No preciso momento da demolição em curso do antigo Cinema Europa, e enterrado que está o movimento que começou a defender um antigo cinema de bairro e acabou agradecendo uma salinha para ver uns DVD e ler umas revistas, faço minhas as palavras do Andar Urbano, publicadas há mais ou menos um ano.:
«Hoje veio no jornal a notícia que todos já há muito tínhamos por certa mas que, seguramente, acreditávamos ainda que pudesse vir a reverter-se.
A Demolição do Cinema Europa, na Freguesia de Santo Condestável, é um dos actos mais bárbaros cometidos contra a cultura, contra o património e contra a própria história e memória paisagística da Cidade e do Bairro de Campo de Ourique em particular.
Não é possível explicar, e não será nunca aceitável, pretender-se que um prédio de qualquer luxo que seja, por mais piscinas que possa ter, por muito comércio que albergue, possa substituir o edifício do Cinema Europa, com as suas características arquitectónicas próprias, de mérito reconhecido a ponto de estar integrado no inventário arquitectónico do então IPPAR, mesmo que não tenha sido classificado, vá-se lá saber porquê.
Pretender-se que a manutenção do Alto-relevo e dos vitrais é suficiente para preservar o património é uma ideia tão absurda quanto pretender-se que bastaria recortar as personagens principais do Painel de S Vicente para preservar a obra.
Campo de Ourique tem sofrido ao longo dos anos os maiores desmandos que descaracterizaram o Bairro, transformando-o num local quase irreconhecível e anónimo, que poucas coisas salvam de parecer um qualquer subúrbio desqualificado. Uma dessas coisas era precisamente o Europa.
Amanhã surgirá uma qualquer construção ao gosto do novo-riquismo parolo que tem grassado de norte a sul do país, perdendo-se um espaço que deveria ter sido preservado e mantido, com o fim que possuía, ou com outro qualquer fim, sendo que os seus interiores muito justamente poderiam servir para albergar algumas das muitas colecções museológicas que andam por aí em caves e esconsos. Já para não falar nas bibliotecas, videotecas e outros arquivos cujo destino tem sido a destruição em caves e corredores ao sabor de insectos e humidades.
Mas não, estamos num país em que o valor monetário fala muito mais alto que qualquer outro valor, por muito elevado, dignificante e prestigiante que seja, para a cidade e para o país.
Os responsáveis por este acto que me atrevo a classificar de lesa cultura, freguesia e município, num qualquer lugar com um grau civilizacional que se encontrasse um pouco acima do zero absoluto teriam há muito sido julgados e avaliados publicamente e remetidos ao opróbrio que merecem, em lugar de se ver eleitos ou reconduzidos às funções que tão mal desempenharam, ou desempenham.
Aqueles que dizem que o que importa é “olhar em frente” não merecem de forma alguma representar a Freguesia pela qual deveriam ser responsáveis, pois desconhecem o qual o valor da sua história, do seu património da sua paisagem urbana, ou da sua memória. Para elas vale apenas o valorzinho monetário imediato em detrimento do realmente perdura e eleva o estado cultural da sua população.
A pena deve ser severa, que haja quem a aplique.»
Caro Paulo:
ResponderEliminarÉ por isso que o admiro e me alegra deveras perceber que há quem pensa como eu. Bem haja, coragem!
Património que desaparece todos os dias...Com uma impunidade descarada.
ResponderEliminarConcordo perfeitamente com este comentário. MAs ainda há mais. Não era suposto o dinheiro aqui investido, no âmbito do orçamente participativo, ser apenas para o interesse público? Vai a CML vender andares do edifício? Como se explicam 4 pisos subterrâneos neste edifício?
ResponderEliminarDeviam era colocar em Campo de Ourique serviços públicos. Num dos bairros de habitação e comércio mais nobres e habitados de Lisboa, não há uma única repartição de finanças, nenhum notário, nenhuma repartição pública, nem outro qualquer meio de apoio administrativo à vida e comércio do bairro. Deviam era colocar aqui uma loja do cidadão, e servir os munícipes.