19/10/2011

Teatro da Politécnica. Amarelo, preto e de todas as artes

In I Online (19/10/2011)
Por Maria Catarina Nunes

«Desfalcados, exaustos, mas orgulhosos. Podia ser um grito de guerra, próprio dos tempos que correm, mas os termos são de Jorge Silva Melo, fundador e director artístico dos Artistas Unidos, que hoje inauguram uma casa nova, no Teatro da Politécnica, junto ao Jardim Botânico de Lisboa. Será a casa da companhia nos próximos três anos, nos termos de um contrato renovável com a reitoria da Universidade de Lisboa

A entrada é feita pelos portões do Museu de História Natural ou do Jardim Botânico. Entre as árvores, por detrás do edifício que agora está pintado de amarelo forte, está um escritório ao ar livre – uma mesa, cadeiras e computador – onde Jorge Silva Melo responde a e-mails e trata das papeladas próprias antes da abertura do novo espaço. “Nada mau, hã?”, recebe-nos de sorrisos e boa disposição, olhos no seu recanto de trabalho.

Dentro do edifício, o espaço é amplo: à esquerda, a bilheteira, que está a ser montada quando chegamos. Além dos ingressos, o pequeno balcão vai armazenar livros e DVD para vender. Ao fundo, atrás da bilheteira, a sala de grandes janelões de vidro que vai ser palco de algumas peças, mas hoje veste outra das roupas para a qual foi pensada: a exposição de Ângelo Sousa (entrada livre) também inaugura o espaço. Quadros de fundo brancos e pinceladas de cores sobre as paredes pretas; esculturas metálicas no chão, também negro. É do lado de lá desta sala, na rua, que Jorge Silva Melo montou o escritório (itinerante). “A instalação foi, e ainda está a ser, muito dolorosa. Houve alguns erros técnicos e falta de conversa, além de uma espécie de demissão da Direcção Geral das Artes, que apesar de anunciar esta abertura em quase tudo o que faz, não a mostra no seu site.”, diz Jorge Silva Melo. As obras de adaptação do edifício e o equipamento custaram 140 mil euros e a companhia contou com apoios da Câmara Municipal de Lisboa, da Fundação Calouste Gulbenkian e do extinto Ministério da Cultura, actual Secretaria Estado da Cultura. A Reitoria da Universidade de Lisboa encarregou-se da reabilitação estrutural do edifício.

Dentro dos tais “erros técnicos”, está a concepção da primeira bancada do teatro – recorda-se da entrada, onde fica a bilheteira? Para entrar na sala de teatro principal, com 80 lugares de assentos vermelhos, basta virar à direita. Enquanto conversávamos com Jorge Silva Melo, e como é natural nestas andanças de novos costumes, chegava a vistoria ao Teatro da Politécnica, que inspeccionou também a tal bancada da sala principal: “A equipa tem estado a trabalhar das 8h às 01h para ter as coisas prontas”. Enquanto lá estávamos, a inspecção olhou de lado, de frente e provavelmente por baixo dos assentos e, apesar de uns acertos de última hora, parecia estar tudo encaminhado – e seguro – para a estreia de hoje à noite.

Números: O director artístico está satisfeito com a abertura do espaço. Mas apesar de sublinhar o estímulo que sente ao poder abrir um teatro num momento pouco dados a estes acontecimentos, revela estar preocupado com o futuro imediato: “O Ministério [da Cultura, extinto] prometeu comprar material, mas isso ainda não se realizou e temos comprado com os nossos ordenados. E também sabemos que não vamos fazer mais convites: se por cada um que faço tenho de pagar 23% do IVA, por amor de Deus, não me peçam convites que me sai caríssimo!”

Apesar de todas as preocupações que lhe possam rondar a cabeça, Jorge Silva Melo solta as palavras como o faz com o riso. Sem largar os sorrisos da mão, tanto fala sobre o bom que é haver muita oferta cultural como salta para o medo que pode sentir volta e meia:“Tenho receio que os espectadores, neste momento, só encontrem as respostas às ambições culturais nas grandes instituições. Quando vou ao Teatro S. Luiz ou ao Nacional, as salas estão cheias. Mas há muitos que antigamente tinham muita gente e hoje não vejo quase ninguém”. A preocupação de Silva Melo é mais marcada, quando se recorda que pode haver “um cansaço da curiosidade”. O que quer dizer que os espectadores podem preferir sair de casa sabendo aquilo que vão encontrar, “confortavelmente sentados, vendo um espectáculo de qualidade ou não, mas compreensível e esperado. Sentem-se confortáveis com essa saída à noite”.

De uma forma ou de outra, o Teatro da Politécnica arrisca. Além das peças, exposições e livros, os Artistas Unidos querem promover conversas com a plateia:“No outro dia falava com a Paula Rego e dizia-lhe que não teria sido mal pensado chamar A Casa das Conversas a este teatro. Porque um teatro é isso: uma casa onde se pode conversar”. É por isso que depois das peças haverá conversas e encontros entre actores, encenador e público no Teatro da Rua da Escola Politécnica. “O que eu queria muito é que isto fosse não a casa dos Artistas Unidos, mas a casa dos espectadores dos Artistas Unidos”.

Por agora, a companhia pode estar desfalcada (“muitos dos apoios financeiros prometidos não chegaram”), exausta (“a batalha para conseguir o espaço foi longa”) e orgulhosa (“por conseguirmos um sítio tão bonito, tão próximo da vida de tanta gente e ao mesmo tempo tão recatado”). E talvez se não fossem tantas as estrangeiras, de idade avançada, a parar volta e meia na secretária ao ar livre do encenador, querendo saber “where is bor-bo-le-tário?”, Jorge Silva Melo não teria apontado nenhum dedo.

ESTREIA Abrir o novo espaço da companhia com uma peça de teatro clássico podedar a ideia que os Artistas Unidos querem deixar uma mensagem de teatro clássico. Mas “Não se Brinca com o Amor”, escrita em 1830 por Alfred Musset não traduz segundas intenções:“A programação deste ano estava delineada e tivemos a hipótese de abrir o Teatro da Politécnica”, conta Silva Melo. “Calhou que nem ginjas”. A graça que Silva Melo encontra é dele ser esperado outra tipo de apresentação:“Peças destroy sobre a juventude de agora, drogando-se, suicidando-se, a morrer de amor. Mas eu gosto de me contradizer”. A peça de Musset fala da juventude que não é a de hoje: “Mas é de uma inovação extraordinária para a época. Começa como uma farsa, depois é uma comédia e acaba com tragédia. Um volte face permanente das emoções e da análise”.»

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