24/02/2012

Tobis vendida a empresa angolana com nome alemão


Editorial do Público Hoje ...

O estado de indefinição em que se encontra a Tobis podia conduzir a situação de desespero, mas dificilmente se imaginava algo assim. Ontem, foi confirmado que a empresa que mantinha viva, como podia, a herança dos históricos estúdios do cinema português fundados em 1932 foi enfim vendida. E na véspera da assembleia geral de accionistas, marcada para hoje. É, pelos vistos, a conclusão de um processo que já vinha de trás, como o próprio secretário de Estado ontem confirmou, dizendo que se chegou a “bom porto” ao “fim de um processo negocial muito complicado”. Pois bem: se assim foi, supõe-se que o Estado conheça bem a empresa com quem firmou negócio. Puro engano. A Tobis foi vendida à Filmdrehtsich Unipessoal, firma com leve sotaque alemão mas que afinal tem “capitais sobretudo angolanos”. O que se sabe dela? Apenas isso. “Basicamente é o que nós sabemos da empresa”, diz o secretário de Estado. Quem negociou foram bancos e advogados, o Estado aceita ignorar o resto. Mas, mesmo ignorando, arrisca dizer que chegámos a “bom porto”. Sem cuidar de ver que no tal “porto” há um enorme nevoeiro que pelos vistos ninguém sabe como dissipar. Para comprar basta ter dinheiro? Nas lojas é assim. Em assuntos de Estado devia ser de outra maneira. Só não é, porque já nem o orgulho nos resta. 




Tobis vendida a empresa angolana com nome alemão

Por Luís Miguel Queirós in Público

Estado alienou parte da antiga produtora do cinema português, mas mantém o estúdio, o laboratório e o património fílmico

O secretário de Estado da Cultura anunciou ontem que a Tobis Portuguesa foi vendida a uma empresa unipessoal designada Filmdrehsicht. Apesar do nome alemão, trata-se, segundo Francisco José Viegas afirmaria mais tarde à imprensa, de "uma companhia estrangeira de capitais sobretudo angolanos", com a qual, acrescentou, o Estado português nunca teve contacto directo. Ao fim do dia, o director do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA), José Pedro Ribeiro, precisou ao PÚBLICO que "a Filmdrehsicht é detida a cem por cento por uma empresa de capitais angolanos e foi criada especificamente para concretizar este negócio".

O desenlace acaba por não ser inesperado, já que há meses corriam rumores de que a histórica produtora do cinema português iria ser vendida a empresários de Luanda. Já em Outubro de 2011, o semanário angolano Novo Jornal anunciara que o MPLA, o partido no poder em Angola, estava interessado em comprar a Tobis Portuguesa, cenário que a SEC nunca confirmou. No entanto, o negócio terá chegado a estar em risco, já que, em Dezembro passado, Viegas afirmava que a Tobis iria ser dissolvida se não fosse possível encontrar rapidamente um comprador. As negociações terão depois sido retomadas e, ontem, foi finalmente fechado o acordo, cujos montantes não foram divulgados. O secretário de Estado da Cultura confirmou que os representantes da Filmdrehsicht são as mesmas pessoas com as quais o ICA vinha negociando há meses.
O Estado português, que detinha cerca de 97% do capital da empresa, já tentara vender a sua participação através de um concurso público lançado no final de 2010. A oferta mínima foi então fixada em seis milhões e 930 mil euros, mas a única proposta que cobriu esse valor, da produtora Filmforme, do cineasta António Cunha Telles, acabou por ser afastada por não cumprir outros requisitos. Sem revelar detalhes, o director do ICA afirmou que o preço agora pago pela Filmdrehsicht "é, na prática, superior ao valor base estabelecido em Outubro de 2010", já que, explica, a transacção não incluiu os imóveis que são propriedade da Tobis, parte dos quais irão ser arrendados à empresa angolana, que "prestará serviços nas áreas digital e de restauro". O mesmo responsável assegurou que também o património fílmico da Tobis permanecerá nas mãos do Estado.
Segundo Francisco José Viegas, esta venda permitirá saldar todo o passivo acumulado da Tobis - calculado em cerca de oito milhões de euros - e garantirá a manutenção de uma parte dos postos de trabalho e os direitos adquiridos dos restantes. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e do Audiovisual (SINTTAV), que esteve ontem reunido com o ICA, afirma, em comunicado, que só metade dos trabalhadores transitará para a nova empresa.
Embora parte da Tobis permaneça nas mãos do Estado, esta irá ser hoje dissolvida em assembleia geral, não se sabendo ainda que destino irá ser dado ao estúdio e ao laboratório de película que esta possui em Lisboa.
Segundo afirmou ao PÚBLICO Tiago Silva, trabalhador e delegado sindical da Tobis, a Filmdrehsicht só estará interessada em manter algumas áreas de actividade da empresa, como "o restauro, a pós-produção digital, a animação ou o tratamento de som". E recorda que já há anos esteve em cima da mesa a possibilidade de a Tobis converter todo o arquivo da televisão pública angolana para plataformas digitais, contrato que teria sido negociado quando José António Pinto Ribeiro era ministro da Cultura, mas que acabou por não se concretizar.
O BE já requereu a audição de Francisco José Viegas no Parlamento para prestar esclarecimentos sobre este negócio. com Cláudia Carvalho

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