11/12/2011

Comerciantes à espera de um milagre de Natal



Por Ana Rute Silva in Público

Confederação aponta para quebras de 15% nas vendas e perdas que podem chegar aos 600 milhões de euros. A distribuição moderna aposta em promoções agressivas para fidelizar clientes e o pequeno comércio une-se para dar vida às ruas sem iluminações. E os portugueses? Adiam a decisão de compra

O Natal está em saldos. Num centro comercial às portas de Lisboa, a maior parte das lojas não consegue fugir à palavra "promoção", colada às montras cada vez mais dias por ano. Aquela que é a época de ouro do comércio está a sofrer um rude golpe com a diminuição do rendimento das famílias, encolhido ainda mais pelo corte no subsídio de Natal a que a austeridade obrigou.
Iniciativas como o "compre dois, leve três" multiplicam-se a cada esquina. Há os dias especiais, anunciados como oportunidades únicas e irrepetíveis para comprar a preços mais baixos. Ou o "compre agora e desconte mais tarde", que em alguns casos obriga a coleccionar talões na carteira. A febre das promoções veio para ficar e é a estratégia mais usada pelo comércio para tentar travar as previsíveis quebras de vendas, na ordem dos 15% pelas contas da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que se traduzirão em 500 a 600 milhões de euros a menos na caixa registadora. As expectativas são mais pessimistas em Lisboa, onde a União das Associações de Comércio e Serviços (UACS) admite uma redução de 40% face a 2010.
"Estamos extremamente preocupados. Já o ano passado houve uma quebra de 30% e agora há uma crise financeira maior", diz Carla Salsinha, presidente da UACS. Luís Reis, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição, que representa empresas como o Pingo Doce ou a Moviflor, sublinha que ainda é cedo para apontar números. Os efeitos da redução do consumo vão sentir-se de forma diferente no retalho alimentar (hiper e supermercados) e não-alimentar. Contudo, os dados de mercado apontam, pela primeira vez, para uma diminuição do negócio dos supermercados, entre 1% a 2% no segundo semestre. No não-alimentar, e em algumas categorias de consumo, as quebras chegam a ultrapassar 10%.
As indefinições quanto ao futuro (sobretudo económico) travam impulsos consumistas e, por isso, "muito dificilmente os comerciantes vão conseguir recuperar os atrasos do ano", como era habitual no Natal, diz João Vieira Lopes, presidente da CCP, acrescentando que a opção por produtos mais baratos e por promoções é a grande tendência.
E há descontos para todos os gostos. Na loja de artigos desportivos Decathlon chegam aos 70%. Na Natura, onde se vende desde roupa a bijutaria, há cartazes vermelhos com letras brancas pendurados no tecto a anunciar reduções de 40% em compras superiores a 60€. Lá dentro, ouve-se música e uma gravação que repete: "Neste Natal vai ser mais fácil poupar nas lojas Natura." A Perfumes & Companhia oferece 20%, a loja de roupa Pepe Jeans promete uma "oferta especial de 30% em produtos seleccionados". E a Petit Patapon, de vestuário para criança, apostou em "reduções privadas", permitindo a quem tem cartão de cliente ter até 20% de desconto nas peças preferidas.
"Os retalhistas tentam antecipar o mais possível a realização das compras de Natal para diluir o impacto e dar mais oportunidade às pessoas para fazerem as compras. Ao nível da comunicação, o foco é value for money - ou seja, por um lado tentar maximizar o valor emocional da compra face ao seu valor, e depois tentar aumentar a proporção de gastos do consumidor num mesmo espaço", analisa Pedro Miguel Silva senior manager de consumer business da consultora Deloitte. A intenção é levar os clientes à loja o mais cedo possível e, por isso, os períodos de promoções e ofertas começam muito antes da época oficial de saldos.
Os programas de fidelização estão também mais sofisticados. Não há cadeia que não tenha um cartão com descontos "exclusivos" e Pedro Miguel Silva explica que os benefícios oferecidos são cada vez mais desfasados da altura em que se faz a compra, para que a relação com a marca se perpetue. "Na distribuição alimentar, usam-se os cartões como instrumento de fidelização ou talões de desconto em combustível. A intenção é manter a recorrência", afirma, acrescentando que esta é uma tendência europeia.
O comércio adequa-se à conjuntura. Os super e hipermercados reforçam a oferta de produtos de marca própria, cada vez mais alargada, nomeadamente aos brinquedos, ou concebem cabazes a preços acessíveis. "Temos procurado responder com um plano promocional forte", diz fonte do Continente, do grupo Sonae (que detém o PÚBLICO). O Pingo Doce, da Jerónimo Martins, acredita que os consumidores estão "mais racionais nas suas decisões e atentos às propostas que acrescentem valor", refere fonte oficial.

Adiar a decisão de compra

Outra das consequências da crise é o adiamento da decisão de compra. O Continente, em respostas enviadas por email, assegura que "é natural que se venha a verificar um ligeiro abrandamento e atraso na decisão de compra, em especial no mercado dos brinquedos". Apesar de tudo, a empresa espera alcançar os valores de 2010, que não adiantou. Mas Sara Marçal, da Mattel, acredita que os brinquedos vão resistir à crise: até Outubro as vendas são iguais às do ano passado, com a Mattel, que fabrica a Barbie, a crescer 8%. Ainda assim, olhando apenas para os meses mais próximos do Natal, este mercado desceu 4,67%.
Levar os consumidores às lojas é, por isso, a maior preocupação. Os centros comerciais intensificam sorteios de carros ou vales de compras, alugam carrosséis e organizam a chegada do Pai Natal. Duarte Cruz, director de gestão dos centros comerciais Dolce Vita, garante que não houve mudança de estratégia, mas sim um "aprofundar da aposta" no segmento famílias e público infantil, em que a marca se quer diferenciar. No outlet Freeport, em Alcochete, a preparação para o Natal "foi mais exigente do que em anos anteriores". Catarina Tomaz, directora de marketing e comunicação, esclarece: "O nosso foco são os descontos e, numa altura de crise, todas as marcas começam a comunicar descontos. A nossa proposta é permitir aos clientes comprarem o mesmo nível de produtos que antes, mas a preços mais reduzidos."
Sem os meios da distribuição moderna, o comércio local também adere às promoções antecipadas, reduzindo a margem de lucro. Carla Salsinha, da UACS, diz que não é estratégia, "é uma adaptação às dificuldades económicas". No Algarve, João Rosado destaca o espírito solidário dos comerciantes, que se unem para decorar e animar as ruas, num ano em que as câmaras municipais cortaram nas iluminações. "É a única coisa positiva da crise e tem-me surpreendido", diz o presidente da Associação de Comerciantes do Algarve.
Com 2500 euros e recurso a patrocínios, a Associação de Comerciantes do Porto conseguiu 15 mil senhas de estacionamento para quem fizer compras no comércio local, alugou uma charrete com um Pai Natal que vai circular pela cidade, imprimiu sacos e papel de embrulho onde se lê "Eu vou ao comércio tradicional". "Foi tudo conseguido com partilha de sinergias" entre a Câmara do Porto, a CPE e a Saba, que gerem parques de estacionamento. "Optámos por ir ao encontro do que é fundamental", sublinha Nuno Camilo, presidente da associação.
Na Avenida de Roma, em Lisboa, Mónica Nunes está atrás do balcão de uma loja de roupa para crianças. "Dá-me a impressão que estão a adiar [as compras] para a última hora. E quando compram, compram mais barato." Um pouco mais abaixo, na Faz de Conta, há poucos clientes. "Já moro aqui há 40 anos e nunca me lembro de ver a avenida tão triste", diz Inês Serrano. A loja de brinquedos tem sofrido com a crise e, agora, os artigos com mais saída não ultrapassam os dez euros.
Para não aumentar prejuízos, os comerciantes têm optado por reduzir as encomendas de novos artigos. João Law, que há 43 anos detém a Exótica (decoração), diz que Dezembro é a "salvação do ano" e mesmo em 2010 a facturação deu para equilibrar as contas. "Este ano vai ser difícil. As quebras são de 30% a 40% e eu pensava que iria vender menos 15%", lamenta.
Em Campo de Ourique, Ana Pinto garante que o negócio "está péssimo". "As pessoas vêm, algumas tiram apontamentos dos preços, fazem contas de cabeça para ter uma ideia de quanto podem gastar", diz a empregada da Saco Útil, que vende desde detergentes a loiça. A tradição já não é o que era.

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