10/02/2011

«Qual a Pena?»

No preciso momento da demolição em curso do antigo Cinema Europa, e enterrado que está o movimento que começou a defender um antigo cinema de bairro e acabou agradecendo uma salinha para ver uns DVD e ler umas revistas, faço minhas as palavras do Andar Urbano, publicadas há mais ou menos um ano.:


«Hoje veio no jornal a notícia que todos já há muito tínhamos por certa mas que, seguramente, acreditávamos ainda que pudesse vir a reverter-se.


A Demolição do Cinema Europa, na Freguesia de Santo Condestável, é um dos actos mais bárbaros cometidos contra a cultura, contra o património e contra a própria história e memória paisagística da Cidade e do Bairro de Campo de Ourique em particular.

Não é possível explicar, e não será nunca aceitável, pretender-se que um prédio de qualquer luxo que seja, por mais piscinas que possa ter, por muito comércio que albergue, possa substituir o edifício do Cinema Europa, com as suas características arquitectónicas próprias, de mérito reconhecido a ponto de estar integrado no inventário arquitectónico do então IPPAR, mesmo que não tenha sido classificado, vá-se lá saber porquê.

Pretender-se que a manutenção do Alto-relevo e dos vitrais é suficiente para preservar o património é uma ideia tão absurda quanto pretender-se que bastaria recortar as personagens principais do Painel de S Vicente para preservar a obra.
Campo de Ourique tem sofrido ao longo dos anos os maiores desmandos que descaracterizaram o Bairro, transformando-o num local quase irreconhecível e anónimo, que poucas coisas salvam de parecer um qualquer subúrbio desqualificado. Uma dessas coisas era precisamente o Europa.

Amanhã surgirá uma qualquer construção ao gosto do novo-riquismo parolo que tem grassado de norte a sul do país, perdendo-se um espaço que deveria ter sido preservado e mantido, com o fim que possuía, ou com outro qualquer fim, sendo que os seus interiores muito justamente poderiam servir para albergar algumas das muitas colecções museológicas que andam por aí em caves e esconsos. Já para não falar nas bibliotecas, videotecas e outros arquivos cujo destino tem sido a destruição em caves e corredores ao sabor de insectos e humidades.

Mas não, estamos num país em que o valor monetário fala muito mais alto que qualquer outro valor, por muito elevado, dignificante e prestigiante que seja, para a cidade e para o país.

Os responsáveis por este acto que me atrevo a classificar de lesa cultura, freguesia e município, num qualquer lugar com um grau civilizacional que se encontrasse um pouco acima do zero absoluto teriam há muito sido julgados e avaliados publicamente e remetidos ao opróbrio que merecem, em lugar de se ver eleitos ou reconduzidos às funções que tão mal desempenharam, ou desempenham.

Aqueles que dizem que o que importa é “olhar em frente” não merecem de forma alguma representar a Freguesia pela qual deveriam ser responsáveis, pois desconhecem o qual o valor da sua história, do seu património da sua paisagem urbana, ou da sua memória. Para elas vale apenas o valorzinho monetário imediato em detrimento do realmente perdura e eleva o estado cultural da sua população.

A pena deve ser severa, que haja quem a aplique.»


3 comentários:

  1. Anónimo10:21 p.m.

    Caro Paulo:
    É por isso que o admiro e me alegra deveras perceber que há quem pensa como eu. Bem haja, coragem!

    ResponderEliminar
  2. Património que desaparece todos os dias...Com uma impunidade descarada.

    ResponderEliminar
  3. Anónimo5:57 p.m.

    Concordo perfeitamente com este comentário. MAs ainda há mais. Não era suposto o dinheiro aqui investido, no âmbito do orçamente participativo, ser apenas para o interesse público? Vai a CML vender andares do edifício? Como se explicam 4 pisos subterrâneos neste edifício?

    Deviam era colocar em Campo de Ourique serviços públicos. Num dos bairros de habitação e comércio mais nobres e habitados de Lisboa, não há uma única repartição de finanças, nenhum notário, nenhuma repartição pública, nem outro qualquer meio de apoio administrativo à vida e comércio do bairro. Deviam era colocar aqui uma loja do cidadão, e servir os munícipes.

    ResponderEliminar