In Público (22/7/2011)
Catarina Gomes
«O objectivo anunciado pelos promotores é manter 60 por cento de área verde, mas perto de nove mil dos 27 mil metros quadrados arborizados serão reservados aos futuros moradores
O primeiro hospital psiquiátrico de Portugal, o Miguel Bombarda, em Lisboa, vai dar lugar a uma urbanização onde serão construídas seis torres que começam por ter quatro andares e depois estreitam e sobem até dez.
O arquitecto que concebeu o novo espaço, Belém Lima, diz que esta foi a solução encontrada para deixar 60 por cento do espaço verde. Intactos ficam os dois edifícios classificados, que incluem o pavilhão de segurança (o chamado panóptico onde eram internados os doentes inimputáveis) e o balneário inaugurado pela Rainha D. Maria II (onde os doentes recebiam banhos terapêuticos), que serão cedidos à Câmara de Lisboa.
Os últimos 24 doentes que viviam no Miguel Bombarda saíram no dia 5 deste mês para uma residência de cuidados continuados em saúde mental, no Restelo, e a unidade fechou as portas, à excepção do hospital de dia que continua temporariamente a funcionar, com entrada pela Rua Gomes Freire. Aparentemente, pelo menos, chega assim ao fim a acesa controvérsia provocada nos últimos anos pela decisão do Governo que permitiu vender e urbanizar este enorme pedaço da cidade, situado perto do Campo dos Mártires da Pátria.
Chegam também ao fim os 163 anos de história que levava a instituição que começou por se chamar Hospital de Alienados de Rilhafoles. Com a saída dos últimos doentes, o recinto de 4,4 hectares ficou definitivamente nas mãos da empresa que já o tinha comprado em 2009, por 25 milhões de euros, à Estamo, detida pela imobiliária pública Parpública.
Preservar a memória
Belém Lima garante que a memória do espaço, que já foi quinta, convento e hospital, vai ficar salvaguardada.
Do tempo em que era convento vão manter-se os muros e a capela, que fica no edifício principal onde depois veio a funcionar o gabinete do médico e director que deu nome ao hospital - depois de aí ter sido assassinado por um doente em vésperas da implantação da República, e que deverá ser mantido com o mobiliário que lá está, explica o arquitecto.
Fica também o circular pavilhão de segurança, o panóptico, criado em 1896 para albergar "os loucos criminosos" e que funcionou de 1896 a 2000, estando actualmente aberto ao público para visitas gratuitas às quartas entre as 11h30 e 13h00 e sábados das 14h00 e as 18h00.
Belém Lima afirma que os proprietários apenas estavam obrigados à manutenção daqueles espaços por terem sido classificados como conjuntos de interesse público no fim do ano passado, mas que vão também manter um terço do edifício principal, com a fachada neoclássica, assim como a capela do século XVIII que pertencia ao convento. As três componentes serão cedidas ao município para que decida o seu uso.
O que também ficará será "a cerca do convento, que é a marca histórica deste território que resistiu graças ao muro". O Miguel Bombarda já foi a Quinta de Rilha Folies, depois foi Convento dos Padres de São Vicente de Paula e depois Hospital de Alienados de Rilhafoles.
Defendendo o seu projecto, Belém Lima afirma que o Miguel Bombarda "era um lugar inacessível, quase ninguém da cidade conhece este local.
Finalmente a cidade vai chegar lá acima, criando um novo miradouro da cidade. Estamos a acrescentar Lisboa. É um local misterioso porque as pessoas não o conhecem". O plano prevê a manutenção de 60 por cento de área verde, mas cerca de nove mil dos 27 mil metros quadrados arborizados serão de acesso privado. O restante será público.
Parecer do Igespar
A área ocupada pelos edifícios será de 8000 metros quadrados, constando de seis torres em que a base é de quatro pisos e que depois estreitam e sobem até aos dez. Belém Lima classifica-as como "torres elegantes" que terão perímetros de 180 metros quadrados, com um apartamento por piso, e que "nunca se alinham, para fugir ao ar de loteamento maciço".
O trânsito automóvel irá circular através de uma rua que atravessará a urbanização, circulando parcialmente em túneis. Pretende-se que ali passem a viver cerca de 600 pessoas, em 193 fogos, com 21.800 metros quadrados de estacionamento subterrâneo, 3500 metros quadrados para comércio e 2500 para serviços.
O projecto aguarda o parecer do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, devido ao facto de a intervenção se situar junto a imóveis classificados, ao que se seguirá uma fase de divulgação e discussão pública, adianta o projectista do empreendimento.
A Estamo comprou também os hospitais dos Capuchos, São José, Santa Marta, Desterro, o único que já está desocupado e que está em vias de ser vendido, informou a empresa. Pretende-se que estas unidades sejam encerradas para virem a dar lugar ao futuro Hospital de Todos os Santos, que deverá ficar localizado na zona de Cheias. A Estamo comprou também parte do Curry Cabral.
Desenhos dos doentes estão a ser analisados
Os desenhos dos doentes do Miguel Bombarda estão a ser analisados por um grupo de especialistas franceses em Arte Bruta, que darão a sua opinião sobre quais devem ser conservados e restaurados, que deverão ter como destino a Torre do Tombo, e quais precisarão apenas de ser guardados, o que deverá ser feito no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, informou António Daskalos, da direcção do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. Quanto aos ficheiros clínicos dos doentes, foi estabelecido um protocolo com o Instituto dos Museus e da Conservação e a Direcção-Geral de Arquivos para estudar o destino a dar -lhes. No final do ano passado, um grupo de vultos da cultura e da ciência fez chegar às ministras da Educação e da Cultura um apelo "pela continuidade e desenvolvimento do Museu de Pintura de Doentes e das Neurociências", tendo em conta o fecho do hospital. Os nomes incluíam a pintora Paula Rego, o investigador António Damásio, a artista plástica Joana Vasconcelos, o sociólogo António Barreto, assim como o cineasta Manoel de Oliveira. »
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Não se preocupem que ainda muita tinta se irá escrever sobre este assunto. «Promotores», mas quais promotores? «Especialistas», ou marchants? Estamo?
Este processo já foi à CML, ou apenas á IGESPAR?
ResponderEliminarAlguém sabe se é possível consultar processos a decorrer na IGESPAR?
Quando é que o Zé que fazia falta vai fazer queixinha ao Mário Crespo deste escândalo?
ResponderEliminarNão esquecer que todos nos devemos unir e mobilizar para que o crime anunciado não avance: o encerramento do Museu, ocultação e dispersão das colecções, e destruição dos edifícios, (todos incluídos na Zona Especial de Protecção que abrange todo o perímetro hospitalar).
ResponderEliminarConsulem Lisboa SOS para ver fotos do património do H M Bombrda
Ao contrário do que diz a jornalista e esse incompetente do Belém Lima, o projecto não entrou no IGESPAR e Direcção Regional de Cultura.
Visitem o Museu, exijam visitar o Balneário e o Salão Nobre, e não se esqueçam que nem 5% das colecções estão expostas.
Nos tempos que correm, construir e vender mais 6 torres de 10 andares ... é mais uma lavandaria para o dinheiro ilícito ...
ResponderEliminarLuís Alexandre disse...
ResponderEliminarNos tempos que correm, construir e vender mais 6 torres de 10 andares ... é mais uma lavandaria para o dinheiro ilícito ...
10:58 PM
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Se todos pensassem assim o crescimento económico ia para ZERO e o desemprego aumentava ainda mais, com todas as consequências negativas que daí advêm. Onde eles arranjam o dinheiro não nos diz respeito enquanto cidadãos desde que não nos roubem directamente, é preciso é que façam algo pela economia.
São opiniões caro Xico.
ResponderEliminarO excesso de construção e o branqueamento de dinheiro ilícito é um problema que a todos diz respeito.
A falta de construção é um problema social gravissimo. O que é que vai fazer ás centenas de milhares de desempregados desta área? Ainda por cima a maioria vive em bairros que são ninhos de criminalidade. Se o barril de polvora tombar ninguem o vai segurar. E com o continuo desinvestimento na segurança publica...
ResponderEliminarJá sei que estão todos contentes em que isto se torne um novo Brasil. Não se esqueçam que a PSP, GNR e PJ têm identificados na Área Metropolitana de Lisboa 77 bairros muito problemáticos (têm ocorrencias diárias).
Há muito ingénuo que acha que os problemas sociais da periferia não chegam ao centro daí andarem a brincar com o fogo, mas quando se queimarem vai ser tarde de mais.
Foi esse pensamento que levou a que hoje existam 3 casas por habitante português.
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