"Mas o grande passo tem que ser dado pelo Ministério da Defesa e pela área da cultura, obviamente", acrescenta o comissário, para quem o Estado deveria intervir mais. "Uma candidatura a Património Mundial, como candidatura estatal que é, pressupõe uma acção integrada do Estado para resolver este tipo de problemas, e isso não aconteceu." É por isso que espera que agora, com esta classificação, se consiga chegar a alguma solução. Enquanto isso, o forte continua assim."
(Domingos Bucho, comissário científico da candidatura de Elvas a Património Mundial da UNESCO).
Exmo Sr. Domingos Bucho ...A avaliar pelo que se passou no Foz do Tua, receio que não terá que falar com o Ministro da Defesa ou com o Secretário de Estado da Cultura, mas com o António Mexia.
António Sérgio Rosa de Carvalho.
Elvas já não é uma cidade-quartel mas continua a contar a sua história
Por Cláudia Carvalho in Público
Classificada pela UNESCO como Património Mundial, Elvas tenta compreender o significado desta classificação. Esperam-se mais visitas. Mas será que alguma coisa vai mudar?
Outrora uma porta controlada pela alfândega, hoje a Porta da Olivença não é mais do que um ponto de entrada na cidade de Elvas. Se em tempos existiu uma guarda de portas, hoje as entradas e saídas são controladas por um semáforo e já ninguém quer saber ao que vimos. A não ser o velho João José Cosme, que, depois de 15 anos a viver num espaço minúsculo no interior da fortaleza, mesmo colado a esta porta, ainda não se cansou de dar as boas-vindas aos novos visitantes e de cumprimentar os que por ali já estão fartos de passar. Já todos o conhecem, qual guarda de porta.
Não há dia que não fique a espreitar à porta do seu espaço, ao qual chama casa, e que lhe foi cedido pelo Exército, devido à sua situação social. Gosta de ver quem passa, falar com quem pára para falar. É assim que combate a solidão. "Antigamente, isto era dos militares, dormiam aqui, acho", conta-nos o homem de 80 anos e que há 15 anos trocou Campo Maior por Elvas, atrás de um amor que não teve um final feliz.
Sabe o peso da História que o lugar carrega, contando-nos que as fortificações foram construídas por necessidade militar, para proteger a cidade e o país, primeiro das investidas espanholas e depois das invasões francesas. Explica que em tempos já mais pessoas viveram nestes casebres da fortaleza. "Mas agora estão todas fechadas, acho que sou o único a viver aqui, não sei", diz João, que garante que não troca o lugar por nada. "Eu sei que isto não tem grandes condições, mas eu gosto de estar aqui, não há muitos sítios como este."
E, de facto, tem razão. Vive na fortificação que faz parte da muralha seiscentista que circunda a cidade e em menos de nada chega ao centro de Elvas. Do outro lado da muralha, tem uma vista de fazer inveja para o forte de Santa Luzia, construído no século XVII. Está, por isso, no centro da História, História essa que foi agora reconhecida pela UNESCO, quando, há duas semanas, classificou as fortificações de Elvas como Património Mundial. "Ultimamente, aqui só se tem falado disso da UNESCO, eu espero que mude alguma coisa", diz João, que faz questão de evidenciar que não sabe o que significa ser Património Mundial. "Mas sei muito bem que é preciso prestar mais atenção a este património, que não é só de Elvas mas de Portugal", defende, esperando que, com esta classificação, se tome consciência da importância dos monumentos elvenses. "Acho que não há muita coisa feita para os turistas", conta o homem, revelando que tem notado um menor movimento na cidade. "Vem muita gente de muitos lados, mas já foram muitos mais. Vamos ver se agora, com isto da UNESCO, a situação melhora", acrescenta.
Classificação "importante"
Mais atenção e mais turismo são também as consequências que Jacinto Ribeiro, subdirector do Museu Militar de Elvas, quer que se reflictam em Elvas, depois da classificação. A verdade é que, para já, continua tudo igual. "Mas ainda é cedo, só passaram duas semanas", diz Jacinto Ribeiro, referindo que também ali no museu, instalado nas fortificações e que ocupa um quarto do corpo principal da praça-forte, um exemplo arquitectónico do primeiro método holandês de fortificação do séc. XVII, como nos explica, o número de visitas diminuiu. "Todas as visitas ao museu são registadas e, por isso, notamos uma diferença em relação ao mesmo período do ano passado", conta o responsável, sem adiantar números, culpando a crise económica no país.
"Esta classificação é particularmente importante por causa disso, acho que vem na altura certa e espero que possa trazer uma nova vida a Elvas", conta, enquanto nos guia pelo museu. Jacinto sabe a história como ninguém e gaba o espaço do museu como poucos o farão. "É o maior museu militar do país", afirma. "Não serão muitos os museus que têm dois monumentos nacionais no mesmo espaço, nomeadamente a muralha do séc. XIV, conhecida como "Muralha Fernandina", e o Convento de S. Domingos, do século XIII", continua, acrescentando logo de seguida: "tudo isto foi classificado como Património Mundial", como se agora se tivessem tornado ainda mais importantes.
Pelo espaço do museu andam militares, mas, ao contrário dos quartéis habituais, aqui não marcham, mas dividem-se entre visitas guiadas e o trabalho de restauro do espaço. Têm formação na área e quem melhor do que eles para preservar e contar a história de um espaço que sempre foi seu? É isso que defende Jacinto, contando que, desde que há três anos o museu abriu portas ao público, tem vindo a crescer, em espaço e em colecção. "Isto é um projecto continuado, é para se ir fazendo. Eu diria que só daqui a vinte anos estará acabado", brinca, apontando para um grupo de crianças em visita escolar ao espaço. "Queremos apostar nestas visitas, também porque é importante que as crianças cresçam a perceber a importância destes monumentos e a História da cidade", atesta o subdirector, defendendo que, se assim for, cuidarão melhor do património.
No entanto, Domingos Bucho, comissário científico da candidatura de Elvas a Património Mundial da UNESCO e autor de várias publicações sobre as fortificações de Elvas, garante que, se existem pessoas consciencializadas sobre o que têm na sua terra, são os elvenses. "Não há povo que tenha mais orgulho", garante o professor, destacando o empenho da cidade e da câmara municipal em todo o processo de candidatura, que, garante, nem sempre foi fácil.
A avaliar pela quantidade de fotografias dos monumentos expostas em cafés, restaurantes, papelarias e até em talhos, os elvenses não têm só orgulho no seu património como o promovem tão bem quanto um guia turístico o faria. "Já viu bem o Aqueduto da Amoreira?", pergunta-nos Manuela Ribeiro, comerciante, que sabe que o enorme aqueduto que dá as boas-vindas a quem visita Elvas do lado oposto à Porta de Olivença foi construído no século XVII. "É o maior da Península Ibérica, sabia?".
"Eu espero bem que agora, com isto da classificação, mais pessoas passem por cá", diz Etelvina Nascimento, defendendo que ainda há muito trabalho a fazer para que Elvas se destaque no mapa português. "Os espanhóis já sabem o caminho, agora faltam os portugueses", brinca Irino Lopes, que já se habituou a ver pelas ruas da cidade turistas espanhóis, que serão, na sua maioria, de Badajoz. "Eles vêm muito para os restaurantes, mas também para conhecer a cidade e as nossas fortificações, claro", acrescenta, lamentando apenas o abandono do Forte da Nossa Senhora da Graça, jóia da arquitectura militar do século XVIII, peça central do conjunto agora classificado.
Intervenção do Estado
E abandono é mesmo a melhor palavra para definir o que ali se passa. Do alto do monte da Graça, este forte é visto de quase toda a cidade e, como destaca Domingos Bucho, "o que vemos não é nada". À saída de Elvas, em direcção a Portalegre, só quando lá chegamos, com muito poucas indicações pelo caminho, nos apercebemos da real dimensão do forte. São mais de sete andares, a sua maioria subterrâneos. Podiam contar uma história, mas é difícil imaginar qual seria a história, visto que o cenário é de destruição. Portas partidas, vidros espalhados pelo chão, paredes desgastadas, portões enferrujados. Esta parte também é Património Mundial. A UNESCO reconheceu a importância deste forte e o problema existente e estabeleceu como condição para aceitar a candidatura de Elvas que se arranjasse um novo uso para o forte.
Mas Domingos Bucho ainda não tem uma resposta. "Este forte, tal como o de Santa Luzia e como as fortificações abaluartadas do centro histórico, pertencem ao Ministério da Defesa", diz o responsável, destacando que, por isso, a câmara não pode fazer nada, e mesmo que quisesse não tem como. "Ao longo da candidatura, participei em várias reuniões, inclusivamente com o ministro da Defesa de então [o processo de candidatura começou em 2006], para se resolver este grande problema, mas nunca se resolveu", conta Domingos Bucho, garantindo que o "município está disponível para dar o seu contributo, tal como fez com o Forte de Santa Luzia".
"Mas o grande passo tem que ser dado pelo Ministério da Defesa e pela área da cultura, obviamente", acrescenta o comissário, para quem o Estado deveria intervir mais. "Uma candidatura a Património Mundial, como candidatura estatal que é, pressupõe uma acção integrada do Estado para resolver este tipo de problemas, e isso não aconteceu." É por isso que espera que agora, com esta classificação, se consiga chegar a alguma solução. Enquanto isso, o forte continua assim
O Forte da Graça foi abandonado pela CÂMARA Municipal de Elvas, o último administrador dos Fundos do FEDER em 2002, por um programa denominado Acção Integrada do Norte Alentejano-Programa Operacional da Região do Alentejo.
ResponderEliminarA Câmara de Elvas desde então foi o único Administrador do Forte da Graça.
Se for caso disso, coloquem nos comentários um correio, que eu mando foto do anterior cartaz de recuperação.
É portanto uma falsidade quando se afirma que o Ministério da Defesa abandonou o Forte da Graça, que ao contrário dos outros edifícios militares que administra sempre rejeitou.
Alguns exemplos de imóveis/espaços militares administrados pela Câmara:
1 - Muralhas;
2 - Regimento de Infantaria 8;
3 - Forte de Santa Luzia;
4 - Envolvente do Viaduto;
5 - Manutenção Militar.
A Câmara faz ainda passar a mensagem de que é impedida pelo Ministério da Defesa de recuperar o Forte da Graça.
Apesar de a Câmara ser administradora ÚNICA desde 2002, fez uma diligência não atendida ao Governo demissionário de Sócrates, tendo este governo já manifestado a intenção de entregar à Câmara o Forte que à Câmara há muito pertence.