Gravadores da Baixa: uma profissão que a redução da burocracia está a fazer desaparecer
15 Jul 2012 Edição Público Marta Spínola Aguiar
Carimbos, selos brancos para ministérios, embaixadas e demais instituições governamentais, medalhas, moedas. A gravação é uma actividade típica da capital, mas, nos dias que correm, tem-se tornado cada vez mais escassa. Uns culpam a crise, outros argumentam que as novas tecnologias destronaram os trabalhos manuais.
Actualmente existem 25 casas tradicionais, mas, com os ventos da austeridade, o trabalho tem sido pouco. “Há uma ligação dos gravadores com muitas indústrias. Uma vez que elas acabem, nós também acabamos”, afirma Vasco Costa, proprietário e fundador da Gravarte desde 1922.
“O nosso trabalho era muito dedicado às fábricas, que dependiam de nós. Fazíamos as formas para sabonetes e para as bolachas”, diz Vasco Costa. “Outro exemplo ligado a nós é os douradores. Eles usam os chamados ferros de dourar cujos desenhos são gravados por nós”, comenta.
Mas a crise não perdoa e com o tempo algumas casas vão fechando portas ou vão sendo substituídas por papelarias, ourivesarias e quiosques. Avessos a contar a sua situação, muitos gravadores temem que o fim da profissão esteja próximo. Antes tinham sempre encomendas, dizem, era quase todos os dias. Agora é de vez em quando e não se queixam. Nem que seja uma chapa ou outra, é sempre melhor do que nada.
Designam-se artistas e isso até lhes sobe o ego. Admitem que o que deve ser valorizado neste ofício é a versatilidade. Aliás, quem não investir em novas técnicas não vai conseguir evoluir, explicam. E depois o resultado não é positivo. “Menos mão-de-obra, menos dinheiro”, reclamam.
Por muito que queiram, não conseguem combater esta tendência. “Os gravadores vivem de fazer carimbos, placas e chapas identificativas. Se a burocracia lhes deu a ganhar, agora a desmaterialização dos documentos retira-lhes o papel para carimbar”, comenta Guilherme Pereira, técnico superior de Sociologia do Gabinete de Estudos Olisiponenses da Câmara Municipal de Lisboa.
Especialista em carimbos e em chapas, a loja Franco Gravador é uma empresa quase centenária. “Esta é uma empresa familiar. Passou de pai para filho e depois para netos e existe desde 1916”, conta Dulce Franco, actual gerente da loja. Mas “agora, como todos os ramos, estamos muito em crise”, afirma. “Antigamente, os carimbos eram para tudo e mais alguma coisa, mas desde que apareceram os computadores já não são tão precisos”, confessa.
Não são contra a tecnologia, mas de certa forma foram as inovações que provocaram o desuso do ofício. ”Depois do 25 de Abril houve uma adaptação às posições [do regime]. Hoje há mais mecanização”, diz Vasco Costa. “Actualmente, nem todos [os trabalhos] são feitos manualmente... Depende do desenho”, realça. Para Guilherme Pereira, a introdução da tecnologia na gravação foi uma vantagem para os trabalhadores. “Com a máquina de gravar a laser, a pouco e pouco facilita-se e retira-se trabalho”, afirma. Além disso, muitos trabalhos vão deixar de se fazer como se faziam, vão ser menos complexos e demorados.
Segundo Guilherme Pereira, a queda na produção deve-se também “à diminuição das empresas e das publicidades, dos emblemas, que se davam muito no Natal”. Contudo, Vasco Costa e Dulce Franco admitem que ainda mantêm os clientes habituais e que, de vez em quando, fazem gravações para ocasiões especiais. “Há uns dias, fiz uma medalha de um rapaz que tinha acabado o curso. Temos medalhas com profissões e os pais mandam fazer na medalha algo ligado ao curso e atrás gravam a dedicatória com o nome do filho. É uma maneira engraçada de eternizar a medalha”, elucida Vasco Costa.
O que atrai os clientes é a antiguidade do ofício, mas de acordo com o proprietário da Gravarte, esta profissão tem os dias contados. A realidade pode não agradar aos gravadores, mas não há como fugir a ela. Como refere o técnico superior de Sociologia, “há uma mudança de usos e consumos. [A gravação] é uma área muito ligada a todas actividades económicas e administrativas. Se estas abrandam...”.
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