01/05/2011

Na Baixa de Lisboa umas lojas alargam horários, outras encolhem-nos


Comércio

Na Baixa de Lisboa umas lojas alargam horários, outras encolhem-nos
Por Por Ana Henriques in Cidaddes / Publico

Muitas lojas de rua fecham às 19h na capital portuguesa, ao contrário do que acontece noutras congéneres europeias. É isto que faz a diferença entre um centro com gente ou vazio? Há dirigentes que defendem uma mudança - que os estrangeiros com negócios em Lisboa já abraçaram.

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Ao final da tarde o som seco da madeira das pranchas de skate a bater contra a pedra substitui o bulício da Praça da Figueira, que se torna quase tranquila. Da esplanada da pastelaria Suíça, os turistas entretêm-se com as habilidades dos skaters, enquanto tomam uma última imperial. É mesmo a última: às sete da tarde a pastelaria encerra o serviço deste lado e deixa a clientela à sua sorte, ficando aberta apenas a esplanada do Rossio.



Mesmo com o termómetro nos 25 graus, e o sol ainda muito longe de se ir embora, é hora de arrumar a trouxa. É o que faz um dos homens-estátua da Rua Augusta, perante as dezenas de lojas que já fecharam as portas. Outro grupo de artistas de rua ainda ensaia um último flamenco, elas de saia rodada às bolinhas a rodopiarem um sapateado na calçada. Mas a debandada dos milhares de pessoas que aqui andavam ainda há pouco rua acima e rua abaixo já começou, inexorável. Na rua sem carros só ficaram abertas menos de meia dúzia de esplanadas e cinco ou seis estabelecimentos teimosos, que insistem em prolongar horários. São sobretudo de asiáticos que vendem souvenirs, um negócio florescente maioritariamente nas mãos de imigrantes do Bangladesh. Uma espanhola que vai a passar admira-se: "Em Espanha as lojas das zonas turísticas estão abertas até às 21h ou 22h, e as das restantes fecham às 20h."



Uma luta que vem de longe



Numa Rua do Ouro praticamente deserta, uma reformada vinda de Buenos Aires pega numa toalha de mesa que Souaib Meah tem à venda no bazar. Por cinco euros, fica barata a feira, e seja como for os outros estabelecimentos já estão de persianas corridas, embora os candeeiros da rua ainda nem tenham sido acesos. Aqui há de tudo, de camisolas desportivas a galos de Barcelos, nossas senhoras de Fátima, pratos pintados e demais "artesanato português". Também há bóias de praia e malas de viagem. Sempre a preços módicos. "Para uma zona histórica, fecha tudo demasiado cedo", comenta Concepción Lopez, uma antiga assistente social recém-chegada da Argentina com as amigas, para uns dias de férias.



Se voltar à Baixa lisboeta no sábado de manhã, a antiga assistente social irá deparar com um cenário igualmente bizarro: alguns lojistas desistiram de abrir até à uma da tarde, como sempre fizeram. "Vem aqui muito pouca gente ao sábado", justifica a empregada de uma casa de artigos de decoração da Rua da Madalena. Alguns metros abaixo, os empregados de uma casa de pijamas e atoalhados confirmam: "Sugerimos ao patrão que fizesse o mesmo. Há sábados em que não fazemos caixa. A Baixa está mesmo morta."



Aproveitar a presença dos muitos turistas que ainda ficam nas ruas para lá das 19h não está nos planos da maioria dos lojistas da Baixa, mesmo quando o seu ramo de negócio poderia justificar um prolongamento de horário. Os vários homens que já estiveram à frente da Câmara de Lisboa conhecem bem o problema, que tentaram, sem sucesso, resolver. Um deles foi Carmona Rodrigues, que falou várias vezes da necessidade de os comerciantes se adaptarem aos hábitos dos clientes, que trabalham cada vez até mais tarde. Hoje recorda as razões dessa luta perdida: "Os contratos de trabalho dos empregados constituíam um entrave inibidor da flexibilização de horários."



São quase 21h e ao lado do velho café Nicola do Rossio, cuja esplanada continua cheia, ainda se ouve uma batida forte de música. Vem da casa de lingerie a preços acessíveis Tezenis, cadeia que tem aqui a loja que fecha mais tarde em todo o país. Como, se todos os lojistas da Baixa dizem não lhes compensar funcionar a desoras? "Estarmos abertos até às 21h no Rossio é uma mais-valia", assegura a responsável pelo departamento comercial do grupo, Mónica Costa. "Se todos os comerciantes pensassem da mesma maneira, as cidades portuguesas seriam mais bonitas e mais dinâmicas." Mónica Costa sabe, porém, que só o facto de estar à frente de uma cadeia com 47 lojas lhe permite o arrojo de ter este horário até aos sábados, domingos e feriados: "O comércio tradicional tem menos empregados, e portanto menos flexibilidade para alguns folgarem aos dias de semana."



No Verão até às 22h



Será que se está num beco sem saída? O presidente da Associação de Dinamização da Baixa Pombalina, Manuel Lopes, considera que não. "Não é concebível que as lojas das zonas históricas fechem às 19h e aos sábados à tarde por falta de pessoal", considera. "Ou sindicatos e trabalhadores entendem isto, ou o comércio tradicional irá falir." O dirigente associativo conhece casos de marcas comerciais que desistiram de se instalar na Baixa precisamente por causa dos horários praticados serem demasiado reduzidos. Não que a lei os impedisse de estarem abertos por mais tempo. Mas ficariam praticamente isolados. Manuel Lopes defende que os estabelecimentos dos centros históricos fiquem abertos até às 22h, pelo menos nos meses de Verão. E nesta altura que o país atravessa, assegura, é uma oportunidade única para levar a cabo a mudança, para os empresários do comércio irem buscar ao desemprego gente que possa assegurar novos horários, e em condições mais vantajosas. "A Câmara de Lisboa deve funcionar como motor para que sindicatos e empresários cheguem a um acordo", opina.



Como vice-presidente da Confederação de Comércio e Serviços de Portugal, Vasco de Mello sabe bem quais são as orientações da troika que está no país. A flexibilização dos horários laborais e a redução dos pagamentos por trabalho extraordinários e outros suplementos fazem parte do rol das medidas na mesa. O dirigente da confederação concorda que é necessária uma adaptação dos horários do comércio. "Mas no estado em que a Baixa e o país se encontram terá de haver muito cuidado", avisa. Como patrão das lotarias Campião, decidiu começar a encerrar as suas duas casas da Baixa ao sábado: "Normalmente as apostas são feitas à sexta, e não é rentável abrir no dia seguinte."



"Não são os antigos comerciantes que estão a destruir a Baixa", insiste. "É uma conjugação de factores, na qual pesa a dificuldade de acesso [por automóvel], algum declínio das lojas e a saída dos estabelecimentos de prestígio." Por outro lado, há menos transeuntes, com a chegada do metro ao Terreiro do Paço e Cais do Sodré, quando dantes ficavam no Rossio, obrigando muitos a fazer a pé este percurso. "Se houvesse um El Corte Inglés no Rossio que chamasse para aqui gente...", sugere Manuel Lopes.



A proprietária da tabacaria que fica na esquina da Rua da Conceição, junto ao arco da Rua Augusta, baixa a voz quando se lhe pergunta porque razão não fica aberta até mais tarde: "Já aqui fui assaltada. E aqui em redor fecha tudo a partir de certa hora..." A alegada falta de segurança é um dos principais argumentos de quem não altera os horários. "Só com segurança garantida. E mais iluminação na rua", defendeu há pouco tempo, numa reunião de comerciantes, Rodrigo Sarmento, dono de uma ourivesaria da Rua do Ouro com 141 anos de existência. As quinquilharias vendidas por tuta e meia como artesanato português nos bazares abertos até tarde não fazem mossa às peças caras que tem nas vitrines. "Algum deste comércio asiático ajuda a dinamizar a Baixa", admite Manuel Lopes. "Os donos dos bazares aproveitam-se da ausência dos que deviam estar abertos."



Paris, Londres, Roma



A reacção das lojas tradicionais nem sempre é a melhor. Fala-se em concorrência desleal, quer por parte das lojas, quer dos restaurantes de comida indiana e dos minimercados asiáticos, os únicos abertos pelo menos até à meia-noite. Foi, de resto, pelas mãos destes imigrantes que as lojas de conveniência reapareceram por toda a cidade. "Quase não pagam vencimentos e alguns moram nos próprios estabelecimentos", critica o dono de uma loja de ferragens da Rua da Madalena, Carlos Maio, que desistiu do negócio aos sábados. "É um comércio sem qualidade, que não traz riqueza, e as lojas tradicionais vão acabar por sucumbir. Há cinco anos fazia 1200 euros por dia de caixa, hoje faço 210."



Muitos apontam o dedo aos poderes municipais e ao Governo. "Em Paris, Londres ou Roma há um comércio de rua florescente, apesar das condições meteorológicas serem piores. Em Portugal não existe qualquer política de urbanismo comercial", critica o vereador do PSD Victor Gonçalves. "Nas cidades europeias não pode haver só lojas do mesmo ramo num perímetro de três ruas. Há um limite à quantidade de determinado tipo de actividades por zona", diz também um defensor da Baixa e do comércio tradicional, o historiador Sérgio Rosa de Carvalho, que teme a saturação do centro de Lisboa por negócios que desqualificam a sua imagem. "Não sei por que razão a Câmara de Lisboa nada tem feito por uma zona com esta importância estratégica".



Câmara estuda questão



"Não há enquadramento legal para a câmara poder definir quotas por áreas de actividade", responde o director do departamento de urbanismo comercial da autarquia, Pedro Milharadas. Este e outros assuntos, como a requalificação do comércio da Baixa, "estão a ser pensados" ou "vão ser estudados", até porque uma medida deste tipo pode pôr em causa o princípio da livre concorrência, acrescenta.



Questionado sobre quais são, afinal, as funções dos funcionários deste departamento, responde: "Há bastantes anos que o departamento estagnou em matéria de estudos. O que faz é licenciamentos [de lojas]."



"Tendencialmente, o comércio devia abrir ao sábado à tarde e prolongar o funcionamento nos dias de semana até às 20h30. Mas aos domingos é impensável", considera a presidente da União de Associações de Comércio e Serviços de Lisboa, Carla Salsinha. Esticar o horário de trabalho já não é, porém, uma prática restringida a Souaib Meah e aos seus compatriotas. Na sua casa de chocolates artesanais da Rua do Crucifixo, Sérgio Felizardo e a mulher, ambos na casa dos 30 anos, ficam uma média de dez horas por dia. "É ridículo deixar de abrir ao sábado de manhã. As coisas não são como há 20 anos", sublinha ele.



Não é que os lucros sejam miraculosos nos bazares, com as suas pequenas margens de lucro e rendas actualizadas. São vários os que têm ido à falência pouco depois de abrirem. "Mas mesmo que a diferença entre fechar às 19h ou às 21h seja apenas de 20 euros, sempre é qualquer coisa", diz Souaib Meah. "O português é que não gosta de trabalhar!"



A noite cai sobre as ruas quase todas vazias da Baixa. A casa de ferragens de Carlos Maio também já cerrou as persianas, e os empregados foram para casa. O comerciante deixa um desabafo: "Se tiver uma boa oferta de um comerciante chinês para trespassar a minha loja, vou-me logo embora."

9 comentários:

  1. Fecham cedo e aos fins-de-semana porque não há gente. A gente não vai lá porque está tudo fechado.

    Não têm empregados suficientes para manterem-se abertos até tarde e aos fins-de-semana porque não ganham o suficiente para pagar a mais empregados. Não ganham o suficiente porque não têm empregados para poder abrir até tarde e aos fins-de-semana.

    Queixam-se de as pessoas agora irem directamente para o Cais do Sodré e Terreiro do Paço, não atravessando a Baixa pelo Rossio. Mas a Baixa não deve ser uma zona de passagem onde se compra qualquer coisinha a caminho do suburbio. A Baixa deve ser um destino. Destino de compras/comércio, como era para ser o seu destino projectado por Pombal.

    Resumindo: Os comerciantes são os únicos responsáveis pelo seu declínio. Foi a falta de visão e incapacidade de se adaptarem a 2011. Conseguiram que os negócios da China e da Índia sejam mais atraentes do que os deles.

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  2. é sábado à tarde e preciso de comprar um presente para o meu filho levar à feste de anos do amigo. decido ir ao thadeus. chego lá está fechado!...

    viva o comércio tradicional!

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  3. Pois tambem existem exemplos contrarios: na Holanda as lojas funcionam das 9h as 17h excepto na quinta-feira em que fecham as 21h. Isto no centro da cidades.

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  4. Mas alguem vai de propósito à Baixa fazer compras, quando a maioria das pessoas moram tão longe.

    Tem algum jeito sair do emprego e ir em direção ao sentido contrário de casa fazer compras?

    Para quem more na Margem Sul e apanhe barcos ainda compreendo, agora aos outros mais vale ir a um grande centro comercial mais perto de casa e com outro conforto e onde se encontra coisas muito mais atrativas.

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  5. Acho inadmissível os juízos de valor (a roçar a xenofobia) que aqui se tecem sobre os comerciantes chineses. Pelos vistos são bem mais eficientes que os "tradicionais", e têm mais sucesso no negócio, sabem o que os clientes procuram.

    O que defendem os bloggers deste site? Uma Kristalnacht?

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  6. Pois é Sr. Xico, as pessoas moram longe mas as compras na Baixa não devem ser as necessidades do dia-a-dia (mercearia) mas sim produtos diferentes e comprados num passeio ou em lazer enquanto também se descansa nos cafés, almoça-se nos restaurantes e vai-se a atrações culturais.

    Nem toda a gente vive perto do Colombo, no entanto todos vão lá. Ou seja, o português em geral e neste caso o lisboeta é suburbano e sem qualquer cosmopolitismo.

    Mas acertou noutro problema: O grande centro comercial tem coisas muita mais atrativas. Até os comerciantes perceberem isso e adaptarem a sua oferta a 2011, não se safarão.

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  7. Eu quando falei em compras na Baixa nem pensei em mercearia, pensei em compras de roupa e artigos eletrónicos.

    É que quando preciso de algum deles a minha cabeça foca-se num centro comercial e que não tem necessariamente que ser o Colombo, pode ser o Vasco da Gama, o Loures Shopping ou o Dolce Vita, normalmente é este ultimo que escolho porque é o que tem sempre tudo em stock por ser maior e ter menos gente.

    Quando quero ir a um restaurante tambem não penso na Baixa, já agora, há algum restaurante bom para jantar na Baixa? Já ouvi dizer que há um chines que é bom, mas nunca lá fui.

    Para petiscar à tarde no Palmeira até vá que não vá.

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  8. Sr. Xico: Vejo que afinal concorda com o que este forum defende: O problema da Baixa não é a falta de parques de estacionamento mas sim a falta de comércio atraente.

    Já agora, pediu alguns exemplos de bons restaurantes na Baixa, e aqui estão alguns:

    Gambrinus, Rossio (no hotel Altis Avenida), Solar dos Presuntos, Taberna Tosca (Praça de São Paulo) e Terreiro do Paço. Lá perto, no Cais do Sodré, há também o Ibo junto ao Tejo. O Nectar Winebar na Rua dos Douradores também é recomendável.

    Quanto às compras de roupa, na Baixa encontram-se as mesmas lojas dos centros comerciais, desde a Benetton no Rossio, à Zara, H&M, às lojas mais procuradas pelas jovens como a Bershka, às casas resistentes de maior qualidade como a Nunes Correa.

    O senhor diz que não pensa na Baixa, e o problema é que muita gente não pensa na Baixa. A zona simplesmente não tem grande oferta além das tais lojas turisticas. E é isto que se defende: Comércio atraente para todos para que os lisboetas também pensem na Baixa como um destino.

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  9. Eu nem falei em estacionamento...

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