonas de expansão e ocupação da verdadeira megacidade-dormitório periférica em que esta costa se transformou. Processo este iniciado, muito antes, com as primeiras construções J. Pimenta, que marcaram também o início da ausência de planeamento estratégico e do "eclipse" da Costa do Sol.
Nesta perspectiva, é difícil compreender a aprovação deste projecto residence pelo autarca de Cascais, na oportunidade única que constituiu a demolição do Estoril Sol, para se desenvolver um outro projecto com uma boa contextualização histórica nas pretendidas características de Cascais e com uma inserção corrigida e correcta na paisagem. Isto, depois de um "delírio" prévio e irresponsável, com a ideia de uma torre na marina e depois da polémica inserção forçada do centro comercial na escala "Estado Novo", da entrada da vila.
Que dizer (escultura habitável?) sobre um objecto arquitectónico "autista", hermético, que pretende existir em auto-suficiência egocêntrica, num isolamento arrogante que despreza a paisagem, violentando-a... um edifício completamente dependente da climatização artificial, que pretende servir de plataforma privilegiada para usufruir de um horizonte marítimo, mas onde não se pode abrir uma única janela?
Nesse aspecto, a profecia perversa e a promessa egoísta e sociologicamente ridícula do filme de promoção cumpriu-se... os únicos que vão ter o privilégio de serem poupados à violência deste atentado à paisagem e ao horizonte... vão ser os seus habitantes. Historiador de Arquitectura »
"que se lixe a opinião de quem não gosta".
ResponderEliminarIsto vai ser o comentário de quem lá vive ou de quem lucrou com o imóvel.
Já se sabe, "money talks", para usar um anglicismo.
Uma cuspidela nesta bela baía! Money talks !
ResponderEliminarMuitos dizem que esta baía está a ficar negra, mas a verdade é que a maioria dos que comprou frações nesses imoveis são angolanos. =D Na piscina artificial de água do mar que fica em frente é uma das estâncias balneares preferidas dos jovens carenciados dos bairros sociais de Cascais, Sintra, Amadora, Oeiras e Lisboa.
ResponderEliminarA Linha de Cascais pode ter sido um sitio fino, mas agora é só xungaria, e os assaltos comprovam-no.
Uma pequena história para ilustrar o que a grande massa de arquitectos pensa: um aluno de arquitectura francês estudou português comigo e, porque gosto imenso de Paris comentei quão impressionantes as ruas e edifícios são. Ele concordou comigo mas disse-me, frustrado, que não deixavam mexer nos edifícios e que nada se podia fazer que manter! Pois ele nem deve ter percebido que o que impressiona naquela cidade é a consolidação estética, ainda que hajam problemas aqui e ali, muito discutíveis que nos mostram que, apesar de tudo os arquitectos ainda têm muito poder.
ResponderEliminarEm Lisboa, por contrário, é o camartelo o instrumento de renovação urbana. Quanto ao futuro? Bem, uma cidade híbrida, sem carácter, com edifícios iguais em falta de qualidade não é muito apetecível, principalmente quando haverão outras no mesmo estilo e muito maiores como na América do Sul.
"Muitos dizem que esta baía está a ficar negra"
ResponderEliminarEu até pensei que neste comentário ias dizer alguma coisa de jeito, mas vejo que a ignorância é tanta que nem racista sabes ser: mais de metade dos apartamentos deste prédio foram vendidos a angolanos, que possivelmente gastaram mais dinheiro neles do que tu ganharás em 250 anos.
A sua obra tem a característica de parecer ter existido sempre no local. Como lida com o factor tempo na arquitectura?
ResponderEliminar"Costumo dizer que um projecto deve conseguir fazer sentir que sempre existiu, isso é uma condição a que a obra de arquitectura deve aspirar. A condição de pertença adquire-se depois da obra feita."
Entrevista a G. Byrne e o resto aqui:
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=447797
Ao anónimo das 2:51, o sucesso na vida não se mede pelo dinheiro que se ganha.
ResponderEliminarQuanto ao facto de quem comprou e se são ou não futubolistas ou angolanos será um pouco indiferente, não deixa de ser novo rico e exibicionista.
Lamento que vivas a tua vida com tanta inveja. Conheço quem gostaria de lhe dar melhor uso e infelizmente já não pode.
Não fui eu que escrevi o coment das 11:23, mas já agora respondo ao tiburcio das 2:51:
ResponderEliminarEm 250 anos posso não ganhar o que os dirigentes do Estado de Angola ganham a roubar e matar os compatriotas (quer dizer ainda n perdi a esperança de ganhar o euromilhões), mas não vai ser nos proximos 250 não vou cheirar a catinga, e já tu por mais guito que tenhas não consegues disfarçá-lo. =D a não ser que sigas as pegadas do Michael Jackson.