Por Kathleen Gomes, em Nova Iorque in Público Sexta-Feira 29/06/2012
O mayor de Nova Iorque, Michael Bloomberg, propõe limitar o tamanho dos refrigerantes servidos nos restaurantes e cadeias de fast-food como uma tentativa de combater a obesidade. A ideia é pioneira e tem mais opositores do que apoiantes. Mas isto pode ser o futuro.
Lisa acabou de comer um Big Mac. Ela podia ter optado por uma refeição mais saudável, feita com produtos frescos ou biológicos, no mercado de rua que ocupa Union Square dia sim, dia não - "Adoro vir aqui nos dias em que há mercado", diz - mas depois de uma semana particularmente stressante, Lisa achou que ganhara o direito de fazer o que realmente lhe apetecia. Neste caso, almoçar no McDonald"s.
"Provavelmente é a pior coisa que podia comer, mas se há um dia em que quiser junk food, devo ter a liberdade de o fazer", diz esta solicitadora de 48 anos que prefere não revelar o apelido.
Se Lisa fala em liberdade, como se ela pudesse estar sob ameaça, é porque o mayor (presidente da câmara) de Nova Iorque, Michael Bloomberg, propôs recentemente limitar o tamanho dos refrigerantes vendidos em restaurantes, estabelecimentos de fast-food, cinemas e estádios até às 16 onças (aproximadamente, meio litro).
Actualmente, esse é o chamado tamanho "pequeno" vendido no MacDonald"s, onde uma bebida "média" contém 620 mililitros e o copo "grande" equivale a quase um litro. Independentemente do tamanho, todas as bebidas custam um dólar. E isto é a América: o cliente pode reabastecer-se as vezes que quiser sem pagar.
Bloomberg, que no passado fez vingar algumas medidas relacionadas com a saúde pública, como a proibição de fumar nos cafés e restaurantes de Nova Iorque, apresentou a iniciativa como uma forma de combater a obesidade e "encorajar as pessoas a terem uma vida mais longa". Ele notou que 58% da população adulta em Nova Iorque tem excesso de peso ou é obesa e acredita que "o público quer que o mayor faça alguma coisa" em relação a isso.
Se avançar, a proposta de Bloomberg não deverá ser efectiva antes de Março do próximo ano. Mas, tratando-se de uma medida sem precedentes - uma das raras vezes que um governante americano tenta interferir na dieta do seu eleitorado - ela conseguiu atenção nacional e gerou um forte coro de reacções negativas. Sondagens nacionais mostram que a maioria dos americanos é contra a medida (64%, de acordo com um inquérito Reuters/Ipsos). Uma sondagem da Universidade Quinnipiac revela que 51% dos nova-iorquinos discordam da proposta de Bloomberg, e 46% são a favor.
"É presunçoso da parte dele achar que tem o direito de controlar o que as pessoas fazem", diz Lisa, que se considera uma pessoa preocupada em manter hábitos saudáveis. "Ao mesmo tempo, é verdade que nós temos um problema de obesidade neste país. Somos a única sociedade repugnantemente obesa. E as escolas estão a cortar nos ginásios e na actividade física. Até posso perceber a lógica dele. Mas acho que não tem o direito de tomar essa decisão. Se o deixarem fazer isso, que mais é que poderá ditar sobre as nossas vidas? Medidas de contracepção? Aborto? E se ele decretar a obrigatoriedade de usar protector solar porque está um dia de calor?"
As hesitações de Lisa reflectem os termos que têm dominado o debate sobre a proposta de Bloomberg. A discussão tem-se centrado menos em questões de saúde pública - ninguém parece disposto a contrariar a evidência científica de que bebidas açucaradas com 600 calorias não são propriamente um benefício para a saúde dos consumidores - do que nos limites do controlo que o Estado pode ter sobre as preferências e a liberdade de escolha dos indivíduos.
"Eu sou judia e Hitler tirou a vida aos meus familiares. Fico sempre nervosa quando o Governo começa a intervir demasiado", diz Lisa.
Ou, como diz ao PÚBLICO Marion Nestle, professora de Nutrição e Estudos Alimentares na New York University: "Nós somos americanos e não gostamos que nos digam o que fazer."
A Eisenberg"s Sandwich Shop, na Quinta Avenida, é um dos últimos restaurantes de balcão corrido em Nova Iorque. O seu lema é: "A subir o colesterol de Nova Iorque desde 1929". A proposta de Bloomberg não deverá afectar o estabelecimento, onde as bebidas não vão além das 16 onças, mas isso não quer dizer que os proprietários, o casal Josh Konecky e Bonnie Taylor, aprovem a ideia.
"Ele parte do princípio de que as pessoas são demasiado estúpidas para saber o que é bom para elas", diz Josh. "Enquanto adulto, acho ofensivo o facto de não poder comprar um refrigerante grande."
Bonnie: "Ele dirige a cidade como se fosse um czar. Não quer saber a opinião dos nova-iorquinos. Ninguém nos perguntou se queríamos fechar a Broadway ao trânsito e transformá-la num local para peões. Ele simplesmente decidiu fazê-lo." "Se houvesse um referendo, esta medida seria logo rejeitada", diz Josh.
Em defesa própria, Bloomberg lembra que a proibição de fumar em cafés e restaurantes, introduzida pela sua administração em 2003, também enfrentou protestos e o cepticismo do público inicialmente. Mas acabou por banalizar-se e foi copiada por outras cidades e países. Quando Bloomberg estendeu a proibição aos parques públicos, no ano passado, a medida não levantou qualquer polémica.
"Quantas práticas que agora são vistas como boas políticas foram rejeitadas por uma maioria de pessoas no início?", pergunta Kelly Brownell, um professor que dirige o Centro de Política Alimentar e Obesidade na Universidade de Yale, e que considera a iniciativa de Bloomberg "corajosa". "Julga que a primeira vez que alguém sugeriu aumentar o imposto sobre o tabaco havia uma maioria de americanos a favor? Julga que a primeira vez que alguém propôs aumentar o custo de um carro com a instalação de airbags que as pessoas queriam isso? E o que é que isso nos diz? Que as pessoas precisam de tempo para se habituarem a uma boa ideia", diz ao PÚBLICO, por telefone.
Graças às leis antitabagistas, diz Brownell, "conseguimos a maior vitória do último século em termos de saúde pública: o número actual de fumadores é metade do que costumava ser".
Todas as pessoas com quem o PÚBLICO falou em Nova Iorque e que se opõem à proposta de Bloomberg sugeriram que uma campanha educativa seria mais adequada e eficaz do que "forçar as pessoas" ou "impor uma lei". "Nós tivemos uma campanha antitabaco que mostrava uma mulher com um buraco na garganta. Os fumadores detestam isso porque não querem que lhes lembrem como fumar é prejudicial. É isso que eles [a câmara] deviam fazer em relação à obesidade", diz Lisa.
Mas a primeira-dama Michelle Obama fez do combate à obesidade infantil uma causa e adoptou uma campanha nos últimos dois anos que não é de modo algum intrusiva - criou uma horta pedagógica no terreno da Casa Branca, praticou exercício físico com crianças, convenceu grandes superfícies como o Walmart a introduzir mais alimentos saudáveis e a expandir para os chamados "desertos alimentares" (zonas economicamente mais pobres com pouca ou nenhuma oferta de supermercados ou mercearias) - e mesmo isso foi alvo de críticas. "O que ela está a fazer parece inofensivo", comenta Glen Whitman, professor de Economia na Universidade Estadual da Califórnia cujas áreas de interesse incluem políticas paternalistas. "Mas, ao mesmo tempo, temos de perguntar-nos: será que ela não está a usar o poder da Casa Branca para conduzir-nos numa direcção que pode levar o marido dela e outros a adoptar medidas mais intrusivas?"
E não é como se a administração de Bloomberg não tivesse já apostado em campanhas anti-obesidade nos transportes públicos. Uma delas mostra nacos de gordura transbordando de copos de refrigerantes. Justin Yockel, de 39 anos, artista, reparou numa dessas publicidades no metro da cidade na noite anterior. "Toda a gente gosta de pensar que os adultos são responsáveis, mas a realidade é que isso nem sempre é assim." Justin acaba de sair do Whole Foods em Chelsea com uma couve. O Whole Foods é uma cadeia de supermercados que se distingue pelo facto de se estabelecerem em bairros ou zonas urbanas com índices socioeconómicos elevados, pela sua oferta de produtos biológicos e pelos seus preços acima da média. Justin concorda com a medida de Bloomberg. "É um começo no que diz respeito a controlar a obesidade."
"Se a educação, sozinha, funcionasse, não teríamos um problema de obesidade", nota Marion Nestle. "Comer em todo o lado, a toda a hora, em grandes quantidades, tornou-se socialmente aceitável."
Diz Kelly Brownell: "O que vocês, europeus, estão a ver nos Estados Unidos é o vosso futuro. Há ou não mais sítios de fast-food na Europa do que quando você era criança? Os tamanhos dos refrigerantes são ou não maiores? Nos Estados Unidos, uma das cadeias de fast-food, a Taco Bell, começou uma campanha intitulada A Quarta Refeição, que oferece às pessoas uma refeição completa depois da meia-noite. Eles estão intencionalmente a dizer às pessoas que três refeições por dia são uma coisa do passado. Quanto tempo vai levar até isto chegar ao seu país? E se você e os seus compatriotas forem espertos, vocês vão olhar para nós e dizer: "Onde é que eles erraram?""
Estamos a falar de uma população que não se deixa ficar quando confrontada mas também com um Presidente da Câmara com mais poder do que qualquer órgão do mesmo nível em Portugal, é preciso não esquecer.
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